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O Conselho Nacional de Saúde publicou as deliberações da 17ª Conferência Nacional de Saúde em duas etapas: em 20 de julho, apresentou síntese com 59 diretrizes para orientar o Ministério de Saúde na elaboração do Plano Nacional de Saúde e do Plano Plurianual (2024-2027) e, em 17 de agosto, divulgou todas as 243 diretrizes, 981 propostas e 79 moções votadas.

Algumas delas foram alvos de grupos reacionários, que deturparam os textos aprovados democraticamente pela maioria. O reconhecimento das manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana como promotoras de saúde virou “médicos serão substituídos por pais de santo”. O direito à hormonização para jovens transexuais virou “autorização para mudança de sexo de crianças”. 

“Muitas pessoas eram contrárias às conferências e até trabalhavam ativamente contra elas; atualmente, vemos um aumento na atenção e no reconhecimento das resoluções, mas com uso de desinformação, fake news e discursos de ódio que distorcem a interpretação desses processos”, comenta o presidente do CNS, Fernando Pigatto, em entrevista à Radis.

Que diretrizes e propostas aprovadas você destaca como mais emblemáticas da 17ª?

A Resolução nº 719, aprovada em agosto de 2023,  por conselheiras e conselheiros nacionais de saúde durante a 345ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde, é de extrema importância para o SUS e para a saúde pública no Brasil. Ela reúne todas as 243 diretrizes, 981 propostas e 79 moções que emergiram das discussões e deliberações da 17ª Conferência Nacional de Saúde, representando as demandas prioritárias da sociedade civil para fortalecer e expandir o SUS com base nos princípios de universalidade, equidade e integralidade. Para além das diretrizes e propostas, o documento também promove uma defesa radical do Sistema Único de Saúde (SUS), do Estado Democrático de Direito e da vida, compondo um projeto de nação que tenha como pilares a democracia, a soberania nacional, o desenvolvimento econômico e sustentável e as liberdades civis e políticas. A Resolução nº 719 aponta destaques relevantes em seu anexo “Construindo Novas Manhãs no Amanhã que é Agora”. Entre elas a necessidade de integração de políticas públicas, de soberania na produção de insumos de saúde, pela busca pela equidade e direitos para todos, do respeito às diversas culturas e modos de vida, pelo reconhecimento de práticas populares e saberes tradicionais, pela valorização da educação permanente em saúde, e pela proteção dos profissionais de saúde. Enfatiza também como resultado da 17ª a importância do financiamento estável para o sistema de saúde, com 60% dos recursos destinados ao componente público, além de promover a superação de preconceitos e lógicas morais nas políticas de saúde. Tudo isso evidencia o comprometimento constante em avançar em direção a uma saúde mais inclusiva para todas as pessoas. 

A ex-presidente do CNS Maria do Socorro de Souza identificou, em entrevista à Radis, “conflitos” no reconhecimento dos direitos de sujeitos historicamente oprimidos. Participantes LGBTQIAPN+ relataram que havia um grupo conservador tentando barrar direitos dessa população, por exemplo. Ainda assim, propostas ditas identitárias foram aprovadas. Após o fim da conferência, o grupo derrotado vem tentando invalidar a decisão da maioria, via divulgação de notícias mentirosas. Como o CNS tem se posicionado quanto a isso? É mais um ataque ao controle social?

Na verdade, é interessante notar como a percepção em relação às conferências e às resoluções mudou ao longo do tempo. Antes, muitas pessoas eram contrárias a essas iniciativas e até trabalhavam ativamente contra elas, buscando, inclusive, acabar com os conselhos de saúde no país. No entanto, atualmente, vemos um aumento na atenção e no reconhecimento das resoluções resultantes das conferências nacionais de saúde, o que é algo muito positivo. Entretanto, nem sempre esses debates ocorrem da maneira desejada. Infelizmente, vemos o uso de desinformação, fake news e discursos de ódio que distorcem a interpretação desses processos. Isso faz parte de um cenário complexo, ainda marcado pela presença do fascismo, que requer vigilância constante. No entanto, estamos comprometidos em dirimir dúvidas e explicar às pessoas como funciona o processo de conferência e a homologação de resoluções pelo Conselho Nacional de Saúde. Estamos trabalhando incansavelmente para manter a transparência e o entendimento adequado dessas questões. Na 17ª Conferência, tivemos uma participação massiva, com mais de dois milhões de brasileiros envolvidos, e um grande encontro em Brasília com cerca de seis mil pessoas, incluindo mais de três mil e quinhentos delegados. Durante a conferência, houve debates intensos, diálogos construtivos e divergências, mas tudo ocorreu em um ambiente de respeito e democracia elevados. No final das contas, a maioria das propostas foram aprovadas, mas aquelas defendidas por grupos reacionários acabaram sendo rejeitadas. As conferências nacionais de Saúde ocorrem a cada quatro anos. Para quem acredita que algo estava errado ou que alguma proposta deveria ter sido diferente têm a oportunidade de se organizar para a próxima edição e trabalhar para que suas ideias sejam consideradas. Esse é o funcionamento da democracia participativa em nosso país, onde as vozes são ouvidas e as decisões são tomadas coletivamente. É importante ressaltar que os instrumentos de resolução, como a Resolução nº 715, desempenham um papel orientador significativo nesse processo. As conferências são espaços essenciais para estimular o debate, e em diferentes momentos, podem aprovar ou rejeitar propostas, diretrizes e emendas. Como Conselho Nacional de Saúde, é nosso dever respeitar e trabalhar na implementação do que é decidido em uma conferência nacional.

Entrevista com Fernando Pigatto. — Foto: Eduardo de Oliveira.
Fernando Pigatto. — Foto: Eduardo de Oliveira.

Pela primeira vez, as conferências livres elegeram delegados e encaminharam propostas para serem discutidas na etapa nacional. Como avalia essa iniciativa? 

As conferências livres desempenharam um papel fundamental na retomada da participação e na reafirmação da democracia. Elas proporcionaram uma plataforma para dar voz à sociedade e oxigenar o processo de debate em torno dos temas que envolveram a 17ª Conferência Nacional de Saúde. Vivemos em um contexto desafiador nos últimos anos, com o desmonte das políticas públicas e a falta de financiamento adequado, e todas as  etapas da 17ª serviram como espaços onde as pessoas puderam participar ativamente na tomada de decisões sobre o que afeta suas vidas coletivamente. Tivemos experiências de Conferências Livres na 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, entre 2016 e 2018, e na 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde, entre 2017 e 2019, mas elas escolhiam participantes livres e as propostas eram incluídas nos anexos das etapas nacionais. Agora, na 17ª, houve a eleição de pessoas delegadas, além das diretrizes e propostas fazerem parte do relatório consolidado para a etapa nacional. Foram 99 conferências livres nacionais conduzidas de maneira democrática e aberta, permitindo uma participação ampliada da sociedade. Elas abordaram uma ampla gama de temas, como Saúde da População Negra, Educação Popular em Saúde, Comunicação em Saúde, Saúde da Mulher, Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, Saúde Mental, entre outros. Essas conferências foram essenciais para mobilizar a sociedade em prol da garantia e defesa de direitos, criando um ambiente onde as preocupações e necessidades das comunidades puderam ser discutidas de forma aberta e inclusiva. Este é um momento crucial na história, em que o Sistema Único de Saúde está se fortalecendo novamente, e isso é evidenciado pelo respeito ao controle social. As conferências livres são um reflexo desse fortalecimento, pois capacitaram a sociedade a desempenhar um papel ativo no direcionamento das políticas de saúde e na defesa de seus direitos. 

Quais as perspectivas de as decisões da 17ª influenciarem o Plano Nacional de Saúde e o Plano Plurianual de Saúde?

A resolução nº 715 aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde tem este objetivo. Dispõe sobre as orientações estratégicas para o Plano Plurianual e para o Plano Nacional de Saúde provenientes da 17ª Conferência Nacional de Saúde e sobre as prioridades para as ações e serviços públicos de saúde aprovadas pelo CNS. O documento contém 59 diretrizes da 17ª CNS. Um trabalho conjunto da comissão de relatoria e COFIN/CNS que sistematizou as 243 diretrizes e 981 propostas aprovadas durante a 17ª CNS. Quando o Ministério da Saúde através da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO) apresentou o PPA para as duas comissões, vimos que de certa maneira as nossas 59 diretrizes sistematizadas estavam em certa medida contempladas, mas mesmo assim propusemos mudanças ou alterações no que foi apresentado. A partir de uma ampla articulação com o CNS, SPO e Secretaria Executiva do Ministério da saúde, conseguimos avançar. Ao final temos uma avaliação positiva do processo e ainda com a possibilidade de influenciar ainda mais no PNS 2024/2027.

Quais foram os desafios de liderar o controle social da saúde e iniciar a organização de uma conferência nacional em um governo que cerceou a participação social?

Desde o golpe de 2016, entramos num período de resistência e foi nesse ambiente que realizamos a 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde, entre 2017 e 2019. De lá pra cá só aumentou nossa luta contra os retrocessos, enfrentando o fascismo e a pandemia, ao mesmo tempo esperançando o povo brasileiro de que era necessário e possível virarmos aquelas tristes páginas da nossa história. Sempre tivemos um processo de construção coletiva no CNS, criamos um clima de mobilização permanente e vivenciamos relações de muito afeto para superarmos as adversidades, mesmo quando estávamos distantes fisicamente entre 2020 e 2021 por causa da covid-19. O tema da 17ª Conferência Nacional de Saúde (Garantir Direitos, Defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã Vai Ser Outro Dia!) sintetizou o que estávamos enfrentando e nosso desejo de mudança no país. Conseguimos resistir e avançar ao mesmo tempo. Agora é seguirmos lutando para consolidar o que construímos coletivamente com mais de 2 milhões de brasileiros e brasileiras.

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