No momento em que a ciência está na corrida por respostas capazes de conter o avanço da pandemia de covid-19, pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições foram perseguidos e ameaçados nas redes sociais depois que divulgaram um estudo sobre o emprego do medicamento cloroquina no tratamento da doença. A pesquisa CloroCovid-19 é realizada em Manaus, com a participação de mais de 70 profissionais de instituições como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-DVD), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade de São Paulo (USP). O estudo concluiu que doses altas de cloroquina — recomendadas pelo consenso chinês — não deveriam mais ser usadas; a pesquisa também afirma que ainda não foi possível chegar a conclusões sobre doses baixas.
Foi o que bastou para que os pesquisadores fossem atacados por meio de notícias falsas e exposição de informações pessoais e de seus familiares nas redes sociais, no Brasil e nos Estados Unidos. O ataque foi compartilhado pelo perfil do deputado federal Eduardo Bolsonaro (sem partido) no Twitter (17/4). Em nota (17/4), o Conselho Deliberativo da Fiocruz declarou que as agressões são inaceitáveis e reforçou que “estudos como esse são parte do esforço da ciência na busca por medicamentos e terapêuticas que possam contribuir para superar as incertezas da pandemia de covid-19”. A Fiocruz ressalta que a busca por soluções não pode prescindir de rigor científico e afirma ainda que “apoia incondicionalmente seu corpo de pesquisadores, que estão absolutamente comprometidos com a ciência e com a busca de soluções para o enfrentamento dessa pandemia”.
O estudo foi realizado com pacientes internados em estado grave com o objetivo de verificar a segurança do tratamento. Como explica um dos líderes da pesquisa, o infectologista Marcus Vinícius de Lacerda, em nota (16/4), a dose alta é a mesma usada na China; porém, o estudo constatou que ela tende a provocar mais efeitos colaterais, o que até então não tinha comprovação. Segundo o pesquisador, as notícias falsas divulgadas se baseavam na informação incorreta de que “todas as mortes ocorridas no estudo se deveram ao uso das altas doses, sendo que nem todos os pacientes usaram a alta dose e todos eles tinham covid-19 muito grave, vindo a falecer por conta da doença, o que ocorreu dentro da média mundial”. O infectologista, que foi presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) e já foi entrevistado por Radis (169), enfatiza que todos os pacientes ou familiares foram orientados sobre o objetivo da pesquisa e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
“A ausência de capacidade de interpretação por parte dos agressores e seguidores culminou em reações violentas a todos os pesquisadores do estudo”, afirmou a Universidade do Estado do Amazonas, em nota (16/4). Ainda segundo a instituição, num momento de crise como esse em que vivemos, os vieses ideológicos prejudicam a execução da boa ciência, “pois desviam o foco dos pesquisadores para situações desconfortáveis e injustas como essa”.