A vida está repleta de ponto final. Cristalizam-se situações e sujeitos no molde do confinamento. Ninguém parece poder mudar e as coisas parecem não poder ganhar outras formas, dimensões e tamanhos. Se a dita polarização nos mostra que as afirmações e o seus pontos finais não têm se traduzido em diálogos, esquecemos que é através das perguntas e da escuta que criamos pontes e nos aproximamos de construir relações mais afetuosas, ou seja, de afetar propriamente uns aos outros.
Na educação escolar obviamente não é diferente. Os pontos finais são muitos. As dimensões do sucesso e do fracasso são atribuídas aos sujeitos como mérito ou demérito próprio – o que se aplica a estudantes, famílias, professores, coordenadores... Responsabilizamos indivíduos e negamos processos, afinal é mais fácil encontrar supostos culpados do que se debruçar profundamente na análise das situações.
Em geral, se um estudante não aprendeu é porque ele supostamente não deu conta, não se esforçou, ou pior, não é capaz... como se as dificuldades existentes fossem um atributo unilateral de ‘’su persona’’. Os mesmos pontos finais são colocados nas sentenças de nós professores – como se a culpa pela má alfabetização, dificuldades básicas em matemática e construção de um pensamento científico fosse nossa, pois não estamos explicando direito...
Deixamos de elaborar perguntas que nos aproximariam de construir outros mundos: por que a escola, num sentido generalista, está historicamente estruturada dessa maneira hierárquica, opressora, robotizadora, silenciadora e não de outra? O que isso tem a ver com o mundo capitalista-patriarcal-moderno-colonial que vivemos? No chão da escola, como as pessoas se sentem no seu dia a dia? Felizes? Tristes? Angustiadas? Empolgadas? Ávidas pelo conhecimento? Desestimuladas? Por que muitos estudantes não estão aprendendo os conteúdos lecionados? Ensinar e aprender são sinônimos? O que isso revela sobre a metodologia pedagógica e as relações que se constroem na escola? Por que definimos que todos os estudantes devem apresentar os mesmos resultados nos mesmos tempos? Qual é o momento em que os profissionais da educação se debruçam sobre essas questões de maneira coletiva? O que acarreta na construção das subjetividades dos atores escolares quando o suposto fracasso está integralmente concentrado em suas costas?
Parece ser um tempo em que mais do que nunca fazemos questão de reafirmar que o outro é diferente. Parecemos, mais uma vez, esquecer que quando criamos a categoria diferente, também criamos a categoria normal, que bem define onde nos situamos. O diferente passa a ser não aquele que apresenta outro ponto de vista, mas aquele que é inferior, mais limitado e não alcança as nossas perspectivas e expectativas.
Se aprender é uma dimensão humana, quando dizemos que alguém não é capaz de aprender, esvaziamos a humanidade do outro e também aquela que nos habita, pois nessa relação de dominação reforçamos uma cultura capacitista que controla e determina o que o outro é. Aí mora a questão, não enxergamos o outro como um ‘’está sendo’’, mas diante da lógica cristalizadora do ele/ela é assim, definimos que os resultados são frutos de uma forma de ser única do sujeito no mundo. Simplificamos o debate, justamente quando a conjuntura nos impele maior complexificação dele.
Aprendemos basicamente por curiosidade e/ou necessidade. Não aprendemos apenas o que nos interessa e nem apenas o que o mundo nos sugere. Aprendemos se nos relacionamos — tanto com o conhecimento em si, como também com as pessoas que nos estimulam. Se realmente acreditamos que cada indivíduo é um e, portanto, possui seu tempo, suas maneiras de aprender, é difícil imaginar que uma única abordagem didática e metodológica dê conta da diversidade que a escola nos apresenta.
É por isso que sinto falta das reticências nas escolas. São elas que deixam a reflexão pairando. São elas que permitem um silêncio genuíno ao invés da gritaria. São elas que valorizam mais os processos do que a substância final. Precisamos de pontes e não de um único ponto.
Sermos mais gerúndio e não infinitivo. Pelo menos com as reticências já são três caminhando.... Pensar uma pedagogia das reticências é valorizar mais a construção e a desconstrução de estados do que o apego pelo resultado em si. É estar e não meramente ser. É quebrar muros e não aprisionar. É construir alteridade e não familiaridade. É dimensionar as facetas e não petrificar uma imagem.
Voltemos a necessidade de elaborar perguntas. Somos escolarizados a todo tempo a dar respostas em exercícios, testes, reuniões e provas e não a questionar na mesma proporção, mesmo sendo as perguntas o catalisador da transformação. Como fazer a escola ensinar que os sonhos podem ter vida? Como fazer a escola ser o espaço que não nos responsabiliza e nos diagnostica quando não sabe lidar conosco? Como a escola pode ser o espaço que não silencia, mas que valoriza o silêncio que emerge da escuta ativa? Como a escola nos potencializa e não nos cristaliza?
O ‘’como’’ parece ser o anfitrião de onde reside as reticências, pois com ele podemos admitir que não sabemos ou não temos uma única resposta. E, daí entendemos, que as reticências carregam como o vento o que não vemos ou pegamos, porém sentimos. E é desse sentir que se emergem novas relações, novos mundos, novas escolas. É preciso estar aberto a mutação que a educação nos sugere, caso contrário, entenderemos que cristalizamos os sujeitos e situações, quando nós mesmos já estamos cristalizados.
■ Professor de Química da rede básica, coordenador geral do Projeto Construindo Saber, membro do coletivo [Re] considere, criador do curso Amã - Desformação Docente, poeta e escritor