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“De hoje em diante, uma nova visão vai governar o nosso país. A partir deste momento, vai se impor o ‘a América em primeiro lugar’. Cada decisão em matéria de comércio, impostos, imigração ou relações internacionais será tomada de forma a beneficiar os trabalhadores e as famílias norte-americanas”, afirmou Donald Trump em seu discurso de posse.

O lema “a América em primeiro lugar” é muito mais do que um slogan de campanha para satisfazer a uma fração conservadora e nacionalista do eleitorado americano. Trata-se, na realidade, da expressão de uma guinada de 180 graus na orientação da política externa norte-americana. Uma nova diretriz que coloca em cena, sem disfarces, o poder de cada país para impor seus interesses geopolíticos e comerciais. Uma orientação que desconsidera as instituições do multilateralismo como a ONU e suas agências. Um reposicionamento da maior potência mundial em favor do bilateralismo e do protecionismo explícito.

Antinacionais e distantes de qualquer projeto civilizatório, nossas elites parecem adotar o mesmo lema ao permitir o alinhamento automático aos Estados Unidos como linha mestra da sua política externa. Engajamento considerado por diplomatas de carreira como inoportuno, subserviente e contrário aos interesses nacionais e ao nosso futuro como nação. Uma reorientação que abandona iniciativas importantes como o BRICS e reafirma a necessidade de o país abrir suas portas ao livre mercado e abraçar a livre concorrência como parâmetros para a sua inserção no mercado internacional.

Enquanto as potências mundiais reforçam o poder do Estado como promotor do dinamismo econômico, o projeto em curso no Brasil defende um programa radical de privatizações que toma como premissa ideológica a delegação ao mercado e uma suposta incapacidade do Estado para alavancar o desenvolvimento. Pretende-se que iniciativa privada responda por quase tudo, incluindo áreas estratégicas como Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia. Nessa direção, instrumentos de políticas de Estado fundamentais como o SUS e o ensino público gratuito não passam de gastos. Complementam o receituário até aqui aplicado os cortes de direitos sociais e trabalhistas, a reforma da Previdência e o teto de gasto imposto pela Emenda Constitucional 95. Um conjunto de medidas que já mostrou o seu potencial destrutivo materializado no aumento da população de rua, na volta da fome, nos altos índices de desemprego, em um quadro epidemiológico e sanitário cada vez mais precário, na intensificação do processo de desindustrialização e reprimarização da economia, na fragilização do mercado interno, na queda vertiginosa do PIB e na concentração de renda e no nosso crescente isolamento internacional.

Nossas elites parecem desconhecer que os países que hoje comandam a economia mundial só aderiram ao ideário do livre comércio após conquistarem as posições de relevo que hoje ocupam. Não percebem o protecionismo e o livre comércio como faces de uma mesma moeda. Um arranjo retórico onde o livre comércio é, em geral, utilizado para forçar a abertura de mercados para aqueles países que praticam o protecionismo quando lhes convém. Uma estratégia definida pelo economista sul coreano Ha-Joon Chang como “imperialismo de livre comércio”. Para um grande número de críticos das políticas de austeridade e de economistas de renome, entre eles Paul Krugman e Joseph Stiglitz, agraciados com o Nobel de Economia, o que se observa na prática é a adoção de keynesianismo para os países ricos e monetarismo e livre comércio para os pobres.

Ao contrário da destruição criadora descrita por Schumpeter, estamos presenciando a aniquilação de nossa capacidade de enfrentar a concorrência internacional e implementar um projeto de país baseado em um desenvolvimento inclusivo, sustentável e soberano.

É preciso, a exemplo do que propõe a literatura sobre o Complexo Econômico e Industrial da Saúde, integrar o bem-estar social como instrumento e objetivo precípuo do desenvolvimento. Fora desse escopo estamos diante de estratégias de crescimento que atendem somente aos interesses de segmentos econômicos sem compromisso algum com o país. É hora de pensar a dinâmica das relações entre Estado, mercado e sistemas de proteção social a partir dos impactos das políticas sociais sobre o crescimento econômico e não somente deste último sobre as primeiras, como tradicionalmente se fez. A possibilidade de desenvolvimento sustentável passa pela proteção da vida e pela promoção de condições dignas para todos. Passa por reconhecer o Estado como parte da solução.