Agosto de 2018 | por Elisa Batalha
Por um lado, ser mantido criminalizado não diminuiu o número de abortos no Brasil. Por outro, a experiência de Portugal, que descriminalizou a interrupção voluntária da gravidez em 2007, mostrou que, lá sim, o número de procedimentos caiu ao longo dos anos. O aborto por opção da mulher é permitido até a 10ª semana de gestação. Em 70% dos casos, o procedimento é realizado no Serviço Nacional de Saúde.
Chefe da Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva e Infantil da Direção Geral da Saúde de Portugal, Lisa Ferreira Vicente participou do processo de inclusão do serviço nos hospitais portugueses. A ginecologista e obstetra conversou com a Radis sobre os dados do país e lições aprendidas nessa década. Eram cerca de 20 mil casos por ano até 2007, quando foi descriminalizado, e continuaram sendo até 2011, no período em que foi implementado o serviço. A partir daí, a prevalência começou a cair. Em 2016, foram cerca de 16 mil casos.
A Rede de Referenciação Materno Infantil incluiu o procedimento, assegurando o cumprimento da lei e respeitando a objeção de consciência por profissionais das equipes. Tanto as clínicas privadas oficialmente reconhecidas quanto os hospitais públicos notificam a ocorrência, com registro em uma base de dados. Um relatório anual é publicado com os índices
“A principal conclusão é de que a implantação do abortamento seguro resultou em claro decréscimo da mortalidade materna e de complicações severas decorrentes de abortos ilegais”
declarou a ginecologista. Entre 2001 e 2007, das 92 mortes maternas ocorridas naquele país, 14 foram relacionadas a complicações de aborto. Desde a legalização, houve uma morte, em 2011, decorrente de aborto legal, e nenhuma mais. “Nós, que trabalhamos na área da Obstetrícia, observamos que as mortes são só a ponta do iceberg na questão do aborto inseguro. As complicações passam por infecções que podem ter consequências graves e que podem levar à infertilidade”, observou.
Outro resultado apontado pela médica é a ampliação da contracepção. É oferecido às mulheres que se submetem ao procedimento o acesso a métodos contraceptivos gratuitamente a partir dali. “A interrupção da gravidez é uma oportunidade de aconselhamento contraceptivo, que tem sido bem aceita e com uma tendência crescente de uso de métodos de longa duração, como dispositivo intrauterino e implante hormonal”, descreveu. O uso de métodos reversíveis de longa duração aumentou de 26,5% em 2008 para 38% em 2015.
O acesso a todas as mulheres, inclusive às imigrantes, é garantido. A procura por parte destas têm aumentado. Em 2015, elas representaram quase um quinto das que procuraram o serviço.
“Portugal reduziu número de procedimentos após uma década de legalização. Fotografia: Cornelius Kibelka / Flickr
A Irlanda aprovou em junho, por meio de um referendo, a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação e, em caso de risco para a saúde da mulher e anormalidade fetal, até a 23ª semana. Até então, tinha uma das legislações mais restritivas da Europa sobre o tema, com o aborto proibido em praticamente todos os casos. A pena para as mulheres que interrompessem a gravidez em solo irlandês era de 14 anos de prisão desde 1992, quando foi aprovada uma emenda constitucional que agravou a punição.
As passagens de Londres para Dublin chegaram a esgotar em alguns dias próximos ao referendo, com o movimento intenso de irlandesas que vivem fora retornando ao seu país para votar. Com a reforma da lei irlandesa, os únicos países europeus que continuam a proibir a interrupção da gravidez são Polônia e Malta.
Na América Latina, uma combinação de reformas legais e decisões judiciais, além de publicações de guias de Saúde Pública, têm aumentado o acesso ao aborto seguro, em uma abertura que o relatório “Abortion law and policy around the world: in search of decriminalization”, publicado em 2017 no periódico Health and Human Rights Journal considera gradual. Na Cidade do México, desde 2007, o aborto a pedido da mulher é permitido no primeiro trimestre de gestação; no Uruguai, desde 2012. A Argentina teve lei aprovada na Câmara em junho deste ano num processo histórico, com grande comemoração dos movimentos de mulheres nas ruas, mas o projeto ainda seguirá para o Senado.
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