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O ano era 1980. O Brasil vivia sob o governo do general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar iniciada em 1964 — e a população enfrentava um cenário de crise econômica com aumento da pobreza, inflação e alta no custo de vida. No dia 3 de julho daquele ano, o Jornal do Brasil trazia uma das primeiras referências na imprensa à ideia de criação de um Sistema Único de Saúde: o ministro da Previdência Social, Jair Soares, admitia que a criação de um sistema único, integrando as redes municipais, estaduais e federal, como começava a ser reivindicado pelo movimento da saúde, “poderá reduzir sensivelmente os gastos com assistência médica, através do melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais do setor”.

O recorte de jornal de 1980 é a peça mais antiga do acervo de notícias da área da saúde mantido pela Hemeroteca Radis, que reúne um banco com aproximadamente 252 mil folhas de recortes de jornais que circularam entre 1982 e 2013. A Hemeroteca Radis nasceu do primeiro banco de notícias dedicado à saúde no Brasil: uma das atribuições iniciais do Programa Radis, criado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) em julho de 1982, era acompanhar as notícias sobre saúde na imprensa e realizar o que no jargão jornalístico é chamado de “clipping diário” (uma seleção daquilo que foi publicado nos principais jornais e revistas do país). A iniciativa resultou na criação do Banco de Notícias, em 1985, com a formação de um arquivo com recortes do noticiário sobre saúde — projeto pioneiro que permite que ainda hoje pesquisadores e outros interessados possam pesquisar sobre esse tema nas páginas do acervo digital.

A ideia de criação do SUS só ganharia forma nas discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e se tornaria realidade com a Constituição de 1988. Contudo, o nascimento do SUS não aconteceu sem oposição dos setores privados da saúde, como mostra um registro de jornal de 1986 também contido no acervo de Radis. Em 26 de abril daquele ano, a Folha de S.Paulo publicou que o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Mário Martins Filho, criticou os debates da Conferência ao dizer que os participantes propuseram “a extinção de tudo o que foi construído pela livre iniciativa para justificar o pedido de mais verbas para financiar um sistema caótico, que produz maus serviços, que permite fraudes e certamente é conivente”. No recorte de 1986, já estava explícito o conflito entre saúde privada e direito à saúde.

Consulta digital

A Hemeroteca Radis, que pode ser acessada digitalmente, abrange a cobertura sobre saúde dos principais jornais do país no período de 1982 a abril de 2013, incluindo também alguns recortes de 1980 e 1981 — há um projeto para que o acervo seja ampliado até o presente. O Programa Radis também reúne outras duas importantes fontes de consulta e pesquisa sobre saúde: um acervo iconográfico com imagens e fotografias da área da saúde desde 1982; e o arquivo histórico das quatro publicações editadas por Radis antes da criação da atual revista (Súmula, Dados, Tema e Proposta), que pode ser acessado em nosso site (leia mais no BOX).

“É difícil para as pessoas reconhecerem as conquistas e identificarem os retrocessos se não conhecem a sua própria história”, afirma Rogério Lannes, coordenador do Programa Radis. No acervo, é possível entender como foi a luta para extinguir o comércio privado de sangue e a criação dos bancos públicos, que garantiram acesso universal e controle de qualidade para o sangue coletado. Também se pode perceber como as estratégias de prevenção e tratamento do HIV/aids mudaram ao longo do tempo. “Se pegarmos o exemplo da aids, a grande virada nas campanhas e estratégias de comunicação aconteceu, a partir dos anos 1990, quando as pessoas vivendo com HIV/aids foram ouvidas, dentro do slogan ‘Nós por nós’”, completa.

Rogério lembra que o banco de notícias sobre saúde, mantido desde o início da década de 1980, foi fundamental para a produção de uma das publicações editadas por Radis, a revista Súmula, que trazia uma síntese da cobertura da imprensa sobre saúde, com análises críticas. “Um dos diferenciais do acervo da Hemeroteca Radis é que esse banco de notícias abarca o conceito amplo de saúde, incluindo todas as condições de vida e determinantes sociais, além de políticas públicas e econômicas que impactam no universo da saúde pública”, acrescenta. Esse material também foi muito utilizado por pesquisadores em um tempo em que não havia facilidade para acessar a internet. 

Mesmo atualmente, com a digitalização dos acervos dos jornais, a manutenção de uma hemeroteca pública é um diferencial, pois como ressalta Rogério, a consulta na maior parte dos jornais é feita em âmbito privado, com acesso pago. “Esse acervo tem uma importância grande para se pensar a saúde porque ali está, por exemplo, o histórico de como a iniciativa privada atuou o tempo todo em relação à saúde da população buscando interferir nas ações de Estado e na estruturação do sistema de saúde para que o seu lucro fosse garantido”, avalia.

A consulta ao acervo de Radis também ajuda a entender o papel da comunicação nas lutas por todos os direitos e pela saúde — e garantir o acesso gratuito da população a este material é uma das propostas de Radis. “Essa compreensão é parte do compromisso da comunicação pública: que ela permita o conhecimento da história de um povo e dos processos sociais de disputa de poder que interferem na conquista, garantia e ampliação de direitos. A comunicação pública é um espaço para que essa percepção ocorra”, pontua Rogério.

Como acessar?

Você pode acessar o acervo digital com recortes de jornais sobre saúde na Hemeroteca Radishttps://bit.ly/3lJIeBj.

Antes da Radis

As revistas editadas pelo Programa Radis nem sempre foram no formato que você conhece. Antes da criação da revista atual, em 2002, o programa editou quatro publicações ao longo de 20 anos, desde a sua criação, em 1982. Eram as revistas Súmula, Dados, Tema e Proposta. Cada uma delas tinha um formato e um perfil. Toda a coletânea de publicações históricas do programa também pode ser acessada digitalmente no link: https://bit.ly/3yZH3FY.

Dados trazia informações sobre saúde e análises epidemiológicas.

Súmula fazia um acompanhamento crítico da cobertura da imprensa sobre saúde.

Tema era voltada para aprofundar e debater assuntos específicos, com o enfoque da saúde coletiva.

Proposta foi uma publicação editada no período da Assembleia Constituinte e tinha o objetivo de debater as propostas da Reforma Sanitária.

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