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Parece que foi ontem, mas já se passaram cinco anos desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia em relação ao coronavírus. Em 11 de março de 2020, o mundo já registrava 118 mil casos da doença em 114 países; 4,2 mil pessoas já haviam perdido a vida, outras milhões lutavam por ela em hospitais. “Tocamos a campainha do alarme alta e clara”, alertou naquela quarta-feira Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.

O alarme soou, medidas emergenciais foram implementadas, e muita coisa mudou de lugar. Proximidade da morte, perda de pessoas queridas, risco de contágio, rotinas de higienização e de distanciamento social, exposição máxima às telas, mudanças drásticas na rotina de estudos e de trabalho. A vida humana foi obrigada a experimentar uma desconfortável pausa, diante de um cenário de incertezas e de muita desinformação. A pandemia de covid-19 não foi a mesma para todas as pessoas, mas é possível afirmar que ninguém passou ileso por ela.

Cinco anos depois, os efeitos ainda são perceptíveis, em muitos níveis. Além de sequelas físicas e emocionais, o tempo vivido sob a ameaça do novo coronavírus imprimiu mudanças na rotina e na sociabilidade da maioria das pessoas. Ao longo do tempo, algumas dessas alterações foram descartadas, outras incorporadas. Radis voltou a conversar com algumas pessoas que fizeram parte da nossa cobertura da pandemia de covid-19 e as convidou a refletir: que mudanças e aprendizados ficaram?

A vida após o (im) possível

Pedro Campana, médico infectologista

São Paulo

“Por um tempo, eu vivi o impossível”, resume Pedro Campana, infectologista e professor da Santa Casa de São Paulo. Quando foi declarada a pandemia, ele era coordenador dos residentes em um dos epicentros de enfrentamento ao coronavírus no país. Naquele momento, incerteza e angústia pautavam sua rotina. Eram 24 horas dedicadas a entender — e enfrentar — uma ameaça da qual pouco se sabia. 

O olhar do jovem médico, emoldurado por equipamentos de proteção individual na capa da edição de junho de 2020 (Radis 213), que narrava a exaustiva e perigosa rotina de profissionais de saúde nos primeiros meses de enfrentamento à covid-19, é uma das imagens mais marcantes da cobertura de Radis sobre a pandemia.

Cinco anos depois, convidado a refletir sobre tudo que passou, Pedro relembra, em primeiro lugar, como foi comprometida a sua saúde mental. “Foi um momento da minha vida que eu tenho até blecaute ao recordar. Eu não lembro da sequência dos acontecimentos, mas lembro que voltei a fumar, depois de dois anos”, rememora. Ele também avalia que foi um momento de resiliência, em que seu foco estava no presente, “não pensando no dia seguinte, não pensando no dia anterior”.

De sua casa em São Paulo, com a Radis 213 em mãos, Pedro reorganiza os pensamentos e conta pelo telefone que, no início de tudo, não imaginava o que viria pela frente. Ele havia ministrado, em janeiro de 2020, uma aula no Departamento de Clínica Médica da Santa Casa, quando considerou que a possibilidade de uma pandemia era algo muito distante, quase impossível. 

Quando a realidade se impôs, meses depois, tudo mudou. Ele se viu dando três, quatro notícias de morte por dia; seu telefone não parava de tocar; quando voltava do trabalho, não havia com quem conversar. Ele tentava se desligar, mas aí era a hora de estudar. Uma rotina extenuante. Além do cuidado que dedicava aos pacientes com covid-19, havia outras pessoas, já internadas com outras doenças infecciosas, que também exigiam sua atenção. Ele se preocupava com a saúde da sua família. E de seus amigos. E dele mesmo.

“Foi um momento de muito trabalho e de muita ansiedade”, resume. E de medo, muito medo. “Eu saía do hospital sem saber se iria morrer, se iria transmitir, se as pessoas que eu gosto iriam morrer, tudo ao mesmo tempo na cabeça”. Até a vacina aparecer, não havia perspectiva, pensava o infectologista, que confiava na resposta dada pela ciência, mas lidava com problemas que exigiam condutas imediatas. Não foi fácil lidar, ao mesmo tempo, com as demandas clínicas, a desinformação e a própria sanidade.

O clima de incerteza e de proximidade com o perigo cobraram um preço alto à sua saúde. Uma crise de burnout, ainda durante a pandemia. Os primeiros sinais de esgotamento apareceram logo em 2021: ele não tinha vontade (e nem forças) para sair da cama. Recorreu à ajuda psiquiátrica e psicológica, rendeu-se aos remédios. A psicoterapia foi incorporada à rotina. “A conta vem depois, né? Vem bem mais diluída, mas vem. Toda hora uma coisinha, sabe? Especialmente quando estou dentro do hospital. Há lugares lá dentro que ainda hoje me remetem diretamente à pandemia”, explica.

Pedro e a equipe do Núcleo de Medicina Afetiva (Numa), projeto que reúne profissionais de saúde em torno da proposta de atendimento  humanizado. — Foto: acervo pessoal.
Pedro e a equipe do Núcleo de Medicina Afetiva (Numa), projeto que reúne profissionais de saúde em torno da proposta de atendimento  humanizado. — Foto: acervo pessoal.

Memórias e aprendizado

E aprendizados? É possível pensar em algum legado de uma pandemia? Para o médico, ficou na memória a força do trabalho em equipe, da colaboração, da confiança em seus colegas de trabalho. Ele se emociona ao lembrar do elo que o ligou à amiga Taiana Ribeiro, também médica na Santa Casa, e desabafa: “Eu acho que até agora eu não me entendi no pós-pandemia, sabe? Eu ainda estou meio E.T.” 

Para quem esteve no olho do furacão, diz, é difícil lidar com a “memória de rede social” das pessoas, e perceber que a experiência da pandemia não foi capaz de modificar o modo como a humanidade vive e se relaciona com o planeta. “Foi como se tivesse passado uma tempestade, uma tempestade que levou a quase um milhão de mortos no Brasil”, define.

Apesar de se reconhecer um pouco pessimista, diante do exercício de reflexão proposto pela entrevista, Pedro também registra algumas conquistas pós-pandemia em sua vida pessoal: a conclusão do curso de mestrado em Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em que avaliou o impacto da covid-19 no desfecho clínico da tuberculose na população em situação de rua, na cidade de São Paulo [Leia mais sobre a pesquisa no box]; o investimento em um projeto pessoal, o Núcleo de Medicina Afetiva (Numa), que reúne profissionais de saúde em torno da proposta de atender de modo humanizado, oferecendo cuidado centrado na pessoa, e não na doença. “Um projeto do qual eu me orgulho muito de ser sócio”, diz.

Ele também se mudou para uma nova casa, de onde fala com Radis sob o olhar companheiro de Chica da Silva e Miguelin, seus fiéis escudeiros caninos. É lá onde recebe o apoio da família (ele fala com carinho da irmã Mari) e reúne amigos longevos: “Meus amigos são incríveis. Eu tenho uma rede de apoio maravilhosa, de amigos de infância; são irmãos que a vida me deu”.

É na casa nova, situada em uma rua mais calma, onde Pedro também descansa, em seus momentos de lazer. “Antes eu era muito mais da noite. Agora eu me acostumei a ficar mais em casa. Eu acho que eu me acostumei a ficar comigo, também”. Ele considera que estar mais à vontade consigo mesmo é reflexo da maturidade, mas também do aprendizado do período de distanciamento social, durante a pandemia. 

Algo que ele também identifica que ficou em sua rotina, daquele período, é o uso de máscaras na rua, quando está resfriado — o que considera um ato de solidariedade — além do cuidado de se testar, sempre que suspeita que possa estar novamente com covid-19. Ele conta que ainda guarda em uma pequena caixa algumas máscaras que ganhou. O médico lembra bem de uma que recebeu de uma enfermeira, no Hospital das Clínicas, e de outras que sua mãe fez. Ele as guarda por considerá-las simbólicas. Símbolos de um período difícil e que deixou marcas, mas que o fortaleceram e não o impediram de seguir adiante.

A vida que (se) entrega

Tirza Ferreira, universitária, ex-entregadora de aplicativo

Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Quando as autoridades sanitárias no Brasil começaram a recomendar que as pessoas permanecessem em casa, durante a pandemia de covid-19, muita gente teve que ir às ruas para poder se sustentar. Tirza Ferreira, então estudante de Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi uma delas. Com a mãe desempregada e a bolsa de estudos cancelada, ela decidiu, emergencialmente, tentar a sorte como entregadora de aplicativo.

Ela foi uma das personagens da edição de agosto de 2020 de Radis, que registrou a precariedade das relações de trabalho nas plataformas digitais e repercutiu o movimento organizado pelos entregadores em diferentes estados (Radis 215). Naquele momento, Tirza já sentia os efeitos daquela mudança em sua saúde: “Foi uma decisão emergencial”, conta à Radis, cinco anos depois. Por telefone, de Porto Alegre, ela relembra o que passou, sem saudades, mas considera que a experiência mudou sua vida.

Não pela atividade em si, ressalta. Ela já sabia que não continuaria fazendo entregas. O joelho doía, as jornadas eram árduas, o que recebia era pouco. Contudo, “sendo uma pessoa envolvida com a militância no movimento estudantil, seria impossível eu não entender e não participar do movimento [Break dos apps]”, explica. O envolvimento de Tirza com a luta dos entregadores a fez aceitar a indicação do seu nome como candidata a vereadora pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), ainda em 2020.

Um período difícil, quando fazia faculdade, entregas e, ao mesmo tempo, campanha política. A sobrecarga não foi somente no joelho, do qual reclama até hoje. “E aí o que deu no final? Um burnout horrível. Foi insuportável, e ainda estávamos no primeiro ano de pandemia”, relembra. Na metade de 2021, conta, voltaram à cena sintomas de depressão. A eleição havia passado, ela havia recebido 172 votos, o que não era suficiente para se eleger: “Eu não conseguia mais fazer nada, me isolei bastante, foi um processo bem doloroso”, rememora. 

Após um longo tempo trancada em seu quarto — quando não encontrava forças nem para ir se testar e saber se o mal-estar que sentia era gripe ou covid-19 —, ela conseguiu se reerguer, ironicamente, com a ajuda da mesma bicicleta. Em uma tarde, Tirza pedalou até o Parque da Redenção, que fica perto de onde mora, e casualmente encontrou com uma amiga. Foi a conversa entre as duas que a motivou a procurar ajuda psiquiátrica. Mesmo medicada, ainda levou um tempo para se recuperar.

Quando voltou a estudar, em 2021, ela começou a perceber que não se encaixava mais. Já não se sentia motivada a continuar estudando Pedagogia; o desprezo do governo Bolsonaro pela educação a assustava; as aulas a distância não ajudavam. Ela temia nunca conseguir emprego. Submeteu-se ao Enem, mas não passou. “Eu piorei muito nessa época. Tinha muito medo de ser uma pessoa com uma graduação, mas não ter um emprego na área”, relembra. Por outro lado, a ideia de “começar de novo” não lhe agradava.

Foi então que seu pai e seu irmão sugeriram um recomeço: eles argumentaram que a militância de Tirza tinha uma ligação estreita com a saúde mental, e que talvez fosse este um bom caminho a se tentar. A experiência pessoal durante a pandemia pesou — e ela decidiu mudar o rumo. Desde 2022 estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), ela avalia, hoje, o quanto o apoio familiar, a ajuda profissional e o recomeço foram importantes para a sua saúde. “Voltar a estudar me deu novas perspectivas”, conta.Logo no início do novo curso, ela já se envolveu em um grupo de pesquisa, onde é bolsista de iniciação científica. Com o tempo, conseguiu estágios remunerados, fez alguns trabalhos freelance para complementar a renda; hoje, cumpre estágio obrigatório em uma empresa de recursos humanos. Para o futuro, pensa na pesquisa e na docência, entendendo que o tempo que investiu nas duas graduações anteriores inconclusas (Pedagogia e História) não foram em vão.

A universitária Tirza trabalhou como entregadora de aplicativo durante a pandemia: experiência difícil que resultou em burn out. — Foto: acervo pessoal.
A universitária Tirza trabalhou como entregadora de aplicativo durante a pandemia: experiência difícil que resultou em burn out. — Foto: acervo pessoal.

Telas e precarização

E cinco anos depois, o que ficou de aprendizado? Sem pausa para pensar, ela responde: “Resiliência, definitivamente. Eu sinto que posso passar por absolutamente tudo e qualquer coisa, depois do que vivi”. Este “tudo” a que se refere veio há pouco, quando o Rio Grande do Sul passou pelas enchentes, em 2024. Pessoalmente, ela não sofreu nenhum dano, mas sentiu os efeitos no cotidiano. Perdas, isolamento, solidariedade: “Parecia tudo de novo, sabe?”

Tirza conta que a evasão na universidade foi enorme. Mais uma vez, teve que lidar com a Educação à Distância (EaD), já que estava em Ipatinga (MG), quando a tragédia aconteceu. “Fiquei presa lá, não conseguia voltar”. No período em que ficou afastada, sua mãe recebeu uma família desabrigada, que ficou exatamente no quarto de Tirza.  Somente um mês depois, ela conseguiu voltar. A viagem durou 36 horas, já que o aeroporto de Porto Alegre permanecia fechado.

Outro aspecto pós-pandemia que chama atenção de Tirza é o incremento do uso das tecnologias digitais e telas no cotidiano. “A vida mudou muito em relação às questões virtuais, e isso fala muito das várias formas de precarização. Na educação e no trabalho”, analisa. Para a ex-entregadora, a precarização evidente dos vínculos de trabalho da categoria, durante a pandemia, se estendeu para outras ocupações — às vezes disfarçada de “home office”.

Por outro lado, defende Tirza, as relações pessoais e sociais não perderam o seu lugar e a sua força na vida das pessoas, inclusive na sua. “A partir do momento em que pude sair e fazer as coisas, eu agarrei com toda a força do mundo. Realmente fiquei isolada depois que parei com as entregas”, explica. Para ela, o reencontro com as pessoas significou o restabelecimento de sua saúde mental.

A ativista considera que a pandemia também interferiu no modo com que lida com as questões políticas. Ela lamenta não ter conseguido retomar a militância partidária, mesmo entendendo que a atividade acadêmica também tem sua natureza política. “Talvez seja temporário”, pondera. Mas comemora a retomada do controle sobre sua saúde mental. “Hoje eu tenho rotina, criei novos amigos, novas relações, uma perspectiva de trabalho”. 

O trabalho a que se refere (e para o qual se prepara) é a docência universitária, lugar que, considera, será ideal para seguir adiante com o que sempre acreditou: “É algo que levo comigo para sempre. Nada, em nenhum processo que faço, é solitário ou individual. Não consigo viver nem quero viver sozinha”. Uma imagem da pandemia vem à cabeça e ela faz questão de descrever: “Eu me aproximei dos vizinhos conversando com eles pela janela, algo que a gente não fazia antes da pandemia. Hoje, eles vêm à minha casa”, conta. 

Tirza reforça, por último, o modo como a experiência pandêmica mudou o seu olhar para aqueles que ainda hoje cruzam a cidade sobre rodas, com uma mochila nas costas, levando produtos para as pessoas. Para eles, a universitária entrega, para além da educação, a empatia. E para além da gorjeta, a acolhida. “Eles estão sempre na correria e muitas vezes estranham a abordagem, mas eu sei a importância de um sincero muito obrigada”.

A vida (bem) dirigida

Victor Hugo de Sousa Nunes, condutor de ambulância

Santarém, Pará

Ao primeiro olhar, pode parecer que a rotina de Victor Hugo de Sousa Nunes pouco mudou nestes cinco anos após a pandemia de covid-19. Ele continua trabalhando como condutor de ambulância em Mojuí dos Campos, município que fica a 35 quilômetros de Santarém (PA), onde mora. Naquele período, foi ele que conduziu até o hospital um casal de idosos, que acabaram se tornando as primeiras vítimas do novo coronavírus no pequeno município de pouco mais de 16 mil habitantes, no Oeste do Pará, como retratou a reportagem de Radis, em setembro de 2021 (Radis 228). 

Desde então, um dia sim, outro não, ele acorda cedo, sobe em sua moto, percorre o trajeto entre as duas cidades e espera os primeiros chamados do dia. Hoje, sem mais precisar carregar consigo a autorização da Polícia Rodoviária Federal que o identificava como um trabalhador de saúde em serviço e o autorizava a circular pelas estradas, no período de distanciamento social. E sem o medo de se contaminar com um vírus que avançava com a velocidade maior que sua moto poderia imprimir nas estradas com pouco movimento.

Deste período, a memória mais marcante é exatamente a de cidades e estradas vazias, diz Victor, em mais uma conversa com Radis. Um cenário tão marcante quanto a sensação de insegurança e a apreensão de se infectar e transmitir para os parentes, comum naquela época. Ele optou, enquanto durou a pandemia, por dividir uma casa com o irmão e evitou visitar a mãe e a avó, com o intuito de protegê-las. 

Hoje, a mãe voltou a morar com os filhos. E quando foi que a vida voltou a ser o que era? “Normal, normal, nunca voltou a ser, né?” Ele pondera que depois da vacina as coisas foram melhorando, mas ainda guarda na lembrança as quatro vezes em que testou positivo para covid-19. “Não tive nada grave porque estava vacinado”, ressalta.

O cenário ao seu redor, naquela época, não era dos mais seguros. Servidor público de Mojuí dos Campos, ele era responsável por trazer, do posto de saúde da cidade ao hospital de campanha instalado em Santarém, pessoas com dessaturação de oxigênio (ou seja, com níveis de oxigênio no sangue abaixo de 90%). A maioria dos transportados eram pessoas com a saúde mais frágil, como idosos e pessoas com diabetes e hipertensão. Eram, quase sempre, três, quatro viagens por dia, conta Victor. “Quase todos os dias, eu levava alguém pela última vez”, recorda. Felizmente, ressalta, ele não perdeu ninguém próximo. No meio do turbilhão, o motorista ainda teve que lidar com um contratempo: um acidente de moto o fez ficar 15 dias afastado do trabalho, em maio de 2021. Enquanto se recuperava da luxação no ombro e da clavícula trincada, ele teve que dar uma pausa na condução da ambulância para dirigir um carro de apoio que levava profissionais de saúde aos bairros mais distantes — para conduzir a ambulância, era preciso estar apto para carregar um paciente ou prestar um socorro mais direto à vítima, como contou à Radis na época.

Condutor de ambulância, Victor ficou sensibilizado com demonstrações de solidariedade durante a pandemia. — Foto: acervo pessoal.
Condutor de ambulância, Victor ficou sensibilizado com demonstrações de solidariedade durante a pandemia. — Foto: acervo pessoal.

Corrida e futebol

De lá para cá, ele recuperou hábitos que ficaram de lado durante aquele período. As corridas pelas ruas de Santarém, o futebol com os amigos. “Eu só voltei a correr em 2024, está me ajudando a perder uns quilos”, brinca, revelando que vez ou outra ainda sofre com os efeitos do sedentarismo — ou da própria covid, não sabe dizer: Falta de ar, dor nas costas, esquecimentos breves de coisas simples do cotidiano, como nomes de pessoas e objetos. 

Outra coisa que recuperou foram as poucas saídas noturnas, paralisadas por conta dos riscos e a obrigatoriedade do lockdown. “Mas não com a mesma frequência”, acentua. Circular pelas ruas da cidade e poder visitar as pessoas são coisas simples, mas que se tornam importantes quando a pessoa se vê privada delas, destaca. O uso de máscaras no ambiente de trabalho, também quando está doente, foi algo que permaneceu, sinalizando a preocupação em higienizar as mãos, seja com água e sabão, seja com álcool em gel. Isso sem falar em qualquer suspeita de covid-19, que já o leva a fazer uma testagem.

Victor revela que é uma pessoa de hábitos simples e se considera caseiro: “Meu lazer é em casa”, diz, brincando que não sabe quantas vezes assistiu à série Game of Thrones, de 2020 até aqui, e que no momento se distrai assistindo a sua continuação, Casa do Dragão. Isso quando está de folga, o que é raro. Com o fim da pandemia, ele aproveita os dias em que está em casa para complementar a renda com outro trabalho, de entregador de um restaurante em Mojuí.

Estes são alguns dos aprendizados que o período de enfrentamento da covid-19 deixou na vida de Victor. Ele conta ainda que também ficou muito sensibilizado com as demonstrações de solidariedade que presenciou — ou de que foi destinatário, naquele período. “Foi um momento muito difícil para todos. No início, ninguém sabia o que era covid, como a doença era transmitida, como era possível se proteger. Mesmo assim, o ser humano estava disposto a ajudar o próximo”, avalia. Também houve situações de preconceito, registra, mas no geral considera que as pessoas estavam mais dispostas a se ajudarem.

Talvez tudo isso deixe os profissionais de saúde mais preparados para uma ameaça futura similar, acredita. “A gente que trabalha na saúde acha que está preparado para tudo, mas sempre há algo que pode nos surpreender”, analisa o condutor, destacando que havia muitos desafios e dúvidas quando tudo começou, mas que mesmo assim foi possível enfrentar. 

Ele aponta, ainda, uma questão que o surpreendeu, relacionada aos preconceitos dos quais podem ser vítimas as pessoas doentes, quando não se sabe exatamente qual é a origem da doença e o modo como se transmite. Isso é algo que pode ser complicado, no futuro, caso haja uma nova pandemia. “Até se saber o que é e como tratar, é preciso ter cuidado para não discriminar”, diz. 

Outro efeito pós-pandemia que ele considera importante é relacionado às vacinas. “As pessoas estão tomando menos vacina hoje, não só de covid, né? Outras vacinas também”, registra. Victor observa que se criou “um mito” que diz que as vacinas fazem mal e que favorecem o aparecimento (e o aumento) de doenças. “É muita desinformação”, avalia, lembrando que muita gente (inclusive ele) foi salva de morrer de covid-19 porque estava vacinada. “Eu mesmo tomei todas as doses de vacina e de reforço”, assegura.

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