A

Menu

A

Participe da Pesquisa Radis 2025

Pouco se fala, mas os diferentes espaços, comunidades, templos religiosos de matriz africana e indígena, no Brasil, sempre estiveram no lugar de um primeiro degrau para a cura de problemas não só espirituais, mas também emocionais.

Recentemente, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) reconheceu os terreiros como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa decisão ressalta o papel histórico dos diferentes espaços, comunidades e templos religiosos de matriz africana e indígena no Brasil.

Dentro desses espaços, pais e mães de santo oferecem um ombro amigo para dores que podem levar ao adoecimento físico e mental. “Se a cabeça não está em sintonia com a vida, com as relações afetivas, o corpo adoece”, destaca Maria Heloísa de Oxum, Ialorixá e técnica de enfermagem do Ile Axé Alaketu Oju Oxum, na Zona Leste de São Paulo. A falta de suporte afetivo e espiritual, enfatiza, frequentemente leva a doenças e, às vezes, até a morte.

Contudo, como o terreiro é um corpo-território-negro, o racismo e a falta de divulgação de seu papel biopsicossocial têm impedido o reconhecimento pleno de seu poder de cura.
A Resolução 715 do CNS, de 20 de julho de 2023, destaca a importância das religiões afro como complementares ao SUS. Em alinhamento com a Constituição Federal de 88 e a Lei Federal nº 8.080/1990, a Resolução estabelece a saúde como um direito universal, ressoando com as políticas de saúde dos terreiros de diversas religiões irmãs.

A resolução aborda a ideia de que locais como terreiros têm sido portas de acesso para os mais necessitados, e define os terreiros como equipamentos promotores de saúde. Além disso, os itens 47 e 48 fortalecem o protagonismo popular nos territórios do SUS, combatem o idadismo estrutural e promovem a intergeracionalidade.

Para a cultura de terreiro, o adoecimento é uma consequência de fatores biopsicossociais. Daniel Pereira, Babalorixá da CREIA Oxaguiã, celebra a resolução como um reconhecimento das práticas terapêuticas já existentes nas comunidades de terreiro. Ele aponta que os terreiros muitas vezes preenchem lacunas deixadas pelo poder público, funcionando como verdadeiros prontos-socorros. “Seja [atendendo] filhos e filhas de santo ou pessoas que buscam o terreiro esporadicamente.”

Ialorixá Nádia Ominodô de Ologunedé, historiadora, palestrante, ativista e funcionária pública, concorda com Pereira, afirmando que o reconhecimento faz justiça ao trabalho de cura promovido pelos terreiros, especialmente no campo emocional e espiritual.
A decisão do CNS representa um passo significativo no reconhecimento e inclusão das práticas de cura desenvolvidas silenciosa e respeitosamente pelas comunidades e pelos povos tradicionais de terreiro. É uma afirmação poderosa de uma saúde verdadeiramente inclusiva que leva em consideração a rica tapeçaria cultural e espiritual do Brasil.

* Babalorixá da CCRIAS — Comunidade da Compreensão e da Restauração Ilê Axé Xangô (CCRIAS), doutor em Semiótica e Linguística Geral (FFLCH/USP), escritor e finalista do Prêmio Jabuti, em 2020, com o livro Intolerância Religiosa. Texto originalmente publicado no site de Carta Capital (15/08).
Sem comentários
Comentários para: A ponte entre os terreiros de matriz africana e o Sistema Único de Saúde

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

  1. Pós-tudo
O grau de convergência dos achados científicos sobre a relação entre a difusão de armas de fogo e crimes é praticamente consensual, de forma análoga ao grau de concordância por estudiosos de que o processo de aquecimento global e mudanças climáticas têm sido provocados pela ação humana. No Atlas da Violência 2019 fizemos um resumo […]
  1. Pós-tudo
A implantação do Subsistema de Saúde Indígena em 1999 representou a mais importante estratégia de extensão de cobertura do Sistema Único de Saúde a essas minorias étnicas, cujos indicadores de saúde superam largamente os problemas de saúde enfrentados pelo Brasil não indígena. No atual contexto de ameaça global aos direitos sociais garantidos pela Constituição de […]
  1. Pós-tudo
Apesar dos 22 anos de atraso, a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi recebida com enorme entusiasmo e otimismo, tanto por profissionais do campo da saúde quanto por operadores do direito. A exceção ficou apenas para algumas entidades médicas, tradicionalmente contrárias às tendências contemporâneas de transformação da assistência psiquiátrica, já que representam interesses […]
  1. Pós-tudo
O SARS-CoV-19 chegou ao Brasil em fevereiro deste ano e, em março, foi confirmada a transmissão comunitária no país. Desde então a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) entendeu a gravidade da situação e seu papel enquanto sociedade científica da área de saúde coletiva no trabalho junto a outras organizações da sociedade civil para proteger […]
Próximo

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis