A

Menu

A

Maria Orleandra Alves decidiu que era hora de se libertar de um segredo. Durante o pré-natal de seu primeiro e único filho, hoje com 18 anos, ela havia descoberto a sorologia positiva para o HIV. Com medo, mas com profundo amor por aquela criança que era gerada em seu útero, ela seguiu à risca os protocolos para evitar a transmissão vertical — e Pedro Lucas nasceu sem o vírus. Porém, durante anos, não revelou para ele toda a história. “Não tinha contado para o meu filho, pois me achava uma espécie de supermãe. Achava que ele poderia comentar com algum amigo e sofrer discriminação”, relata. Um dia, ela o chamou para uma conversa. Para sua surpresa, ouviu dele: “É só isso?”

Aos 44 anos, Orleandra é hoje representante do movimento das Cidadãs PositHIVas no Ceará. “Eu costumo dizer que a gente não vem nesse mundo a passeio, que tenho muito a contribuir e vou deixar a minha história para quando eu não estiver mais aqui”. Ainda falta mais um passo no seu caminho de libertação: contar sobre a sorologia para sua mãe. Ela se emociona ao falar: a mãe, que vive com diabetes e faz hemodiálise, no ano passado teve covid e sobreviveu. “É um segredo que quero me libertar dele. Já venho trabalhando há muito tempo sobre como contar para ela. A partir desse momento, estarei livre para voar para o mundo”, afirma.

Em Fortaleza, ela coordena as reuniões mensais em que participam cerca de 70 mulheres que vivem com HIV/aids — as Cidadãs PositHIVas compartilham espaço com a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids (RNP) no Ceará. Conversam sobre saúde mental, violência doméstica, autocuidado. Arrecadam e distribuem cestas básicas. Muitas delas ainda vivem no silenciamento quanto à sorologia positiva. “Existe muito machismo. Achar que o homem tem que andar na frente e a mulher, atrás. Isso não existe, a gente tem que andar lado a lado”, comenta. No apoio a outras mulheres, ela deu novo sentido para sua vida: “As pessoas dizem que sou voluntária e não ganho nada por isso. Mas o que eu recebo, um ‘muito obrigado’, não tem preço”.

“Você imagina uma mulher de 44 anos que descobriu o HIV numa gravidez praticamente sozinha, porque eu não estava mais com o pai do meu filho. Eu olhei pra um lado, olhei pro outro e pensei: ‘O que eu vou fazer da minha vida? Com quem eu vou contar? Quem vai me apoiar?’”, relembra. Ela considera que dividir a sua história serve como motivação para que outras pessoas entendam que é possível viver — e viver bem — com o HIV. “Olhar para trás, com 18 anos de sorologia, e perceber que eu nunca me internei por conta do vírus é algo que ajuda uma pessoa que descobriu hoje e pensa ‘será que eu vou morrer?’”.

Mulher com HIV tem direito de namorar e ser feliz, defende Orleandra, ao mostrar a foto com seu namorado. Com o filho, ela também construiu uma relação de apoio, respeito e amizade. “Nesses dois anos [depois que contou], nunca aconteceu de a gente brigar por alguma coisa e ele me culpar ou jogar na minha cara”, diz. As dificuldades cotidianas são superadas com o apoio da rede de Cidadãs PositHIVas, que adotam o lema: “não soltar as mãos umas das outras”. “A gente tem que desmistificar que a descoberta do HIV é o fim. É o começo de um novo caminho. Olhando para trás, eu percebo que hoje dou muito mais valor à vida. É outra maneira de olhar o mundo”, confessa.

Sem comentários
Comentários para: “O HIV não me define”

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

  1. Entrevista
Paula Ferrari trabalhou durante quase dez anos na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) como fisioterapeuta, especializada na área neurofuncional, com foco na reabilitação das pessoas com deficiência. Nesse período, teve mielite transversa, uma infecção na medula, que resultou em uma paraplegia incompleta. “Tenho parte da mobilidade e da força das minhas pernas, mas […]
Próximo

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis