Desde o início de 2020, pessoas no mundo inteiro, em diferentes línguas, passaram a falar em covid, pandemia, vacina, delta, ômicron e outras variantes. A doença trazida pelo Sars-CoV-2 provocou isolamento, distanciamento social, internações, crises econômicas, descontrole emocional, medo e morte. No Brasil, o negacionismo e a falta de planejamento e de liderança dos órgãos governamentais dificultaram o enfrentamento da crise sanitária. As pessoas repentinamente perderam parentes, amigos, emprego e empobreceram. Tudo isto contribuiu para o aumento do consumo de drogas lícitas e ilícitas e do número de suicídios e para a negligência com a saúde mental e outras doenças, como as cardiovasculares, câncer, diabetes e hipertensão.
Graças às vacinas o mundo está ensaiando o retorno à normalidade. Mas a pandemia ainda não acabou, como bem disse a epidemiologista Ethel Maciel, entrevistada pela Radis, nesta edição. O vírus é traiçoeiro e alguns países que precocemente abandonaram o uso de máscaras em locais fechados e o distanciamento social começam a rever suas decisões pelo reaparecimento de novos casos. Isto acende um alerta de que não se extingue uma pandemia com uma canetada, ainda mais simbólica, como afirmou o Ministério da Saúde ao decretar por uma portaria o fim da emergência sanitária, sem consultar os secretários estaduais e municipais ou o Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão de deliberação máxima do Sistema Único de Saúde (SUS) e sem orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Entre simbolismos e falta de planejamento, a certeza que fica é a de que o desastroso enfrentamento da pandemia não pode se repetir. Não se pode sair dela sem olhar retrospectivamente para as consequências e sequelas deixadas na vida das pessoas e sem reforçar a importância do SUS e dos investimentos na saúde pública, nos serviços, no atendimento e no cuidado das pessoas mais impactadas pela pandemia.
Planejamento, determinação, preocupação e respeito com os mais vulneráveis não faltaram ao grupo “É de lei”, que acolhe os invisíveis que vivem nas ruas de São Paulo. Criado em 1990 para reduzir os danos causados à saúde pelo uso de drogas, na pandemia este coletivo foi estratégico para prevenir e conter o vírus entre as pessoas em situação de rua e usuários de drogas, como registrou o repórter Adriano De Lavor, para esta edição.
Mesmo no auge da pandemia, os integrantes do “É de lei” decidiram pela manutenção do trabalho que já realizavam nas ruas, acrescentando ações de prevenção, como a implantação de pias e a distribuição de kits de higiene, além de investirem na informação como estratégia para fazer frente à desinformação. O “cuidar antes de adoecer” é exemplo de empatia que salva vidas e desperta nas pessoas o sentimento de esperança de que o Brasil sairá um pouco menos fragilizado desta pandemia.
O escritor português Valter Hugo Mãe traz uma obra que se passa em solo brasileiro com o título “As doenças do Brasil”, em que coloca a pessoa indígena como ponto central de sua narrativa, numa homenagem aos povos desta terra: os que aqui já estavam e os que vieram forçados. Dois povos fugitivos do genocídio promovido pelo europeu que extermina aqueles que não consegue escravizar. Tema bastante atual, cinco séculos depois.
Boa leitura!
* Justa Helena Franco Subcoordenadora do Programa Radis
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