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Como os sistemas de informação em saúde podem ajudar o SUS a garantir serviços de qualidade para a população? Como gerar dados confiáveis capazes de auxiliar na tomada de decisões? Essas questões estiveram em pauta no Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), no dia 22/11, com o tema: Sistemas nacionais de informação e acesso a dados de saúde — Desafios e perspectivas.

O debate contou com a participação da coordenadora-geral de Inovação e Informática em Saúde do Departamento de Informática do SUS (Datasus), Paula Xavier, e o coordenador-geral de Informação Estratégica em Saúde do Departamento de Monitoramento, Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde (Demas), João André de Oliveira.

Atualmente, o Datasus e o Demas integram a Secretaria de Informação e Saúde Digital (Seidigi), instância do Ministério da Saúde (MS) criada em janeiro de 2023, no primeiro ano de gestão da ministra Nísia Trindade. A criação da nova Secretaria atendeu a necessidades observadas no relatório de transição do governo, que apontou para a urgência em aplicar os avanços tecnológicos na saúde, incluindo a recomendação de unificar dados e qualificar as informações para a tomada de decisões estratégicas.

A inovação está principalmente no gerenciamento do tema por parte do governo. “A criação da Seidigi sinaliza um marco de governança dessa área, que com certeza já existe há muitos anos, em termos de práticas e reflexões acadêmicas, mas a gente ter uma governança no nível federal dedicada a esse tema é um marco”, explicou Paula, em relação ao papel da nova Secretaria. 

A Seidigi é chefiada pela professora titular da Faculdade de Odontologia da USP e ex-assessora do Ministério da Educação, Ana Estela Haddad, e tem como principal responsabilidade formular políticas públicas orientadoras para a gestão da saúde digital. Compete à Seidigi apoiar as demais Secretarias do MS, gestores, trabalhadores e usuários no planejamento, uso e incorporação de produtos e serviços de informação e tecnologia da informação e comunicação (TICs) no âmbito da saúde.

Por uma rede de dados em saúde

Paula Xavier destacou os desafios implicados em unificar uma rede de atendimentos e serviços complexa e robusta como a do SUS, composta por pelo menos 150 milhões de usuários — o equivalente a 70% da população brasileira, e que realiza 2,8 bilhões de atendimentos por ano. 

A fragmentação entre dados de municípios e estados, por exemplo, é um dos obstáculos para obtenção de dados confiáveis. Foi com a proposta de solucionar essa fragmentação que surgiu a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), uma plataforma nacional de integração dos dados dessa área.

Paula defende que a padronização de linguagens de sistemas para troca de informações — chamada de interoperabilidade — é um aspecto fundamental para o avanço das ações de saúde digital. Em sua fala, ela detalhou como tem sido construída a RNDS, o que considera ser a primeira área finalística do Datasus, departamento que por sua vez “reponde por toda a gestão, infraestrutura e segurança dos sistemas nacionais de informação desenvolvidos pelo MS”.

A coordenadora-geral de Informação e Informática em Saúde reconheceu os avanços dos sistemas de informação desde a criação do SUS, em 1988, porém avalia que os desafios também cresceram. Como a necessidade de melhorias de infraestrutura e de unificação dos dados. 

Na percepção de Paula, para que o país avance nas práticas de saúde digital em conformidade com os princípios estruturantes do SUS, os sistemas de saúde precisam de uma ampla transformação. “Quando a gente fala de saúde digital, não se trata apenas de uma evolução no sentido de mais investimento ou capacidade tecnológica. Isso, obviamente, será necessário, mas é mais do que isso, é uma transformação do próprio SUS, de um SUS digital”, ponderou.

Paula informou ainda que tem trabalhado em duas frentes mais específicas: na federalização da RNDS, o que significa fornecer um retorno consolidado dos dados que a rede recebe de estados e municípios, e na ampliação de um debate sobre a melhor forma de disponibilização dos dados da rede para pesquisas. Isso ocorre para que as informações em saúde possam estar acessíveis para cidadãos, pesquisadores, gestores e demais profissionais do SUS — cada público dentro do seu escopo estabelecido.

Sobre a RNDS

A RNDS pode ser considerada um produto do Datasus e é conceituada como um programa do governo federal voltado para a transformação digital da saúde no Brasil. Ela tem o objetivo de promover a troca de informações entre os pontos de Rede de Atenção à Saúde, permitindo a transição e a continuidade do cuidado nos setores públicos e privados. 

A rede foi criada em 2020, já no decorrer da pandemia de covid-19, e sua principal interface com os cidadãos ocorre por meio do ConecteSUS, aplicativo eletrônico inicialmente utilizado para consulta de registros de vacinação, testagem e emissão dos certificados de imunização contra o coronavírus. 

Paula apresentou alguns dos dados já registrados e armazenados na RNDS e que hoje vão além de procedimentos referentes à pandemia, tais como: 70,5 milhões de exames laboratoriais; 1,4 bilhões de registros de vacinação; 15,7 milhões de autorizações de internações hospitalares e 20,3 milhões de autorizações de procedimentos ambulatoriais. A RNDS incluiu também registros de atendimentos clínicos e registros de regulação assistencial, implementados inicialmente como programas piloto em determinados municípios.

Dados para gerar conhecimento

O coordenador-geral de Gestão da Informação Estratégica em Saúde, João André de Oliveira, refletiu sobre os desafios para a transformação de dados em informações estratégicas e destacou que esse é um tema central para o SUS e para a Seidigi. João explicou que o Demas, departamento em que atua, tem dois principais objetivos: construir uma política de dados abertos e rearticular a Rede Interagencial de Informação de Interesse para a Saúde (Ripsa).

Durante sua fala, João citou que a Seidigi é a única estrutura institucional de saúde nas Américas do Sul e Central que tem como objeto a saúde digital. “Dos países ligados à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o Brasil é o único que tem um setor que cuida da saúde digital”, enfatizou. “No mundo — e no Brasil não é diferente — há um excessivo volume de dados em saúde e uma produção insuficiente desses dados em informação e muito menos em conhecimento”, completou.

Ele acrescentou que a baixa qualidade de dados e a integração limitada entre os diferentes serviços de atendimento e esferas administrativas — como as Unidades Básicas de Saúde e os hospitais, as redes pública e privada e instâncias municipais e estaduais — impacta negativamente na produção da informação, do conhecimento e das próprias ações em saúde. 

E mencionou um ensinamento de Rifat Atun, professor de Global Health Systems [Sistemas de saúde globais], na Universidade de Harvard, feita durante um webinário realizado em fevereiro de 2023, sobre a transformação digital dos sistemas de saúde: 

“Para a transformação digital, a gente precisa estabelecer registros eletrônicos dos dados, de forma qualificada, com vistas a desenvolver a nossa capacidade analítica e usar essa análise para gerar evidência local relevante e que essa evidência possa contribuir para ser aplicada em políticas públicas de qualidade que atendam as necessidades das pessoas”, pontuou, citando o professor de Harvard.

Dados que não “batem”

Os dados de saúde são elementos indispensáveis para avaliação de cenários e tomada de decisões, mas quando isolados e sem uma finalidade definida, por vezes viram apenas números em uma planilha. Um levantamento acadêmico, feito em 2019, no âmbito do MS indicou a existência de 37 sistemas em operação no Datasus, outros 190 apontados pelo Plano Diretor de Tecnologia da Informação do MS, e 667 segundo o Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “Fato é que temos no mínimo dezenas de sistemas”, afirmou João André.

Ele explicou que historicamente esses múltiplos sistemas de coleta de dados foram criados a partir de necessidades específicas e feitos isoladamente, o que ocasionou profunda fragmentação na base de dados do SUS. Como consequência disso, os sistemas de informação em saúde ficaram desintegrados e desencontrados, com redundância de dados e duplicação, além de dificuldades para cruzamento e consolidação de dados em informação. 

Tal fenômeno é o que ele chamou de “dados imbatíveis”. Longe de ser um atributo de qualidade, a expressão decorre de um trocadilho e indica dados que não se confirmam, conflitantes, ou seja, que não batem.

É para mudar essa realidade e ampliar sua capacidade analítica de tomada de decisões estratégicas em saúde que o governo federal tem investido na qualificação dos dados e sistemas de informação no SUS, após receber uma herança de desmonte da gestão anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como ilustração desse cenário em reconstrução, em 2016 a Sala de Apoio à Gestão Estratégica do MS (Sage) tinha 462 indicadores de acesso público em formato de dados abertos. Esse acompanhamento foi sendo descontinuado até o total abandono nos últimos anos, sendo retomado agora, em 2023, explicou João. 

A nova Sage funcionará no ambiente virtual do Gov.br, em uma interface intuitiva e de modo que os painéis informativos gerados possam ser acessados pelos cidadãos. João reforçou a importância de que a Sage também utilize dados da RNDS para montagem dos painéis informativos, como já vem ocorrendo em alguns tópicos, como na análise de dados de vacinação contra influenza e covid-19. A expectativa é que dessa forma a saúde digital se estabeleça com base nos interesses e demandas reais da população e não de setores de mercado ou pelo fetiche da tecnologia, conforme destacou Paula.

Saiba mais

Confira a íntegra do Centro de Estudos sobre a temática no canal de YouTube da Ensp/Fiocruz e acompanhe as próximas coberturas de Radis sobre saúde digital e sistemas de informação em saúde.

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