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Sindicalistas e ativistas. Guilhermina da Rocha, Maria de Lurdes, Natália Russo, Maria Lucia, Luiza de Fátima e Rosa Amélia são mulheres engajadas. Fazem uma luta coletiva por meio das suas atuações individuais. Em março de 2024, o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), criou a medalha Rosa Amélia Alves de Araújo e homenageou essas trabalhadoras. 

Com sua militância no campo do trabalho, elas foram fundamentais para a melhoria da saúde de seus companheiros e companheiras de profissão. Com duas honras póstumas, Radis conversou com duas das condecoradas em vida, ouvindo suas histórias e buscando nelas características que floresceram em todas. 

Guilhermina da Rocha

Guilhermina da Rocha, a sindicalista da educação filha de mãe analfabeta. — Foto: acervo pessoal.
Guilhermina da Rocha, a sindicalista da educação filha de mãe analfabeta. — Foto: acervo pessoal.

Uma descoberta aos cinco anos fez Guilhermina decidir ser professora. Era um dia até então normal, uma situação de rotina: a mãe estava fazendo uma compra e “nós, crianças, infernizando a vida dela”, descreve. Irmã de mais seis, Guilherme faz parte da “segunda ninhada”, conta, a dos filhos mais novos que Dona Cecília levou com ela para fazer um crediário. Guilhermina notou que a mãe borrava os dedos com tinta para assinar o carnê com as digitais. “Perguntei por que ela estava sujando o dedo. Obviamente eu queria fazer também”, lembra. A resposta marcou a memória da filha: “A mamãe não sabe escrever o nome dela”, disse Dona Cecília. 

“Foi um dia muito forte para mim porque eu vi no semblante dela o que poderíamos chamar de vergonha”, comenta a educadora e sindicalista, atualmente coordenadora da Secretaria de Saúde e Previdência da Federação Estadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino no Estado do RJ (Fettert) e diretora do Sindicato dos Professores de Macaé e Região (Sinpro).

Na época, ela já tinha se alfabetizado sozinha, lendo os jornais que protegiam o chão encerado da casa. Depois de ouvir que a mãe era analfabeta, uma Guilhermina ainda criança quis ensiná-la. A iniciativa foi um motivador e, logo, mãe e filha compartilhavam os mesmos bancos escolares. 

“Mamãe foi corajosa, fez a prova do antigo Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização], entrou na escola e nós duas convivemos no mesmo espaço escolar. Eu estudava de manhã e ela, à noite”, narra. Com mais de 40 anos de idade, Dona Cecília não sucumbiu. Pelo contrário. “Lembrei até de Elza Soares, uma cantora que ela gostava muito e dizia ‘eu não vou sucumbir’”, conta. 

Descobrir-se educadora, entretanto, foi apenas o início de sua caminhada. Aos 15 anos, Guilhermina foi presidente do Grêmio da Escola Carmela Dutra em Madureira, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas entrou para o movimento secundarista por, digamos, vontade coletiva. “Tínhamos visto uma reportagem que os estudantes estavam brigando pelo passe livre. Isso em 1985, 1986”, narra Guilhermina sobre a vez em que uma passeata organizada pelos alunos da Carmela ganhou evidência. “Deu televisão, deu polícia, deu tudo que você possa imaginar”. De fato, até mesmo pessoas do movimento estudantil surgiram tempos depois pedindo para falar com quem tinha feito o protesto acontecer. “Vou te chamar a líder”, disse a guarda da portaria. 

De representante estudantil, Guilhermina se tornou professora da rede pública e privada e passou a atuar no movimento sindical. Já trabalhou com Educação Inclusiva e Educação Popular — esse último lhe rendeu até mesmo um prêmio que a levou para Paris. Foi também diretora e coordenadora de diversos sindicatos e federações na área da educação, como o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do RJ (Sepe).

São 40 anos de trajetória sendo uma ponte entre sociedade e movimento social. Chegou para a homenagem no Cesteh dessa maneira, levando merendeiras, porteiros e outros profissionais da educação para dentro do campo de estudos da Saúde do Trabalhador. “Nós que somos base nunca saímos. Deixamos de ser direção, mas nunca deixamos o sindicato”, afirma. Em uma hora e meia de conversa com Radis, Guilhermina conta histórias que demonstram na prática seu compromisso social e político, sua “busca incessante para que a educação se torne — não vou usar o termo igualitária, mas — justa”, descreve. 

Desde a vez em que, aos 20 e poucos anos, fugiu para São Paulo para participar do Primeiro Encontro do MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos), organizado por Paulo Freire, até o dia em que ganhou voz de prisão e foi protegida por outras mulheres durante uma passeata, ao falar sobre o futuro, Guilherme é incisiva: “O futuro é hoje. O futuro para as nossas crianças e nossa juventude tem que ser hoje e ainda temos muita luta”.

Maria dos camelôs

Mesmo com todas perseguições que sofreu, Maria dos Camelôs não perde a alegria e a força. — Foto: acervo pessoal.
Mesmo com todas perseguições que sofreu, Maria dos Camelôs não perde a alegria e a força. — Foto: acervo pessoal.

Quando atendeu Radis por chamada de vídeo, Maria de Lurdes estava na Ocupação Gilberto Domingos. Localizada no prédio de número 48 da Rua Riachuelo, no bairro da Lapa, Centro do Rio, a iniciativa é organizada pelo Movimento Unidos dos Camelôs (Muca), e ocupa o imóvel para transformá-lo em moradia popular para ambulantes e camelôs. 

“Queremos morar e trabalhar na cidade. Enquanto o prefeito [Eduardo Paes] quer fazer os empreendimentos e o Reviver Centro [projeto de revitalização] para colocar só rico morando aqui, nós ocupamos um espaço para dar moradia aos camelôs pobres do Rio de Janeiro”, sustenta Maria de Lurdes, coordenadora geral do Muca e da ocupação, mais conhecida como Maria dos Camelôs. 

Seu apelido sintetiza o valor e a luta de Maria como figura representativa da categoria dos ambulantes, mas esconde uma história que começa aos 12 anos, quando sai de Minas Gerais para morar em Engenheiro Pedreira, no município de Japeri, no Rio de Janeiro. “Quando chego no Rio, vou trabalhar em casa de família para ajudar minha mãe a criar meus irmãos mais novos. Era muito difícil por conta de toda a necessidade que passávamos em casa. Eu queria estar junto dos meus irmãos. Era muito nova para estar dentro de casa de família tomando conta de uma criança que tinha quase a minha idade”, conta sobre os três anos que passou como trabalhadora doméstica numa casa no Cosme Velho, na Zona Sul.

Depois disso, Maria foi criar porcos. Sua avó lhe deu a primeira porquinha e, no primeiro trem do dia, às 4h07 da manhã, ela se dirigia ao restaurante Bom Galeto do Méier para pegar lavagem para os bichos e pão velho na padaria Imperator. “Eles já deixavam separada a comida que era a lavagem para o porco e davam a pele da galinha para levarmos para casa, fazer óleo de cozinha e ainda comer, porque não tínhamos grana para nada”. Durante muito tempo, esse foi o trabalho de Maria, até que aos 23 anos, depois de virar mãe e sair de um relacionamento abusivo, a rua a acolheu. 

“Foi a rua que me fez ter a liberdade de trabalhar, de ganhar meu sustento, de conseguir pagar alguém para tomar conta das crianças, que, na época, eram muito pequenas, de ter o direito de ir em uma festa da escola no Dia das Crianças, no Dia das Mães, no Dia dos Pais, já que eu era mãe e pai”, narra. De uma mulher que preferia se abster das brigas e dos confrontos entre ambulantes e forças policiais — “Meus filhos eram muito pequenos, eu estava terminando meu segundo grau. Eu tinha medo” —, Maria virou, como ela mesma descreve, “uma leoa” após o nascimento do seu terceiro filho. 

“Quando os guardas pegavam os camelôs, eu ia para cima, entrava em viatura para pegar as mercadorias. Fiquei muito manjada e muito exposta”. Até que, quinze dias após seu parto, Maria foi agredida pelas forças de segurança pública do Rio, o que a levou de volta ao hospital com um nariz quebrado e os pontos da sua cesariana abertos. Foi o estopim de sua luta por direitos para os ambulantes. “Vim com isso na cabeça, volto para a rua e marco uma reunião com os camelôs onde hoje é a minha barraca. Por isso eu falo que a cidade e a rua são o meu chão de fábrica”, sustenta.

Em 2003, o Muca nasceu. “Ele fez 20 anos. Ficou maior de idade”, brinca. Desde então, e agora com 49 anos e mãe de quatro filhos, a mineira carioca é uma figura ativa na luta pela garantia de segurança social e física dos ambulantes. Ela disse no primeiro ato do movimento que nunca abandonaria os camelôs e, assim sendo, luta diariamente pelo reconhecimento da sua categoria como trabalhadores. “Contribuímos muito com a cultura, a economia e a segurança da cidade. Nós fazemos a roda da economia girar”, aponta. 

“Conseguimos vender nossa mercadoria mais barata e dar acesso para quem não tem grana participar de coisas que não são para nós. Se a gente vai para o show da Madonna vender cerveja, nós somos os garçons dessas festas maravilhosas. O Carnaval é sustentado pelos trabalhadores. Carnaval não é para pobre, carnaval é para quem tem dinheiro”, completa. 

Suas vivências e convicções permitem que ela fale sobre o preconceito racial e de classe que está por trás da repressão policial aos camelôs, sobre o desemprego, a evolução da tecnologia e a informalidade que surge a partir desses processos e sobre as pessoas que fizeram a luta antes dela. 

De volta à ocupação, ela sintetiza uma resistência que é coletiva, mas que exprime uma marca da sua individualidade: “Quando fazemos isso, estamos desafiando esse sistema que fala que a gente não vai ficar aqui. Nós vamos ficar. Vão ter que nos engolir, nós somos bem ‘brabinhos’, não damos mole, nem vamos abaixar a cabeça. Não tem dinheiro que nos compre. Somos muito honestos no que fazemos.”

Quem foi Rosa Amélia Alves de Araújo?

Rosa Amélia Alves de Araújo, que dá nome à medalha, nasceu em 25 de agosto de 1939 no Espírito Santo. Trabalhou como fiandeira numa indústria têxtil no Rio de Janeiro, onde foi exposta ao amianto e acometida pela asbestose. Rosa fez um trabalho de “formiga”, reunindo as trabalhadoras na luta contra o amianto e organizando a sede da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) no Rio de Janeiro, da qual foi presidente. Sua história e dedicação contribuíram para alertar sobre a exposição ao amianto e fortaleceram a luta pela saúde de trabalhadores e trabalhadoras.

Conheça as outras homenageadas pela Medalha Rosa Amélia

  • Natália Russo, petroleira e diretora do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RJ) e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP)
  • Maria Lucia Nascimento do Carmo, fiandeira e presidenta da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto de 2017 a 2022
  • Luiza de Fátima Dantas, agente de combate a endemias (ACE), líder comunitária e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Combate às Endemias e Saúde Preventiva no Estado do Rio de Janeiro (SintSaudeRJ) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
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