A

Menu

A

A crise provocada pela pandemia de covid-19 deve ainda se estender e os impactos sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não estão totalmente delineados. Por isso, é preciso pensar em como será o atendimento às pessoas infectadas pelo vírus, mas também àquelas que deixaram de ser assistidas durante a pandemia. A análise é de Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que alerta sobre os efeitos da paralisação do atendimento durante a pandemia. “Os serviços estão começando a voltar, e na hora em que a gente tiver mais condição de atender de forma mais plena, essa demanda vai sobrecarregar o sistema. Precisaremos tratar o efeito da crise com tudo que foi paralisado, postergado e agudizado. Algumas pessoas evoluíram para pior por falta de tratamento”, diz Gulnar. 

Professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-Uerj), Gulnar é médica e epidemiologista. Em entrevista à Radis, ela diz que é hora de aproveitar a janela que foi aberta na pandemia para fortalecer o SUS. Para isso, recomenda o aumento do financiamento, a garantir da gestão com cargos de carreira, o controle social dentro do SUS, o investimento em Ciência e Tecnologia voltado para as necessidades brasileiras e a participação do setor privado subordinado às diretrizes do SUS e funcionando de modo complementar, como prevê a Constituição. 

Por que a covid levou a tantas mortes indiretas? 

Publicamos um artigo falando do excesso de mortes nos meses da covid que compara todas as mortes em 2020 e 2019, por regiões, capital e interior. Se fizermos uma comparação direta, dá para perceber que a covid foi mais forte entre homens e que ocorre um excesso de mortalidade, primeiro nas capitais e depois vai se deslocando para o interior. Foi bem pesado em Manaus, Rio e São Paulo, no início, e notamos que, até o final de julho, 30% das mortes em homens não estavam diretamente associadas aos números de mortes por covid. Provavelmente, foram aquelas pessoas que interromperam ou adiaram os seus tratamentos, que pararam de fazer a medicação de uso contínuo. Isso é um problema. 

É preciso pensar agora no efeito da crise?

Os serviços estão começando a voltar, e na hora em que a gente tiver mais condição de atender de forma mais plena, essa demanda vai sobrecarregar o sistema. Precisaremos tratar o efeito da crise com tudo que foi paralisado, postergado e agudizado. Algumas pessoas evoluíram para pior por falta de tratamento. E as condições também pioraram nesse intervalo. A saúde mental também sofreu impacto, sem falar de consequências diretas das pessoas que perderam familiares. Pioraram suas condições clínicas, mentais, emocionais. Esse sofrimento impactado pela pandemia pesa muito. E temos que considerar os agravos em quem teve a doença. A gente não sabe se quem teve a forma mais leve depois vai ter alguma consequência.

Qual a sua avaliação sobre o SUS na pandemia?

A sociedade começou a entender a existência do SUS. O SUS apareceu com suas fortalezas e fraquezas, mas apareceu. Ele conseguiu atender pessoas que em outras circunstâncias não teriam atendimento numa situação dessa. E temos uma oportunidade importante de brigar e mostrar o que ele pode ser capaz de fazer. O SUS pode dar o atendimento à população de forma universal, é público, é o maior sistema do mundo. Só está subfinanciado, como temos denunciado, dentro de um governo que exerce uma austeridade fiscal altíssima e com a Emenda Constitucional 95 (EC/95), que congelou recursos por 20 anos. É o momento para a gente dizer que não podemos aceitar e lutar para reverter esse quadro. Mas a sociedade tem que vir junto, tem que entender a importância de brigar por isso. 

De que forma o SUS pode ser estruturado para atender o fluxo?

Primeiro, temos que fortalecer a atenção primária, que é por onde conseguimos normatizar e organizar todo o cuidado. Políticas importantes foram destruídas e as que foram colocadas no lugar, como Médicos pelo Brasil ou Previne Brasil, não saíram do papel. Precisa ter financiamento efetivo, entendendo que a atenção primária tem que se recompor com as redes, garantindo o trabalho dos agentes comunitários de saúde, que é quem vai visitar a família, entender o problema e organizar o teleatendimento. Temos que investir muito nisso, porque é uma forma de atender sem fazer com que a transmissão do vírus aconteça. 

O que é fundamental nesse momento no processo de conter a pandemia?

É preciso apresentar um plano articulado em nível federal, estadual e municipal onde estejam elencadas as prioridades. O que vai ser feito em relação à vigilância epidemiológica, atenção primária, o que vai ser fortalecido e qual o investimento que será feito para fortalecer as equipes. Quando a vacina chegar, tem que ter um plano de prioridades e aos poucos vai escalonando até chegar a toda população-alvo que precisa ser vacinada. Esse plano tem que estar claro. Se a vigilância epidemiológica identificar que tem pessoas com covid que necessitam de isolamento deve estar previsto para onde elas vão se o isolamento em casa não for possível. A Abrasco e 13 entidades e o Conselho Nacional de Saúde construíram um plano de enfrentamento onde fazemos 70 recomendações. Isso tem que aparecer dentro da atual necessidade que é continuar diminuindo a curva e evitar novos surtos.

Sem comentários
Comentários para: “É hora de fortalecer o SUS”

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

Próximo

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis