Nísia Trindade: primeira ministra da Saúde
“Temos brasileiros e brasileiras que ficam fora do universo dos direitos, incluindo direito à saúde e direito ao desenvolvimento econômico e social. Essa exclusão tem gênero, raça, classe social. Esse não pode ser o Brasil.”
Nísia Trindade Lima
Primeira mulher a assumir o Ministério da Saúde, a cientista Nísia Trindade afirmou que sua gestão será pautada pela ciência e pelo diálogo com a comunidade científica, na cerimônia de transmissão de cargo em 2 de janeiro, em Brasília. Ela indicou como prioridade de sua gestão a recomposição orçamentária do SUS, que em sua avaliação “nunca alcançou o necessário patamar de financiamento, apesar de ser uma conquista democrática que permitiu a efetiva ampliação da cidadania”. Para a socióloga, “precisamos ter consciência de que faltam recursos para o SUS cumprir o seu papel”.
Em curto prazo, disse a ex-presidente da Fiocruz, foi fundamental a aprovação da PEC da Transição, que garantiu cerca de R$ 22 bilhões em recursos extras no orçamento da pasta para 2023, necessários segundo ela para ações como vacinação, Farmácia Popular, redução das filas, cuidado com a saúde mental, reforço a todos os níveis de atenção e de ciclos de vida, e programas de proteção social. “Essa PEC deveria ser chamada de PEC da recuperação, pois responde a uma necessidade face ao grande desmonte que verificamos”, declarou, citando relatório do GT de Transição da Saúde.
A nova titular da Saúde foi a primeira mulher a assumir a presidência da Fiocruz (Radis 243), onde liderou ações de enfrentamento da pandemia de covid-19, como a fabricação da vacina AstraZeneca. Antes disso, foi diretora da Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fiocruz voltada para pesquisa e memória em ciências sociais, história e saúde, e participou da elaboração do Museu da Vida, premiado museu de ciência da Fiocruz. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tem mestrado em Ciência Política e doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
Revogaço
A ministra anunciou a revogação de portarias e notas técnicas que “ofendem a ciência, os direitos humanos, os direitos sexuais e reprodutivos, e que transformaram várias posições do Ministério da Saúde em uma agenda conservadora e negacionista” em um prazo de 15 dias após sua posse. Entre eles, atos que contrariam os preceitos de humanização da luta antimanicomial; a recomendação de uso de cloroquina e hidroxicloroquina contra covid-19; e normas que enfraqueceram políticas de saúde da mulher.
SUS sem R$ 60 bi
O Grupo Técnico de Saúde do Gabinete de Transição estimou em quase R$ 60 bilhões as perdas do SUS, de 2018 a 2022, em decorrência da emenda do teto de gastos (descontando-se os relacionados à covid-19 autorizados por medida provisória). O relatório final, apresentado em 22 de dezembro, fala em “altíssimo risco de colapso de serviços essenciais por falta de financiamento federal e por comprometimento da compra de insumos essenciais, incluindo vacinas e medicamentos em geral”. Leia em gabinetedatransicao.com.br.
Novo Ministério da Saúde
- Secretaria Executiva: Swedenberger Barbosa, doutor em Ciências da Saúde, assessor da Fiocruz Brasília, foi conselheiro nacional de saúde e chefe-de-gabinete adjunto da Presidência da República na gestão de Lula.
- Secretaria de Atenção Primária: Nésio Fernandes, médico sanitarista, foi presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e secretário de Saúde do Espírito Santo e de Palmas (TO).
- Secretaria de Atenção Especializada: Helvécio Magalhães, médico, doutor em Ciências da Saúde, foi secretário nacional de Atenção à Saúde na gestão de Alexandre Padilha na Saúde, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e secretário de Saúde de Belo Horizonte (MG).
- Secretaria de Informação e Saúde Digital: Ana Estela Haddad, professora da Faculdade de Odontologia da USP, onde coordenava o Núcleo de Telessaúde e Teleodontologia, foi diretora científica da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde.
- Secretaria de Vigilância de Saúde e Ambiente: Ethel Maciel, enfermeira doutora em Epidemiologia, referência na pesquisa de doenças infecciosas, foi vice-reitora da Universidade Federal do Espírito Santo.
- Secretaria de Saúde Indígena: Ricardo Weibe Tapeba, foi coordenador da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará e integrou o Conselho Nacional de Políticas Indigenista (CNPI).
- Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos: Carlos Gadelha, doutor em Economia, foi vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz e atuou em ministérios de Lula e de Dilma Rousseff.
- Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde: Isabela Cardoso, doutora em Administração Pública, foi diretora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.
Ciência e desenvolvimento
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, a engenheira Luciana Santos, prometeu trabalhar incansavelmente para que ciência, tecnologia e inovação sejam pilares do desenvolvimento nacional, em sua posse, em 2 de janeiro, em Brasília. “Temos o desafio de tratar a ciência como política de Estado. O tempo é de afirmação da ciência, e não de sua negação”, discursou.
Luciana anunciou que irá lançar uma nova estratégia nacional para o setor, que enfrente e supere os grandes desafios para o país, e expandir e consolidar o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, combatendo as múltiplas assimetrias que ainda existem em seu interior. Também afirmou que pretende recompor o orçamento da ciência brasileira e atualizar as bolsas de pesquisa do CNPQ e da Capes.
Menos armas
Uma das primeiras medidas assinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a revogação de uma série de normas do governo Jair Bolsonaro que facilitavam e ampliavam o acesso da população a armas de fogo e munição, em 1 de janeiro.
O decreto suspende novos registros de armas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e por particulares; reduz os limites para compra de armas e munição de uso permitido; suspende novos registros de clubes e escolas de tiro; cria grupo de trabalho para propor nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento; e prevê que todas as armas compradas desde maio de 2019 sejam recadastradas pelos proprietários em até 60 dias.
“Combate-se a cultura quando se quer um país calado, obediente. Cultura incomoda, mexe, desobedece e por isso ela também é expressão democrática e de direitos. Dentro dela, a arte oxigena porque revolve camadas profundas do nosso viver e do nosso ser. Todos ganham com o desenvolvimento cultural. Educação sem cultura é ensino. Segurança sem cultura é repressão. Saúde sem cultura é remediação. Desenvolvimento social sem cultura é assistencialismo.”
Da artista e ativista social Margareth Menezes, em sua posse como ministra da Cultura, pasta extinta em 2019 e agora recriada, em 2 de janeiro
Povos indígenas têm ministério
Pela primeira vez na história do Brasil, um ministério é criado para os Povos Indígenas. À frente dele está Sônia Guajajara, do povo Guajajara/Tentehar da Terra Indígena Araribóia, no estado do Maranhão, eleita deputada federal por São Paulo. Ex-coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia foi apontada pela revista americana Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, em 2022.
“Nada sobre nós sem nós! São novos tempos na luta e construção de políticas indígenas”, publicou a ministra em suas redes sociais. O Ministério dos Povos Indígenas tem por função reconhecer, garantir e promover os direitos dos povos indígenas; proteger os povos isolados e de recente contato; demarcar, defender e gerir territórios e terras indígenas; monitorar, fiscalizar e prevenir conflitos em terras indígenas e promover ações de retirada de invasores dessas terras.
“São séculos de violências e violações. E não é mais tolerável aceitar políticas públicas inadequadas aos corpos, às cosmologias e às compreensões indígenas sobre o uso da terra.”
Da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (na foto, com o líder indígena Raoni Metuktire)
Retomada da Funai
A Funai, órgão federal responsável pela política indigenista brasileira, é presidida pela primeira vez por uma mulher indígena, a advogada Joenia Wapichana, capa da Radis 199. Ela foi a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no país e também a primeira deputada federal indígena do Brasil. “É um momento histórico para os povos indígenas, depois de tanta afronta, retrocesso e tendo o único órgão indigenista totalmente sucateado, desmantelado, hoje, retomar a Funai. Uma Funai que é nossa”, disse.
A Funai agora se chama Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A mudança atende a um pedido da Apib, que considerou que o uso da palavra “índio” no nome original carregava preconceitos e omitia a diversidade desses povos. Antes vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a autarquia passou a integrar a estrutura do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.
Injúria racial = racismo
O presidente Lula sancionou lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível, na cerimônia de posse das ministras Anielle Franco e Sonia Guajajara, em 11 de janeiro. O texto, aprovado pelo Congresso em dezembro de 2022, altera a Lei do Crime Racial (7.716/1989) e o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940). A punição para injúria racial, que era de reclusão de um a três anos e multa, passa a ser de prisão de dois a cinco anos.
“Nós precisamos confrontar o esvaziamento e enfraquecimento das políticas raciais conquistadas e construídas ao longo da história do enfrentamento ao racismo e da promoção de igualdade racial no Brasil. É nossa prioridade lutar pelo fortalecimento e ampliação de políticas que culminem na dignidade da vida do povo negro brasileiro.”
Da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco
Freio na boiada
“Boiadas se passaram no lugar onde deveriam passar apenas políticas de proteção ambiental. O estrago só não foi maior porque as organizações da sociedade, os servidores públicos, vários parlamentares, o Ministério Público e a alta corte do poder judiciário se somaram em defesa do meio ambiente”. Esta foi a avaliação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, em sua cerimônia de posse, em 4 de janeiro.
Um conjunto de medidas foi tomado no primeiro dia do governo Lula para frear a boiada: restabelecer o Fundo Amazônia e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, abrir espaço para reestruturar o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e revogar a decisão que flexibilizava as leis de combate ao garimpo ilegal em terras indígenas e áreas de proteção ambiental.
Uma secretaria especial foi criada exclusivamente para controlar e combater o desmatamento. Em março, deve ser fundada a Autoridade Nacional de Segurança Climática, uma autarquia vinculada ao MMA.
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