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Em 2015, na 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas, os Chefes de Estado e de Governo adotaram a Resolução A70.1 — Transformando nosso Mundo, na qual se comprometem com um conjunto de 17 ambiciosos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), no âmbito da chamada Agenda 2030.

Transcorridos cinco anos, a Agenda foi atropelada pela pandemia de covid-19 e sua implementação ficou bastante prejudicada. Paradoxalmente, líderes de todo o mundo apontam que a saída é pela Agenda 2030 e seus ODS. Será assim?

É o que discutem neste artigo o diplomata Santiago Alcázar e o médico Paulo Buss, do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris/Fiocruz).

O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas está em sua 75ª sessão ordinária, desde setembro de 2020. O evento mais importante no âmbito do ECOSOC é a reunião do Foro Político de Alto Nível (HLPF, nas siglas em inglês), que este ano aconteceu em 15 de julho. O tema escolhido para esta sessão foi “Recuperação sustentável e resiliente da pandemia da Covid-19, que promova as dimensões econômica, social e ambiental para o desenvolvimento sustentável: construindo um caminho inclusivo e efetivo para alcançar a Agenda 2030 no contexto de ação e entrega para o desenvolvimento sustentável”.

O HLPF foi criado em 2012 por mandato da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e realizou a sua primeira reunião, de apenas um dia, em 24 de setembro de 2013.

A origem da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável remonta à Cúpula da Terra, a Rio-92, que reuniu 178 Chefes de Estado ou de Governo e Altos Representantes, no que talvez tenha sido a maior conferência multilateral fora da sede das Nações Unidas, em Nova York. A Cúpula da Terra acordou um amplo plano para criar parcerias globais para o desenvolvimento sustentável, bem como para melhorar a vida humana e proteger o meio ambiente, a Agenda 21, assim chamada porque deveria inaugurar uma nova era com a chegada do século XXI. A instância encarregada de monitorar o cumprimento dos compromissos acordados na Agenda 21 e a quantificar os avanços era a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, que funcionou até 2012.

Respirava-se otimismo naquele início dos anos noventa. O Muro de Berlim caíra em novembro de 1991, a Guerra Fria havia terminado e começava um ciclo de conferências das Nações Unidas sobre temas sociais que parecia irrefreável. Com efeito, ademais da Rio-92 acima, realizaram-se as seguintes conferências: i) II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993, em Viena; ii) Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em 1994, no Cairo; iii) Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, em 1995, em Copenhague; iv) IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em 1995, em Beijing; v) II Conferência Mundial sobre Assentamentos Humanos, em 1996, em Istambul. É de se notar a Conferência sobre a Mulher, realizada na China, o único Estado membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas a acolher uma conferência sobre tema social, e ainda por cima de enorme sensibilidade. 

Aquele ciclo de conferências seria coroado com a realização da Cúpula do Milênio, em setembro de 2000, em Nova York, que adotaria os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) com o objetivo primordial de erradicar a pobreza extrema até 2015. 

Mais tarde, a Rio+20, em 2012, expressaria a necessidade de ampliar o escopo dos ODMs quando ficou claro que a erradicação da pobreza escondia mais dimensões do que se imaginava. Abria-se assim o caminho para a adoção dos ODS, que substituiriam os ODMs.

Obstáculos

Em paralelo ao movimento de afirmação da agenda social, proclamada pelo ciclo de conferências da ONU, havia um outro, com forte apoio do capital internacional, que viria a minar aquele primeiro. Esse segundo movimento levantava a bandeira do Consenso de Washington. 

Como se recordará, o Consenso de Washington, que muitos tomaram como bússola de suas políticas, defendia rígida disciplina fiscal, reforma tributária com vistas a desobstruir a atividade empresarial, privatizações, abertura comercial e desregulamentação das atividades econômicas e das leis trabalhistas. Para os que seguissem o receituário proposto prometia-se êxito e felicidade, dois substantivos que, como se sabe, expressam visão paradisíaca sobre a terra, que alguns confundem com a possibilidade de passar temporadas mais ou menos longas em Miami. 

O centro de gravidade do Consenso de Washington repousa sobre a desregulamentação. Com efeito, se esta é levada a efeito de maneira radical, reduz-se consideravelmente a responsabilidade do Estado, que passa a promover a terceirização, ou a precarização das conquistas laborais, inscritas na Organização Internacional do Trabalho. A redução da responsabilidade traz, por sua vez, a redução do Estado, acoplada às privatizações. Redução do Estado, pela via da diminuição de responsabilidade, bem como pela via das privatizações, permite a desobstrução da atividade empresarial e, como água baixando pelo efeito da gravidade, estrita disciplina fiscal. Simples assim, ainda que complicado pelo drive da globalização que exponenciou os efeitos deletérios do Consenso de Washington por meio das políticas comerciais englobadas na Organização Mundial de Comércio.

O conjunto de forças promovidas pelo ciclo de conferências sobre temas sociais e a Cúpula do Milênio com os ODMs, por um lado, e, por outro, as forças neoliberais em favor da desregulamentação e tudo o que esta arrasta consigo, resultaram em um cabo-de-guerra. A batalha de Seattle, em 1999, que efetivamente interrompeu reunião da OMC que deveria lançar nova rodada de negociações comerciais para o novo milênio foi uma instância daquela tensão. Outra, um pouco mais tarde, foi a adoção, após negociações exaustivas, da Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde Pública que, de maneira resumida, afirma que nada no Acordo TRIPS pode impedir um Estado de tomar medidas para proteger a saúde pública.

“Ninguém está seguro se todos não estiverem a salvo”

O HIV/AIDS soou o sinal de alerta de que o conceito de segurança deveria ser revisto à luz da possibilidade da ocorrência de uma pandemia. Não havia registro, até a covid-19, do que significa realmente uma pandemia em seu sentido etimológico de pan (todos) + demos (povo). Todos expressa totalidade. Ninguém fica de fora. Por isso o mantra ninguém está a salvo se todos não estiverem a salvo repetido à exaustão pelo DG da OMS, pelo SG das Nações Unidas, bem como por epidemiologistas e infectologistas do mundo inteiro. Uma doença pandêmica, que atinge a todos, atinge a todos de maneira distinta: biologicamente, economicamente, socialmente, culturalmente, inequitativamente, em suma, na infinitude de possibilidades da condição humana. 

Nesse contexto, a ocorrência de uma doença pandêmica, assim como a deterioração do meio ambiente, o aquecimento global e a extinção das espécies, entre outros, deveria motivar uma revisão do conceito de segurança, até aqui limitado a conflitos armados, mais ou menos bem localizados geograficamente. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, que é o órgão responsável pelos assuntos de paz e segurança mundiais, é verdade, dedicou uma sessão especial, em junho de 2000, a um tema de saúde. Mas o fez limitado ao impacto sobre a paz e a segurança na África. Para o SC, o HIV/AIDS, não era uma pandemia, mas um estorvo para os delicados arranjos para redução da violência em um lugar específico.

SARS, MERS, ebola são nomes que, para muitos, nada significam porque não viveram aquelas experiências. O mesmo não se pode dizer da covid-19, que pôs o mundo de cabeça para baixo, literalmente. Ninguém mais sabe onde está o normal, a flecha pela qual tudo e todos se orientam.

Em 2012, quando foi criado o HLPF na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), os Estados membros, conscientes de que o novo milênio trazia em sua bagagem ameaças graves à humanidade, adotaram o documento final sob o título O futuro que queremos, que em tese livrariam o mundo daquelas ameaças que se originam em sua maior parte na pobreza e nas inequidades econômicas e sociais. O propósito daquele documento final era o de avançar na linha de objetivos de desenvolvimento sustentáveis, apoiados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), que seriam extintos em 2015. O resultado desse exercício foi a conclusão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deveriam ser alcançados até 2030. Essa era a agenda a ser perseguida e finalmente adotada em 2015 pela AGNU como Agenda-2030 e os seus 17 ODS. O HLPF, que já havia substituído a Comissão de Desenvolvimento em 2012, seria o seu instrumento de monitoramento.

Desenvolvimento sustentável

Como se disse no primeiro parágrafo acima, o HLPF adota, desde 2014, um tema que reflete a principal dimensão do desenvolvimento sustentável que se quer sublinhar. É ilustrativo passar em revista os títulos adotados pelo HLPF. “Alcançando os ODMs e marcando o caminho para uma agenda de desenvolvimento pós-2015, incluindo objetivos de desenvolvimento sustentável”, em 2014; “Fortalecendo a integração, implementação e revisão – o HLPF depois de 2015”, em 2015. Em 2016, realizou-se a primeira reunião do HLPF depois da adoção da Agenda 2030 e não houve um tema específico daquela agenda. Em 2017, o tema do HLPF foi “Erradicando a pobreza e promovendo a prosperidade em um mundo em mudança”; em 2018, foi a vez de “Transformando para sociedades sustentáveis e resilientes”; “Empoderamento para assegurar inclusão e igualdade”, em 2019 e em 2020 “Ação acelerada e caminhos transformadores: implementando a década de ação e de entrega para o desenvolvimento sustentável”.

Cada um dos temas escolhidos pelo HLPF conta um pouco a história do momento, mas é somente em 2020 que parece haver uma nítida preocupação com a paralisação e, em alguns casos, retrocesso dos ODS. Por isso a necessidade enfatizada no tema de uma ação acelerada por caminhos transformadores. Não há que esquecer que a Agenda 2030 e os ODS gozam de alto grau de consenso em todos os quadrantes presentes no mundo das Nações Unidas e dos principais foros políticos. O grande entrave para a realização dos ODS não é tanto a falta de declarações de apoio, mas a falta de compromissos políticos e financeiros concretos, tanto nos planos nacionais, quanto no plano internacional. A covid-19 trouxe à tona não somente os atrasos e a falta de empenho na consecução dos ODS, mas descarrilamentos graves que ameaçam o compromisso com a ideia manifestada em O futuro que queremos, de 2012.

Em 2020, o HLPF reuniu-se em julho sob os auspícios do ECOSOC. A pandemia já fizera muitos estragos, mas parecia não haver consensos fortes sobre a necessidade de fortalecer a solidariedade, a única fórmula válida de saída da crise, pois ademais do mantra ninguém está a salvo se todos não estiverem a salvo, há a bandeira de que ninguém será deixado para trás. Normalmente, cabe ao Presidente do ECOSOC publicar um sumário das principais mensagens levantadas ao longo do HLPF, como também facilitar a conclusão de uma declaração ministerial, que expressa o consenso da visão e das recomendações a serem feitas. Como se recordará, o sumário do Presidente não foi disponibilizado, sugerindo dificuldades que talvez não puderam ser aplainadas e o projeto de declaração ministerial, submetido ao plenário dos ministros, não foi aprovado, confirmando um outro cabo-de-guerra, que talvez seja o mesmo.

O HLPF deste ano, sob os auspícios da 75ª sessão do ECOSOC, neste mês de julho, deverá concentrar-se nos ODS 1 (eliminação da pobreza), 2 (fome zero), 3 (saúde e bem-estar), 8 (trabalho decente e crescimento econômico), 10 (redução das desigualdades), 12 (produção e consumo responsáveis), 13 (ação climática), 16 (paz, justiça e fortalecimento institucional) e 17 (parcerias). Como se pode observar, a agenda é rica e complexa e terá como pano de fundo a pandemia da Covid-19. Evidentemente, há que se levar em conta que os ODS são interligados e não podem ser considerados de maneira isolada. Cada um tem reflexos em todos os outros e, assim, devem ser considerados em conjunto.

O pano de fundo da pandemia da covid engloba os resultados da Cúpula do G-20 sobre Saúde Global, em 21 de maio, em Roma; da 74ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, de 23 de maio a 1º de junho, em Genebra; da 47ª Cúpula do G-7, de 11 a 13 de junho, em Carbis Bay, Cornuália, bem como os debates em andamento desde meados de maio no âmbito da OMC sobre suspensão de patentes. O leitor recordará os informes do CRIS sobre estas estas reuniões (https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/41607) e o artigo de Buss e Alcazar na Radis 225. Para os que não leram, ou não recordam, segue uma brevíssima recapitulação.

Cúpula do G-20 sobre Saúde Global

A Cúpula do G-20 sobre Saúde Global foi a primeira a dedicar atenção exclusiva ao impacto da covid-19 e à reconstrução futura. O impacto, como se sabe, atingiu todas as dimensões da vida, desde a biológica à econômica e social, para limitar-nos a estas mais visíveis. Há consenso generalizado de que a pandemia não terminará até que todos tenham sido imunizados por meio das vacinas. Todas as demais atividades, econômicas, comerciais, entre outras, somente poderão alcançar níveis mais altos à medida em que segmento importante da população mundial tenha sido vacinada. A questão primordial, então, é garantir acesso universal a vacinas, bem como a produtos de e para a saúde necessários para a recuperação de pacientes. Em última instância, trata-se de desobstruir os canais de acesso a esses produtos, regulamentados por regras e normas estabelecidas pelo Acordo de TRIPS, acordado quando não se tinha ideia do que era uma pandemia.

Grupo de países em desenvolvimento, liderados pela África do Sul e Índia vinham propondo, desde final de 2020, suspensão de patentes de produtos de e para a saúde, inclusive vacinas. Ao grupo de países viria juntar-se a voz de ex-líderes mundiais e de Prêmios Nobel, senadores e deputados norte-americanos, criando assim um movimento progressista ao que teve de ceder o Presidente Joe Biden, que anunciou que o seu Governo apoiava o waiver temporário de patentes de vacinas. A UE, sede de importante complexo de farmacêuticas, foi pega de surpresa e aceitou discutir a matéria, no âmbito da OMC.

Esperava-se que a Cúpula do G-20 avançasse sobre o tema, não obstante as eventuais dificuldades do assunto. Não foi assim, e o que fizeram os líderes foi acordar que as regras de comércio – leia-se TRIPS – deveriam ser observadas. O jogo, em resumo, deveria realizar dentro dos marcos definidos por aquele Acordo que, como já se disse, não previra a realidade de uma pandemia. O resultado, como se entenderá foi decepcionante.

74ª Assembleia Mundial da Saúde

O mesmo ocorreu com a 74ª Assembleia Mundial da Saúde, cuja resolução adotada mais importante foi um texto de leitura difícil, que cria um Grupo de Trabalho que deverá produzir relatório para consideração da próxima Assembleia, sobre lições apreendidas e recomendações futuras, inclusive a adoção de eventual acordo internacional sobre pandemias, fortalecimento do mecanismo de alerta inscrito do Regulamento Sanitário Internacional e assim por diante. Parece incrível, que no meio da primeira pandemia dos tempos modernos, a resposta da OMS seja a criação de um GT, por mais importantes e relevantes que possam ser as suas atribuições. De novo, a sensação foi de profunda decepção.

Cúpula do G7

A Cúpula do G-7 prometia ser diferente, pois uma semana antes, a Diretora Executiva do FMI, o Presidente do Banco Mundial e os DGs da OMC e da OMS, que tomariam assento naquela reunião de Cúpula, anunciaram nos principais jornais do mundo que a saída para a crise passava pela imunização extensiva da população mundial. Para isso propunham financiar a OMS, a iniciativa ACT-T (Access to Covid-19 Tools Accelerator) e a COVAC Facility (Covid-19 Vaccines Access) com o montante de US$ 50 bilhões. A OMS havia previsto que seriam necessárias 11 bilhões de doses de vacinas. Ao contrário do que se possam pensar, o raio pode cair no mesmo lugar não apenas duas, mas três vezes. Como os da Cúpula do G-20 sobre Saúde Global e os da 74ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, os resultados da Cúpula de Carbis Bay foram triplamente decepcionantes. 

Não apenas não foram mencionados os anúncios dos líderes daquelas quatros grandes instituições mundiais, como as soluções propostas para o aumento da produção e acesso de produtos de e para a saúde ficaram dentro dos limites impostos por TRIPS. Para piorar o quadro, as 11 bilhões de doses imaginadas foram reduzidas à migalha de 870 milhões de doses, xepa das campanhas de vacinação dos países, que haviam acaparado, como verdadeiros glutões, vacinas muitas vezes em excesso as suas respectivas populações. Uma parte da oferta deverá ser entregue em 2021 e outra, em 2022. A essa altura, ninguém mais estará decepcionado, pois até então, senão antes, todos terão sido vacinados contra esse estado de espírito.

O Painel Político de Alto Nível (HLPF)

Esse é o verdadeiro pano de fundo do HLPF. Como antes, aqui também há um cabo-de-guerra. Em 16 de abril, em reunião ministerial do ECOSOC sobre o tema de vacinas para todos, a DG da OMC descreveu as forças de ambos os lados, os países em desenvolvimento e as farmacêuticas. O cabo-de-guerra somente será resolvido por meio de uma cessão de interesses e um abraço incondicional de solidariedade. “Precisamos”, disse ela, “de solidariedade global e de vontade política para enfrentar estes problemas e salvar vidas”. Muito justo, mas isso foi antes da realização dos três eventos acima. A definição do cabo-de-guerra já parece ter sido resolvida.

Para auxiliar nos debates do HLPF foram produzidos o relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas intitulado “Progresso em direção aos ODS”, uma nota Concept Note, que estabelece referências e parâmetros para a discussão e um projeto de declaração ministerial, que já está em sua terceira versão. O leitor interessado poderá orientar-se na densa floresta do HLPF por meio do Programa anotado de reuniões, centrando a sua atenção ao que mais lhe interesse. No dia 6 de julho, por exemplo, poderá acompanhar a abertura do HLPF, no dia 12, as Revisões Voluntárias Nacionais dos países que decidiram submeter os relatórios das respectivas comissões nacionais e no dia 13 o início da reunião ministerial. As reuniões são longas e complexas e é melhor preparar de antemão o que se pretende seguir. Os documentos acima são valiosos para orientar o leitor curioso. 

O projeto de declaração ministerial, ainda que provisório, oferece pista para uma avaliação antecipada do que será o HLPF. O documento contém uma introdução, em que se reitera o compromisso com a implementação da Agenda 2030 e os ODS; reafirma-se que a erradicação da pobreza é o maior desafio, notando de passagem que pela primeira vez em décadas observa-se um aumento generalizado da pobreza; reconhece-se que a Covid-19 deixou à vista as vulnerabilidades e inequidades nos e entre os países, acentuando fragilidades sistêmicas; reafirma o princípio de não deixar ninguém para trás, bem como a sinergia entre a Agenda 2030 e o Acordo de Paris sobre mudança climática; enfatiza que a recuperação global depende do amplo acesso a todos os produtos para diagnóstico, medicamento e vacinas e que a imunização extensiva é um bem público global, enfatizando a necessidade de apoiar o financiamento dos mecanismos ad hoc, de que são exemplo o ACT-A e o COVAX.

A essa introdução, segue uma revisão dos ODS escolhidos para exame do HLPF este ano que são, como se disse acima, a erradicação da pobreza, a diminuição da fome, o melhoramento da saúde e do bem-estar, o trabalho decente e o crescimento econômico, a redução das desigualdades, a produção e o consumo responsáveis e compatíveis com os compromissos assumidos na área de meio ambiente, o cuidado com o meio ambiente, a promoção da paz, a busca pela justiça e fortalecimento institucional e o estimulo para a criação de parcerias para levar adiante a Agenda 2030. 

A pandemia da covid-19 impactou severamente sobre cada um dos ODS, especialmente sobre acima mencionados. Os efeitos devastadores estão bem documentados e não é necessário aqui passá-los novamente em revista. Por essa razão é mais proveitoso seguir adiante e examinar a parte que se refere a outras questões prioritárias. Entre estas figuram as populações em situação de vulnerabilidade, a equidade em gênero, países em situação especial (ilhas, secas, desastre naturais, conflitos, etc), países de renda média, a paz e a segurança, a questão dos refugiados e os direitos humanos, juventude, biodiversidade e comércio. Sobre este ponto o projeto de declaração na atual versão é, curiosamente, econômico e convoluto. Com efeito, a redação assegurar que medidas de emergência para enfrentar a Covid-19 não sejam permanentes ou criem barreiras desnecessárias ao comércio e sejam compatíveis com as regras da OMC parece ter sido inspirada pela angústia advocatícia de representantes da poderosa indústria farmacêutica. Alguém ainda tem dúvida quem ganhará o cabo-de-guerra?

O documento finaliza com uma sessão dedicada a ações que devem ser aceleradas.  Entre estas está a própria implementação da Agenda 2030 e dos ODS, a necessidade de apoiar as políticas sobre evidências, seguir a busca por soluções multilaterais orientadas por necessária solidariedade global, a questão do alívio da dívida de países em desenvolvimento, a oportunidade de reconstruir melhor por meio de investimentos em infraestrutura e encômios à contribuição da cooperação sul-sul. 

Tanto o destaque para outras prioridades, quanto a necessidade de ação nas áreas apontadas no projeto de declaração são importantes e estão a merecer encômios. A questão principal, no entanto, é que para levar adiante essa Agenda 2030 reforçada é preciso abandonar os dogmas do receituário econômico, responsável em última instância pelos abusos contra o meio ambiente, que possivelmente foram causa da Covid-19; e o desinvestimento nos sistemas nacionais de saúde e nas políticas de proteção social, que desnudaram as profundas inequidades sociais. Tudo isso é suficientemente conhecido. Resta saber por que o HLPF não sugere uma mudança de paradigma, uma nova maneira de pensar a economia e o comércio em vista de um desenvolvimento sustentável de verdade. 

O resultado da guerra-de-cabo entre o egoísmo sem fim e a solidariedade global será o test definitivo do êxito do HLPF. Mais importante, será o test da eficácia das políticas que garantam o futuro que queremos, de 2012 e ainda não realizado.

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