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O sapo flamenguinho é um símbolo do Parque Nacional de Itatiaia (RJ), na Serra da Mantiqueira, e os líquens que encontramos por lá têm uma aparência diferente, como se estivéssemos diante de uma obra de ficção que representasse plantas de outros planetas. Essas são informações que ouvimos de uma das instalações de áudio em forma de flor presente na exposição Mata Atlântica: in-finitos encantos, do Museu do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Aberta desde março de 2025, a exposição marca a celebração do aniversário de um ano do museu, mas, principalmente, propõe-se a retratar a importância do bioma no qual o próprio museu está inserido.

O trajeto que nos conduz pela diversidade da Mata Atlântica traz alguns detalhes ao seu visitante, mas também conta um pouco da história do bioma que convive com a maior população ao seu redor, 70% dos brasileiros, passando por 17 estados. Contudo, é o território que historicamente mais sofreu com a ação humana, já que foi o primeiro a ser ocupado após a colonização. 

Nas instalações, que contém áudios, fotografias, peças conservadas, réplicas e vídeos, passamos por três espaços em que no início vemos um pouco dessa riqueza e da história, seguimos para um momento de reflexão, embalados pela voz da atriz Dira Paes, que personifica a Mata Atlântica, e terminamos em uma ação concreta, com o plantio de uma semente de uma espécie nativa. 

A ideia de empregar uma linguagem artística e lúdica busca sensibilizar aqueles que visitam a exposição e tem o objetivo de despertar o sentido do cuidado e a compreensão de que temos um bioma muito diverso, com vários ecossistemas. Além disso, como diz Marinez Siqueira, diretora da Escola Nacional de Botânica Tropical (ENBT) e curadora científica da exposição e do Museu do Jardim Botânico, a Mata Atlântica é o domínio fitogeográfico mais estudado do Brasil e sobre o qual o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) tem mais pesquisas. 

“Na verdade, a gente fala bioma mais porque é uma linguagem que já é utilizada, mas é um domínio fitogeográfico. Portanto, ele tem vários ecossistemas associados, muita biodiversidade, flora, fauna, microbiota. Por incrível que pareça, é o mais estudado do Brasil, mas ainda tem muito a ser descoberto. É um lugar riquíssimo, que vem sendo utilizado há muito tempo e há uma variação: dependendo da visão, só há de 12 a 27,7% de Mata ainda restante”, afirma.

Como diz a diretora da Escola Nacional de Botânica Tropical (ENBT), a ideia de “In-finitos” presente no nome da exposição — com o hífen separando o prefixo In — indica que a Mata Atlântica até pode ser finita, mas a sua diversidade é múltipla: “Diversidade biológica, cultural, de ecossistemas, de todos os tipos que esse bioma tem e que é riquíssimo. Mesmo que ainda tenha perda, também tem preservação. Por isso, a ideia de ser In-finitos Encantos, ou seja, é um encanto que pode ser finito, mas ele é infinito na sua complexidade”, explica Marinez. 

Segundo a curadora, é justamente essa diversidade que traz a narrativa do encantamento para que as pessoas que visitam a exposição se lembrem do outro lado. “É a possibilidade de imersão, reflexão e ação para tirar apenas do ciclo do que é ruim. É tentarmos mostrar a Mata Atlântica não apenas pela visão de desmatamento, de uso, de exploração que o bioma teve ao longo da nossa história, mas por outro ângulo”, pontua. Para a pesquisadora, essa é uma forma de tirar um peso, especialmente para os mais jovens e estudantes que passam por lá, de um legado negativo das gerações anteriores — e um convite para se pensar no poder transformador da preservação. 

Para Daniela Alfonsi, diretora do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), responsável pela administração do museu, a escolha por fazer uma exposição sobre a Mata Atlântica também tem um lugar simbólico. “O Jardim Botânico, como instituto de pesquisa, desenvolveu muito conhecimento sobre Mata Atlântica. E o museu, dentro da estrutura do JBRJ, é esse lugar de ocupação das pesquisas que o Jardim realiza, da sua história. Além disso, é importante como vai ser trabalhado, no contexto museológico, o conhecimento sobre um domínio tão vasto”, comenta.

A diversidade é uma das características mais ressaltadas na exposição, visto que isso se dá pela própria extensão que ela abrange, com altitudes diferentes e variações climáticas, como diz um dos painéis. Apenas sobre palmeiras, são 306 espécies nativas do Brasil e 76 delas estão na Mata Atlântica. O Guriri (Allagoptera arenaria) é um exemplo. Encontrada em restingas entre São Paulo e Bahia, o seu caule é subterrâneo e apenas as folhas ficam visíveis.

Na escola aprendemos sobre animais que talvez nunca iremos ver, que estão nos livros infantis, nos filmes. E por que não fazemos o mesmo sobre nossa flora?

Daniela Alfonsi, diretora do Museu do Jardim Botânico

Marinez Siqueira, curadora científica da exposição, e Daniela Alfonsi, diretora do Museu do Jardim Botânico: precisamos conhecer mais sobre a nossa vegetação. — Foto: Licia Oliveira.

A diretora do museu afirma que algo muito presente na exposição e nas atividades educativas realizadas no local é o princípio de trazer o protagonismo para as plantas. “É algo que acho muito bonito e em uma linguagem de divulgação mesmo para aprendermos sobre as nossas plantas, pois não nos ensinam muito sobre isso nas escolas, no nosso dia-a-dia. Aprendemos sobre animais que talvez nunca iremos ver, que estão nos livros infantis, nos filmes. E por que não fazemos o mesmo sobre nossa flora?”, questiona Daniela.

Chama muita atenção que a flora brasileira tenha mais de 35 mil espécies de plantas angiospermas catalogadas, que são as plantas com flores, com fruto, e pouco se conhece sobre elas

Marinez Siqueira, diretora da ENBT

Marinez comenta também sobre isso e traz o nome dessa questão: invisibilidade botânica. “Chama muita atenção que a flora brasileira tenha mais de 35 mil espécies de plantas angiospermas catalogadas, que são as plantas com flores, com fruto, e pouco se conhece sobre elas. A invisibilidade botânica é algo muito forte. Quando eu era criança, inclusive a fauna brasileira também era invisível. Hoje o conteúdo sobre a fauna brasileira está mais diversificado, mas sobre a flora ainda é muito pouco”. A pesquisadora entende que o caminho para a preservação também passa pelo conhecimento. 

A Mata Atlântica ganhou uma voz para dizer quem ela já foi, quem ela é e o que ela ainda pode vir a ser, especialmente por causa da ocupação desenfreada e predatória pós-colonização. No segundo espaço da exposição, em uma sala escura, vemos um vídeo em que a voz da Mata Atlântica é materializada em uma narração feita por Dira Paes e somos levados a refletir sobre o futuro do bioma e o nosso próprio futuro, a partir de nossas ações. 

E são as ações especialmente nas áreas urbanas que podem ser um passo fundamental para tentar reverter a situação de desmatamento, perda e crise da biodiversidade, além de contribuírem com o enfrentamento da emergência climática, na visão de Marinez. “Não tenho dúvida que a regeneração e a restauração do bioma passa tanto pelas áreas não ocupadas, mas também precisa acontecer no território urbano. Tem iniciativas de cidades verdes, voltadas para a conscientização nos municípios. Nas cidades, por exemplo, não utilizar espécies exóticas na arborização urbana e, sim, as nativas da região”, ressalta.

Outra questão colocada pela pesquisadora é que, em um domínio fitogeográfico de longa extensão, é preciso levar em consideração as características regionais. “Se ocorrer o aumento da arborização com espécies nativas nas áreas urbanas, é possível melhorar ou mitigar, por exemplo, as ilhas de calor no Rio de Janeiro ou situações de inundação, de deslizamento de terra. Mas é preciso usar espécies nativas da região; afinal, a Mata Atlântica vai desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul. Tudo isso envolve pesquisa, ciência e saberes locais e territoriais”, explica.

De um dos caules em forma de flor em que podemos ouvir os áudios da exposição, também escutamos a música Da lama ao caos, de Chico Science (1996-1997) e do grupo Nação Zumbi. A canção traz o mangue como tema e, ao mesmo tempo, convoca para uma revolução, uma reorganização humana, ainda nos anos 90. Posso sair daqui pra me organizar / Posso sair daqui pra desorganizar, diz os versos, na batida do manguebeat. Também agora é preciso reorganizar a manutenção da biodiversidade, afinal isso impacta nas questões de saúde e no bem viver.

“Quando o bioma não está equilibrado, quando há uma situação de desmatamento, existe a exposição de uma população a novos potenciais patógenos. Também temos a volta de doenças que já tinham sido controladas ou erradicadas. E isso se agrava muito não só com o desmatamento, mas com a mudança climática. Quanto mais se desmata, mais se prejudica  a situação do clima, o que repercute na saúde. É um ciclo”, analisa Marinez.

No caso da Mata Atlântica, com a complexidade dos vários sistemas que possui, este desequilíbrio prejudica os diversos seres vivos que habitam em seu entorno. Um exemplo é a perda de um serviço ecossistêmico como a polinização. “Quando há a diminuição de agentes polinizadores, diminui o potencial agrícola daquela região”, comenta Marinez. E uma das estrelas da exposição é justamente a Xenohyla truncata, uma perereca polinizadora rara, que vive nas restingas do Rio de Janeiro, e é conhecida por ser o primeiro anfíbio polinizador do mundo.

A perereca Xenohyla truncata, que vive nas restingas do Rio de Janeiro, é conhecida como o primeiro anfíbio polinizador do mundo. — Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Ao final, no terceiro espaço do percurso da exposição, podemos deixar a nossa contribuição para a Mata Atlântica. Cada visitante é convidado a plantar uma semente de árvore nativa do bioma, que será cuidada dentro do próprio Jardim Botânico, e quando estiver suficientemente desenvolvida será entregue a parceiros da instituição, que vão plantar as mudinhas. Até o momento, das sementinhas plantadas, 300 já se transformaram em mudas e foram encaminhadas para reflorestamento.

O pau-brasil (Paubrasilia echinata) não poderia faltar nesse percurso. Além de compor uma das peças da exposição, está presente na instalação artística “Utopia Botânica”, desenvolvida por Fernanda Froes para o Museu do Jardim Botânico. O grande símbolo da Mata Atlântica, que já esteve à beira da extinção, aparece como uma floresta feita de pedaços de tela de algodão tingidos à mão e costurados com fios igualmente pintados com a tinta do pau-brasil. O material veio a partir de podas de árvores. 

A sensibilização e a divulgação do conhecimento se tornaram aliadas nesse processo de conscientização pela preservação ambiental, como explica Daniela. “O que queremos trazer com essa exposição tem a ver com esse sentimento de encantamento e de pertencimento: ‘isso é meu, quero ajudar a cuidar disso. Quero conhecer mais para cuidar melhor’”. Para ela, o entendimento de nossa biodiversidade e de nossa flora ajuda a compreender melhor o lugar de cada um no mundo. Daniela e Marinez reforçam essa importância ao longo de toda a conversa com Radis. Para a diretora do museu, o uso da arte traduz o saber científico em uma linguagem mais aberta. “A divulgação científica amplifica esse conhecimento, porque é só com as pessoas conhecendo que elas podem cuidar e proteger. E a arte chama atenção para aspectos que talvez você não perceberia assistindo uma aula ou lendo um artigo científico. A arte é uma entrada e, a partir disso, abre-se uma janela de possibilidades”, afirma Daniela.

Serviço:

Exposição Mata Atlântica: In-finitos Encantos

Local: Museu do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Quando: De quinta a terça-feira, das 10h às 17h. Não abre às quartas-feiras

A entrada é gratuita

Você já ouviu falar em invisibilidade botânica?

Invisibilidade botânica é a dificuldade em perceber a presença das plantas no ambiente e no nosso dia a dia. Isso se deve, em parte, ao ensino insuficiente de botânica nas escolas, fazendo com que os alunos não conheçam a diversidade da vida vegetal e seu papel no equilíbrio do planeta. Também se explica pela falta de conexão e sensibilidade em relação à natureza, o que pode ter consequências graves em nossa interação com o mundo.

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