A

Menu

A

A

Menu

A

Obesidade infantil caminha ao lado da fome

Alimentação saudável pesa no orçamento de quem é mais pobre e ultraprocessados aumentam sobrepeso em crianças e adolescentes

Patrícia Gonçalves, mãe solo, vendedora, acorda de madrugada em sua casa, em Nilópolis, na Baixada Fluminense, para fazer a massa de um salgado de salsicha e assá-lo para o filho levar de lanche para a escola. Ela já sabe que o café da manhã dele será apenas um copo de leite puro, uma vez que Danilo, com 7 anos, tem seletividade alimentar, o que dificulta completamente a rotina de alimentação. Além do salgado no lanche, ele geralmente não aceita comer outras coisas.

Enquanto isso, de manhã cedo, Joyce Mattos, jornalista, em Santa Catarina, prepara o lanche de sua filha, Melina, também de 7 anos, com um copo de suco natural e uma fruta. Mais tarde, na escola, ela vai lanchar o que é oferecido pela rede municipal de ensino, provavelmente um achocolatado com biscoito ou uma refeição com arroz, feijão e carne. No colégio, a família não tem muito controle sobre o que ela irá comer, porém, em casa, a dieta sempre foi rígida e pautada em uma alimentação mais natural possível desde que a menina nasceu.

Já no último estado do Nordeste antes do Norte, em São Luís do Maranhão, Danielle Moreira, radialista e estudante de Letras, já se acostumou com o filho de 10 anos que não come nada no café da manhã, ele simplesmente não gosta. João Miguel só vai ter a primeira refeição do dia na hora do lanche, no intervalo da escola, provavelmente comendo um salgado ou sanduíche com suco ou refrigerante. A mãe sabe que a alimentação do filho não é ideal, mas, infelizmente, é a que é possível, considerando a extensa rotina de trabalho e estudo dos pais e a falta de tempo em decorrência disso.

Realidades diferentes que esbarram nos mesmos problemas, apesar das particularidades: a falta de tempo para preparar os alimentos; o custo da comida considerada saudável em contraste com o preço dos produtos ultraprocessados ou com alto teor de açúcar, sódio e gordura trans; e a socialização das crianças com a “normalização” de comidas menos saudáveis por conta da publicidade abusiva voltada ao público infantil.Segundo os especialistas entrevistados por Radis, os ultraprocessados (termo brasileiro, criado pelo pesquisador Carlos Augusto Monteiro) podem ser um dos fatores que têm desencadeado ou agravado situações de predisposição à obesidade em crianças. Contudo, não é apenas a obesidade, mas uma série de outras condições de saúde que podem estar atreladas a esses alimentos.

Ultraprocessados e a falta de tempo

Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicação do Ministério da Saúde, cuja segunda edição completa dez anos em 2024, alimentos ultraprocessados são nutricionalmente desbalanceados, como é o caso de biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, sucos artificiais e macarrão instantâneo. Eles são produtos que passam por vários processos industriais, tornando-se muito diferentes de alimentos in natura. São ricos em açúcar, gorduras saturadas e sódio, além de conter muitos ingredientes artificiais, como corantes, aromatizantes, conservantes e intensificadores de sabor.

Um estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine, em 2022, demonstra que alimentos ultraprocessados foram responsáveis por, pelo menos, 10,5% das mortes prematuras em adultos no período de um ano. A pesquisa também aponta que a redução da ingestão desse tipo de produto ​​promoveria ganhos substanciais em saúde para a população.

Porém, a alimentação saudável apresentada pelo Guia não chega a ser a realidade nem de 20% da população brasileira com menor escolaridade, segundo estudo desenvolvido pela pesquisadora Barbara Virginia Caixeta Crepaldi, no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Uberlândia (Famed/UFU). 

“O maior obstáculo, sem dúvida, é a questão financeira, porque a alimentação saudável é mais cara. Por mais que digam que não, que dá para fazer feira. Além de ser mais caro, também é mais trabalhoso”, afirma Joyce, mãe de Melina, que tenta manter a filha longe de ultraprocessados e alimentos açucarados, mas não consegue dar a rotina de alimentação completamente como queria. 

“No meu caso, eu sou mãe solo, então o tempo de parar para preparar alimento, para cozinhar as verduras, para bater e fazer polpa de fruta natural leva algumas horas do dia, que quando você compra um suco pronto ou uma comida congelada é muito mais rápido e muito mais prático e termina sendo mais barato também”, complementa.

Danielle, mãe de João Miguel, elenca a falta de tempo e custo como as principais dificuldades para a alimentação saudável tanto do filho quanto da família. “O primeiro fator é sem dúvida a rotina, a administração, o tempo, a organização”. Em segundo lugar, ela cita a questão financeira. “Embora a gente tenha consciência do que são os alimentos saudáveis, a gente precisa ter recursos para comprar esses alimentos que não são baratos”. 

Ela também critica falas que reduzem a boa alimentação a “só ir na feira” e afirma que “não é só isso”. “Você precisa ter alguns produtos de boa qualidade: azeite, óleos, temperos, ter sempre alimentos frescos. E isso, no final das contas, não é uma coisa barata. Tem um custo elevado”. 

Hábitos familiares

Danielle e Joyce passaram por questões relacionadas à obesidade na família e isso fez com que tivessem uma atenção especial com a alimentação. “A minha família paterna, meu pai, a minha avó paterna e os irmãos deles, todos enfrentaram obesidade”, relata Joyce. “Meu pai, já falecido, inclusive, teve algumas doenças que foram agravadas pela obesidade e terminou falecendo. Tive uma tia e um tio que passaram, inclusive, pelo processo de [cirurgia] bariátrica, tiveram complicações e também terminaram falecendo”, revela, antes de partilhar sua experiência.

“Eu tenho sobrepeso. Hoje, tenho uma rotina alimentar e de atividade física para recuperar o tempo perdido, mas sempre fui ‘a criança e a adolescente gordinha’. A comida semipronta, o mais prático, ajuda muito na rotina. E não tinha consciência alimentar por parte da minha mãe ou do meu pai. Então tentei mudar a história familiar a partir da minha filha”, declara.

Danielle conta à Radis que reconsiderou seus hábitos com o intuito de melhorar a saúde, além de ter mudado sua alimentação e começado a praticar exercícios físicos. “Eu sou uma mulher obesa, eu e o pai dele. Também tenho dificuldades com questões alimentares. Apesar disso, a gente tenta dar para o nosso filho possibilidades melhores, mais saudáveis, mas nem sempre é possível”. 

A radialista considera que João Miguel tem mais acesso a alimentos como legumes, laticínios e carnes magras do que ela quando criança, porém também tem mais acesso a ultraprocessados e comidas gordurosas por conta do convívio com familiares e seus hábitos alimentares. Ainda pequeno, seu filho teve todo o processo correto de introdução alimentar, mas quando a mãe precisou retornar ao trabalho e deixá-lo durante o dia sob o cuidado de familiares que não adotavam os mesmos princípios, ele mudou completamente sua alimentação e passou a rejeitar verduras e legumes, que comia quando bebê.

A mesma situação aconteceu com Patrícia e seu filho, Danilo. Acompanhada de nutricionista, ela cumpriu toda a introdução alimentar e o menino gostava muito de comer verduras, legumes, frutas e uma diversidade de comidas. Contudo, de uma hora para outra, ele começou a rejeitar uma série de alimentos e reduziu drasticamente o seu paladar. Após diagnóstico, ela descobriu que o filho tinha transtorno opositor desafiador (TOD), ansiedade e seletividade alimentar.

“O meu maior obstáculo hoje é a falta de interesse dele. Ele não tem vontade de experimentar, não quer nem ver, eu fico sempre fazendo as mesmas coisas”, desabafa. Segundo ela, alguns dias, a única coisa que Danilo aceita comer é arroz puro, não querendo consumir proteína ou vegetais. Ele não costuma comer biscoitos açucarados por não gostar, porém, geralmente escolhe comidas com alto teor de gordura, como alimentos fritos em vez de cozidos, principalmente os ultraprocessados.

O maior receio da mãe e dos especialistas que o acompanham são as condições de saúde que podem ser agravadas, como obesidade, desnutrição ou problemas como diabetes. Patrícia diz que a cada dia ele restringe mais o paladar. Ela relata também a situação de uma colega cujo filho também tem seletividade alimentar e está com obesidade e diabetes por só conseguir comer biscoitos recheados e teme que Danilo chegue a esse ponto.

A culpa é da mãe?

Patrícia Gonçalves é constantemente criticada pela forma como cria Danilo. “Não é só pra alimento, mas as pessoas acham que eu tô fazendo a vontade [dele], que quem manda é o adulto”, relata. No senso comum, a culpabilização das mães por doenças e condições é extremamente forte, principalmente quando são relacionadas ao cuidado e alimentação das crianças. 

Essa é uma crença popular que carrega de culpa as decisões sobre a alimentação como se não houvesse um atravessamento do meio em que se vive, do custo, da cultura e da falta de tempo por conta de trabalhos cada vez mais precarizados. Patrícia conta que as pessoas criticam até a procura por ajuda de profissionais: “Quem não conhece, fala: ‘Que isso, mas ele é uma criança saudável, não tem necessidade disso’. Se você faz, é criticado. Se não faz, também é. Não tem meio termo”, lamenta.

Um dos principais obstáculos de Patrícia como mãe solo é o tempo que o filho precisa ficar sob o cuidado de outros familiares para que ela possa trabalhar. Assim, ela tem menos condições de preparar os alimentos que Danilo aceita comer. A ansiedade dele é agravada pelos ultraprocessados e pelo grande tempo de tela a que fica exposto, já que outros recursos são mais limitados — problema que afeta outra mãe que carrega o peso da culpa pela alimentação do filho.

Danielle tem acesso à informação sobre o que é mais saudável, mas não tem condições, atualmente, de mudar a situação. “A avaliação que faço é que a alimentação do João Miguel não é perfeita, mas também tenho consciência de que é o que posso oferecer no momento, dentro da nossa realidade. Isso, com certeza, já foi motivo de muita culpa, de me sentir muito mal”. Ela acredita que se tivesse mais tempo para ficar com o filho, com certeza ele teria uma alimentação melhor; e tem esperança de que, no futuro, com acesso à informação, ele possa adquirir uma consciência para se alimentar melhor, dentro das possibilidades.

Joyce também é criticada por manter a dieta da filha de forma tão restrita. “As pessoas normalmente acham estranho, falam: ‘nossa!’. Que é excesso de cuidado, excesso de zelo, mas talvez seja mesmo. Porém, é importante, pois minha família tem predisposição para diabetes e obesidade”, conta.

Ela decidiu quebrar o ciclo da obesidade de sua família a partir da filha, não querendo que ela passasse pelo mesmo que passou. Contudo, o cuidado restritivo que ela tem é visto por muitos como “frescura”. Esse julgamento social parte da culpabilização individual das pessoas por conta de suas escolhas alimentares, como se não fossem fruto do meio em que estão inseridas. 

Para Eduardo Nilson, pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo (USP), e do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília, o problema da obesidade no Brasil não poderá ser resolvido enquanto não forem trabalhadas políticas públicas que visem alterar os contextos sociais e garantir o direito à alimentação. Todas as mães entrevistadas demonstraram conhecimento sobre o que são os alimentos mais saudáveis e relataram as dificuldades que possuem para acessá-los, a principal delas sendo o custo. 

“A gente não traz essa visão julgadora, estigmatizante, individualizante desse agravo. [O intuito] é muito mais de pensar ambientes e políticas que fortaleçam o que já tem sido feito pelo sistema público de saúde”, afirma Carol Rocha, nutricionista especialista em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) na área de Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva, além de atuar como analista de saúde no Instituto Desiderata.

Desertos Alimentares

Fome e obesidade parecem opostas, porém estão mais próximas do que se imagina. Existe um provérbio africano que diz: “O homem avarento está como um boi gordo: ele só dará a gordura quando for privado de sua vida”, e relaciona gordura com fartura, com prosperidade econômica, como o excesso de peso foi visto durante boa parte da história. Contudo, essa lógica tem se invertido. As pessoas com mais poder aquisitivo têm tempo e recursos necessários para praticarem atividades físicas e consumirem uma alimentação mais saudável e natural possível — enquanto as pessoas mais pobres estão sujeitas tanto aos impactos da fome quanto à obesidade.

Essa afirmativa está escancarada no acesso aos alimentos in natura e minimamente processados. Ao tomar a cidade do Rio de Janeiro como exemplo, a concentração de feiras populares é extremamente desigual entre as áreas mais nobres em contraste com as regiões periféricas [Leia reportagem sobre racismo alimentar na Radis 264].

“Lugares periféricos têm acesso pior a alimentos frescos. Pensando na geografia do Rio de Janeiro, seja na Baixada Fluminense ou na cidade, dentro de morros ou em favelas, por exemplo, essa semana está tendo operação na Maré, todos os dias as escolas estão fechadas, essas crianças que fariam uma refeição na escola não estão fazendo”, afirma Carol Rocha, a respeito da situação de vulnerabilidade, fome e desnutrição a que as crianças das periferias estão expostas. Não são apenas feiras com alimentos frescos que não são oferecidas nesses espaços, mas, muitas vezes, as crianças são impedidas até de ter a única refeição balanceada que poderiam fazer no dia. Carol chama isso de projeto de extermínio.

Aliado à falta de acesso a alimentos saudáveis pela população mais pobre, está o baixo custo da comida ultraprocessada, gordurosa e açucarada. Por exemplo, uma lata de refrigerante é mais barata que o suco feito direto da fruta, assim como empanados industrializados de frango são mais baratos que carne de verdade. Essa disparidade faz com que os mais pobres precisem optar por soluções mais baratas para sua alimentação. 

Com isso, os ultraprocessados influenciam tanto no ganho de peso como na desnutrição, uma vez que esse tipo de “alimento” não contém os nutrientes necessários. “O Bolsa Família, por exemplo, foi uma importante estratégia contra a obesidade infantil, porque combatia a fome e, dentro dos parâmetros, também combatia a obesidade, pois a família passava a comer melhor, com alimentos mais saudáveis”, avalia Eduardo Nilson.

Com o aumento da pobreza e da fome no Brasil, também são constatados dados preocupantes sobre a alimentação das crianças. Um exemplo é a introdução cada vez mais precoce ao consumo de ultraprocessados: crianças de zero a seis anos estão consumindo mais desses “alimentos”, segundo dados de 2021, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Também há forte publicidade de que esses produtos são formulados para crianças, a exemplo de leites enriquecidos e açucarados, fórmulas, achocolatados, biscoitos, iogurtes, entre outros.

Nesse contexto, Eduardo Nilson destaca a importância da implementação dos selos de “Alto Em” gordura saturada, sódio e açúcar, na rotulagem dos alimentos. “Deixar só as informações da indústria é uma desigualdade muito grande, é até covarde. Você vê a embalagem dos ultraprocessados e vai ter lá que ele é fortificado, que é livre de [gorduras] trans, lactose e as pessoas só enxergam coisas positivas e não enxergam esse outro lado”, afirma o pesquisador.

Eduardo explica que “as evidências estão cada vez mais sólidas”. “A gente vê que o gráfico de publicações falando de ultraprocessados só cresce e os estudos sem conflitos de interesses, nenhum deles mostrou algum benefício à saúde com os ultraprocessados; pelo contrário, têm efeitos negativos”, afirma, desmentindo a crença de que existem efeitos positivos para crianças em consumir sucos artificiais, refrigerante light ou produtos diet. “Faz tudo mal”, sentencia.

Come-se alimentos, não nutrientes

Segundo Eduardo Nilson, a obesidade não é considerada um problema no atendimento primário de saúde quando se refere a crianças ou adolescentes, mas somente como algo que irá prejudicá-las no futuro, não levando em conta os efeitos do sobrepeso na própria infância. Contudo, o pesquisador aponta que “a obesidade nunca é uma CID [Classificação Internacional de Doenças] sozinha”, mas um conjunto de doenças que são agravadas pelo sobrepeso e pela ingestão de ultraprocessados, como diabetes, doenças cardíacas, câncer, colesterol alterado, desnutrição e, também, situações de adoecimento mental como ansiedade e depressão. O desequilíbrio no consumo de alimentos saudáveis não gera somente perda em nutrientes, como vitaminas e sais minerais, mas também influencia em outras áreas, a exemplo da formação motora e até social de crianças e adolescentes.

A professora de Educação Física em um colégio particular em São Luís (MA), Maria de Nazaré, relata que fica indignada ao ver crianças a cada dia com mais sobrepeso, o que prejudica o desenvolvimento e desempenho físico. “Cinco anos o meu aluno tem. Tanto ele quanto o irmão mais velho [têm sobrepeso] e a mãe não para de encher de comida, como hambúrguer, salgadinho, só porcaria… e o menino não consegue correr nem alguns segundos sem ficar com falta de ar. Absurdo isso, com cinco anos!”, desabafa. Ela relata que as crianças têm ficado cada vez mais cansadas e desmotivadas para correr e brincar.

No Brasil, uma em cada três crianças atendidas na Atenção Primária à Saúde estão com excesso de peso, segundo informações do Ministério da Saúde, de 2019. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Global Atlas on Childhood Obesity [Atlas Global em Obesidade Infantil, de 2019], o país estará na 5ª posição do ranking de países com o maior número de crianças e adolescentes com obesidade em 2030, de acordo com previsões, com chance de apenas 2% de reverter essa situação se nada for feito.

Na contramão dos ultraprocessados, estão as instruções de comer de forma mais natural e menos industrializada possível, como campanhas de “desembale menos, descasque mais” ou “coma comida de verdade”. O ideal é que a alimentação, principalmente a de crianças, seja “aquela que a nossa avó fazia”. Eduardo explica que, assim como os hábitos alimentares baseados em ultraprocessados podem influenciar em uma vida cheia de comorbidades, a alimentação pode ser fator de proteção contra doenças.

Culturalmente, as pessoas acreditam na contagem de nutrientes e calorias para medir o quão saudável é uma comida, sendo que não come-se nutrientes ou calorias, come-se alimentos. O que está dentro do prato são alimentos, não informações nutricionais. É nesse sentido que os especialistas entrevistados buscam incentivar o pensamento da população. O mais saudável sempre será o alimento in natura.

Possíveis saídas

Como estratégia para redução da obesidade infantil, os especialistas entrevistados defendem o resgate da raiz cultural da comida, respeitando os hábitos alimentares de cada região do país. Também propõem utilizar uma linguagem mais próxima das pessoas, para alcançar a população menos escolarizada, que acaba sendo impactada pela falta de acesso aos alimentos mais saudáveis.

Outra estratégia tem sido diminuir o custo dos alimentos in natura que fazem parte da cesta básica da população brasileira a partir da reforma tributária. “É um olhar voltado ao salário mínimo e a uma alimentação ainda da década de 1940, que é o arroz, o óleo e o feijão, mas olhar sobre os alimentos frescos, outros alimentos como frutas, legumes, grãos”, afirma Eduardo Nilson. Essa proposta também visa aumentar o preço dos alimentos ultraprocessados para inverter a balança: “O tributo seletivo é o outro lado da moeda, sobre produtos ou serviços que causam dano à saúde ou ao meio ambiente. Eles têm que pagar por essa externalidade negativa, ou seja, esse efeito que têm tanto em saúde, quanto em custos para a sociedade como um todo”.

Outra iniciativa é a atuação da sociedade civil organizada, por meio de ONGs ou movimentos sociais, para garantir o direito à alimentação. É o caso do Instituto Desiderata, no Rio de Janeiro, voltado para a promoção da saúde de crianças e adolescentes. É uma das organizações que têm colocado em pauta ações necessárias para garantir a proteção na infância contra o consumo de alimentos ultraprocessados.

A mobilização da sociedade civil tem cobrado a implementação de leis, o acesso democrático aos tratamentos de saúde, a mudança de hábitos prejudiciais na sociedade, a proibição da publicidade abusiva voltada para o público infantil, entre outras medidas. Carol Rocha, analista de saúde da organização, ressalta que eles têm um plano de atuação com o objetivo de conscientizar a população a longo prazo.

Problemas que a obesidade pode causar na infância

  • Doenças crônicas: diabetes, hipertensão, colesterol alto, condições cardiovasculares, câncer, entre outras;
  • Doenças ortopédicas: problemas de coluna, joelhos ou outras articulações que podem ser prejudicadas no desenvolvimento por causa do excesso de peso;
  • Agravar doenças respiratórias: impulsionar condições como asma, apneia, entre outras;
  • Problemas de pele: acne, assaduras e dermatite;
  • Problemas socioemocionais: além de agravar processos de baixa autoestima e compulsão alimentar, quando relacionado à alimentação pode gerar situações de ansiedade e depressão;
  • Baixo desempenho físico: pode estar relacionada à perda de mobilidade e desempenho em atividades como corrida, por exemplo;
  • Risco de morte prematura: ainda que saia da condição de obesidade na vida adulta, há um risco aumentado de morte prematura.
Fonte: Eduardo Nilson, entrevistado por Radis; dados do Ministério da Saúde e Fiocruz.

Orientações do Guia Alimentar para a População Brasileira

  • Base da alimentação com alimentos in natura ou minimamente processados
  • Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades
  • Consumir alimentos processados em pequenas quantidades, apenas como parte da refeição acompanhados de outros alimentos in natura
  • Evitar alimentos ultraprocessados
  • Não trocar comida preparada na hora por alimentos que dispensam preparo culinário como sopas, macarrões e lasanhas industrializados

Lei das cantinas pelo Brasil

Em 12 de dezembro de 2023, o presidente Lula sancionou o Decreto Presidencial nº 11.821/23, que estabelece diretrizes para a promoção de uma alimentação saudável nas escolas. Entre as medidas, destaca-se a restrição de doação e comercialização de alimentos e bebidas ultraprocessadas nas escolas públicas e privadas e de comunicação mercadológica desses produtos ou publicidade abusiva. Contudo, o país ainda não tem uma legislação com essas proibições em todo o território nacional, para proteger crianças e adolescentes e combater a obesidade infantil. Em 2007, o Projeto de Lei (PL) 127 foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Deputados e esperava apenas a sanção presidencial, mas acabou arquivado.

Além do decreto recente, outra iniciativa que visa proporcionar uma alimentação saudável nas escolas é o Programa Nacional de Alimentação Escolar, como estabelece a Lei nº 11.947 de 2009, que dispõe sobre diretrizes para o consumo de alimentos nas escolas públicas do país, tornando-as espaços mais protegidos para as crianças, porém não completamente. Além das escolas particulares que oferecem merenda escolar não serem obrigadas a seguirem as recomendações, as cantinas ainda vendem lanches com alto teor de gordura, açúcar, sódio e alimentos ultraprocessados.

A cidade do Rio de Janeiro se tornou referência com a implementação da chamada “lei das cantinas”, a Lei nº 7.987 de 2023, que proíbe o consumo de alimentos prejudiciais à saúde nas escolas, seja na oferta de merenda ou na venda em cantinas. A proposta não agrada a população em geral, principalmente a indústria; porém, um ambiente protegido pode ajudar crianças a criarem o hábito do consumo de alimentos mais naturais. A multa pelo não cumprimento é de R$1.500 por dia, uma punição alta considerando escolas de menor porte.

“Foram muitos anos de luta para a aprovação e agora nós estamos no processo, igualmente desafiador, que é o apoio para a efetiva implementação”, comenta Carol Rocha, do Instituto Desiderata, que atuou na pressão popular para que a lei fosse aprovada no Rio de Janeiro.

O estado do Rio de Janeiro também tem uma lei com o mesmo teor desde 2005, porém não é cumprida integralmente. Com a lei municipal na capital, o movimento se espalhou pela Região Metropolitana para reforçar a proibição. O contrário vem ocorrendo em Minas Gerais. A Lei nº 15.072/04 foi revogada pelo governador Romeu Zema (Partido Novo) em 2019, em seu primeiro ano de gestão. Atualmente, um novo projeto de lei com esse mesmo intuito tramita na Câmara para que as escolas voltem a ser impedidas de oferecer alimentos prejudiciais à formação das crianças.

Em alguns estados, nem existe ainda a discussão sobre uma legislação específica para isso, como é o caso do Pará ou da Bahia — este último proibiu apenas a publicidade desses alimentos para crianças e já se tornou polêmico. Ou o caso do Maranhão, onde existe uma lei sancionada desde 2019 (Lei nº 11.196), mas na prática, a proibição não acontece pelo estado.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é dever do Estado proteger a infância e isso inclui, ou deveria incluir, um espaço seguro e livre de alimentos que prejudicam a saúde, no local onde a maioria passa grande parte do dia, que é a escola. Porém, esse é mais um caso em que a responsabilidade recai sobre a escolha do indivíduo — neste caso, indivíduos que ainda não têm seu cérebro completamente formado e estão expostos à publicidade abusiva.

Mapa da lei estadual das cantinas pelo Brasil

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Não existem legislações específicas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Com legislação sobre alimentação, mas que não são tão completas

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Não existem legislações específicas

Não existem legislações específicas

Com legislação sobre alimentação, mas que não são tão completas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Com legislação sobre alimentação, mas que não são tão completas

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Com legislação sobre alimentação, mas que não são tão completas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Com legislação sobre alimentação, mas que não são tão completas

Com legislação sobre alimentação nas escolas

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Estados em que não existem legislações específicas

Estados sem legislação específica, porém com Projetos de Lei em andamento

Estados com legislação sobre alimentação nas escolas

Estados com legislação sobre alimentação, mas que não são tão completas

Fonte: Levantamento de Radis.

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis