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No Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, na Zona Norte do Rio de Janeiro, unidade de referência durante a pandemia de covid-19, em cada ala, o fluxo de pessoas atendidas é grande. No Centro Cirúrgico, a enfermeira de rotina Kathryn Santos preenche com uma caneta de quadro branco o painel de vidro onde fica o protocolo de cirurgia segura. 

Com o paciente na mesa cirúrgica e preparado para o procedimento, Kathryn começa a confirmar dados como nome, data de nascimento e tipo de cirurgia. “Passo a passo, a gente explica ao paciente, antes da anestesia, o que vai acontecer, para que ele fique ciente”, conta.

Toda intercorrência é anotada, além de quantos e quais materiais foram usados, para que a equipe possa fazer a contagem e ter a certeza de que nenhum objeto — como uma compressa de gaze ou uma pinça — tenha ficado dentro do corpo do paciente. Apenas com todos os protocolos finalizados corretamente, a cirurgia pode ser encerrada com segurança.

Radis visitou o Hospital Ronaldo Gazolla para acompanhar de perto a rotina e a aplicação dos protocolos voltados à segurança do paciente. A equipe de Gestão da Qualidade, que trabalha para obter a certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao implementar integralmente as práticas recomendadas, contou como tem se dedicado para que a unidade ofereça aos pacientes um cuidado seguro.

Comunicação efetiva e cirurgia segura são algumas das metas internacionais parasegurança do paciente presentes na rotina do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla. — Foto: Fernanda Andrade.
— Foto: Fernanda Andrade.

A segurança do paciente é um aspecto da qualidade do cuidado em saúde, voltado à prevenção, identificação e mitigação de incidentes, segundo definição do Ministério da Saúde. Em outras palavras, são um conjunto de esforços para garantir que as pessoas sejam atendidas da forma mais segura possível, evitando erros, falhas e eventos que possam causar sofrimento ou danos.

Mestre e doutor em Saúde Pública, coordenador executivo do Centro Colaborador para a Qualidade e Segurança do Paciente (Proqualis), vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e fundador da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp), Victor Grabois explica à Radis que essa é “uma área de trabalho que visa reduzir os riscos de danos que estejam associados ao cuidado da saúde”.

Anderson Ferreira – Coordenador do Núcleo de Segurança do Paciente do Hospital Ronaldo Gazolla. — Foto: Fernanda Andrade.
Anderson Ferreira – Coordenador do Núcleo de Segurança do Paciente do Hospital Ronaldo Gazolla. — Foto: Fernanda Andrade.

Anderson Ferreira, enfermeiro e coordenador do Núcleo de Segurança do Paciente do Hospital Ronaldo Gazolla, relembra que, ao longo dos anos, profissionais de saúde e gestores observaram a quantidade de erros que ocorriam em cirurgias, como procedimentos sem conformidade, pacientes trocados ou membros amputados sem necessidade. Além dos impactos na vida das pessoas, ressalta Anderson, “isso é algo que ainda traz muito gasto, principalmente falando de saúde pública”.

O enfermeiro afirma que o protocolo de cirurgia segura fala sobre rigidez no cuidado: “Se vemos alguma falha, como a pulseira do paciente está com nome de João, mas o [nome do] paciente no mapa cirúrgico está escrito Pedro, a gente vai parar, não vai realizar a cirurgia e vamos ver onde teve a falha no processo”. Ele compara essa conduta ao protocolo da aviação civil, na qual tudo precisa estar perfeitamente alinhado. “O paciente durante o procedimento cirúrgico está desacordado, então ele é incapaz de falar sobre si”, completa.

Quando se fala em segurança do paciente, a cirurgia segura é uma das práticas mais conhecidas. Porém, Victor ressalta que “é uma visão muito mais abrangente, um conjunto de atividades em que entram: a tecnologia, os ambientes, a cultura, as formas de agir que possam permitir que o cuidado seja seguro. É uma ideia muito mais sistêmica”.

Metas Internacionais

Nos corredores do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, o trabalho de Thatiane Barcellos, enfermeira, especialista em Gestão de Qualidade e Segurança do Paciente e coordenadora da equipe de Qualidade, é garantir que todos os profissionais façam atendimentos em saúde com segurança, realizando treinamentos, vistorias e implementando novos protocolos a partir das necessidades. Ela explica que a unidade de saúde se baseia nas metas internacionais preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Thatiane Barcellos - Coordenadora da equipe de Qualidade do Hospital Ronaldo Gazolla. — Foto: Fernanda Andrade.
Thatiane Barcellos – Coordenadora da equipe de Qualidade do Hospital Ronaldo Gazolla. — Foto: Fernanda Andrade.

“Temos vários processos e medidas de segurança implantadas dentro da nossa unidade, iniciando pela identificação segura do paciente para garantir que a assistência e o cuidado direcionados sejam corretos”, declara a enfermeira. Na maioria das unidades, a identificação é realizada por meio de uma pulseira com nome, data de nascimento e outros dados, que serão confirmados por todos os profissionais pelos quais a pessoa passar durante procedimentos ou administração de medicações. Dessa forma, a equipe evita trocar um paciente com outro por engano.

Esses protocolos, como cirurgia segura e identificação correta do paciente, fazem parte de metas internacionais preconizadas pela OMS. Completando a lista, temos comunicação efetiva, segurança dos medicamentos, redução do risco de infecção e do risco de danos resultantes de lesões por pressão e quedas.

Na enfermaria do hospital, perto dos leitos, Fabiana Costa, enfermeira, e Sabrina Seixas, residente de enfermagem, preparam-se para a troca de plantão. Com uma prancheta em mãos, Fabiana atualiza a colega sobre os pacientes, seu estado, o que já foi realizado e o que está previsto, executando mais um protocolo, que é o da comunicação efetiva entre os profissionais.

Fabiana Costa, enfermeira, e Sabrina Seixas, residente de enfermagem, durante troca de plantão. — Foto: Fernanda Andrade.
Fabiana Costa, enfermeira, e Sabrina Seixas, residente de enfermagem, durante troca de plantão. — Foto: Fernanda Andrade.

Dessa forma, todos os envolvidos no cuidado têm as informações necessárias da situação dos pacientes para prevenir falhas, como falta de registro de queixas ou perda de exames agendados. “A troca de plantão é um dos momentos cruciais para a gente, porque é quando a gente passa todas as intercorrências e pendências. É importante pela comunicação entre profissionais e para a vida do paciente”, declara Fabiana.

Sabrina já inicia o plantão fazendo a higienização correta das mãos, uma das medidas mais eficazes para prevenção de infecções. É necessário que o procedimento ocorra antes e depois do contato com os pacientes, assim como os acompanhantes também devem fazer. Todos os materiais precisam ser estéreis ou descartáveis, sendo abertos na presença do paciente para que ele possa acompanhar.

Priscila Silva, técnica de enfermagem, cumprindo rotina de cuidado dos pacientes. — Foto: Fernanda Andrade.
Priscila Silva, técnica de enfermagem, cumprindo rotina de cuidado dos pacientes. — Foto: Fernanda Andrade.

Priscila Silva, técnica de enfermagem, cumprindo a rotina de cuidado dos pacientes internados, realiza outra prática de segurança do paciente que é informá-los sobre as medicações que serão administradas, previamente checadas por profissionais da saúde para que a administração não cause nenhum dano, a exemplo de uma medicação que seria via intramuscular e é feita via intravenosa.

Ainda dentro da enfermaria, pacientes internados que têm risco de queda são identificados com uma pulseira para prevenir eventuais lesões, assim como os que têm risco de desenvolver lesões por pressão. “Todos os pacientes, quando são admitidos na nossa unidade, passam por uma avaliação de risco para que possam ser identificados se precisam de cuidados diferenciados e orientações”, afirma Thatiane. Além da identificação, as grades do leito precisam ser levantadas, em caso de risco de queda; ou ter um colchão diferente, em caso de risco de lesões por pressão (conhecidas como escaras).

Essas práticas não ocorrem somente em grandes hospitais, mas em todos os níveis de atendimento em saúde, como preconiza o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) — seja na rede pública ou privada. Contudo, a implementação no SUS enfrenta diversos entraves estruturais e culturais. Entre os principais desafios estão a escassez de recursos humanos e materiais, a sobrecarga das equipes e a ausência de uma cultura institucional voltada para a prevenção de erros.

Erro humano

O coordenador executivo do Proqualis, Victor Grabois, declara que o cuidado em saúde não é isento de falhas. “Cuidar de alguém é um processo que, na maioria das situações, traz melhorias. No entanto, o cuidado com a saúde [também] pode causar problemas”, pontua. Ele cita a frase “Primum non nocere”, atribuída a Hipócrates, que significa “primeiro, não fazer o mal”, amplamente conhecida na área da saúde. No entanto, o pesquisador afirma que a grande maioria dos profissionais de saúde não estão realmente preparados para prevenir os danos relacionados ao cuidado.

Em 2024, o número de processos judiciais envolvendo erros médicos no Brasil teve um aumento expressivo — um salto de 506% em comparação com o ano anterior. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram registradas 74.358 ações no ano, contra 12.268 contabilizadas em 2023. No SUS, as ações por danos morais totalizaram 10.881, enquanto os pedidos por danos materiais somaram 5.854. Já nos serviços privados, os números são ainda maiores: 40.851 processos por danos morais e 16.772 por danos materiais — quase três vezes mais do que nos serviços públicos.

Tanto no meio jurídico quanto no social, a expressão “erro médico” é frequentemente utilizada para se referir a resultados negativos em atendimentos de saúde. Porém, nem sempre um desfecho indesejado equivale a uma falha cometida por um único profissional da saúde.

“Ninguém sai de casa para errar”, declara Victor a respeito do pensamento punitivista e focado no indivíduo. “Isso taxa muito o profissional sobre a responsabilidade com o paciente e a gente sabe que a equipe é multiprofissional e o médico é um membro da equipe”, pondera sobre o uso da expressão “erro médico”.

Em 9 de janeiro de 2024, o CNJ anunciou a retirada do termo “erro médico” das Tabelas Processuais Unificadas (TPU) e a sua substituição por “danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde”. As equipes de saúde utilizam, ainda, a expressão “eventos adversos”.

A OMS estima que mais de um a cada dez pacientes atendidos globalmente acabam sendo prejudicados durante o cuidado em saúde, o que contribui para cerca de 3 milhões de mortes por ano causadas por práticas inseguras. Um remédio que foi dado ao paciente errado, uma usuária que cai enquanto estava sendo transportada por uma maca, uma cirurgia no membro errado, todos esses são exemplos de danos que poderiam ser evitados, causados por desatenção, falha de comunicação, equipe sobrecarregada, entre outros fatores. 

Com a modernização das unidades de saúde, também existem os eventos causados por problemas em equipamentos ou computadores. O prontuário eletrônico pode apagar todas as informações do paciente ou, então, o aparelho de pressão estar com defeito e aferir de forma errada.

Victor acrescenta também o erro por omissão: “Você vai ao hospital e seu quadro deveria ser para internar, mas alguém não te interna. Cansei de ver o paciente voltando com o caso mais grave”, pontua. 

Esse foi o caso de Júlia Gonçalves, estudante do curso técnico em enfermagem, que começou a sentir muitas dores abdominais e procurou atendimento médico diversas vezes. Ela contou à Radis que repetidamente foi mandada para casa sem receber o diagnóstico correto.

O primeiro diagnóstico foi de cálculo renal, quando ela foi registrada no Sistema de Regulação do Ministério da Saúde (Sisreg) para aguardar cirurgia. Moradora da Baixada Fluminense, continuou tendo diversas crises de dor a ponto de desmaiar e precisar ir à emergência dos hospitais da região, nos quais foi apenas medicada.

Em 2023, a crise foi mais intensa e ela procurou o Hospital Souza Aguiar. Antes de fazer os exames específicos, chegou a ser acusada de ter provocado um aborto ou que era “psicológico”. No terceiro dia seguido, chegando desmaiada no hospital, recebeu o diagnóstico correto. Ela estava com pancreatite aguda e pedra na vesícula. A inflamação estava tão grave que quase chegou à falência dos órgãos. Porém, com o diagnóstico correto,  conseguiu fazer a cirurgia e se recuperar. O caso de Júlia demonstra uma falha sistêmica no atendimento, na triagem e até na falta de exames corretos para o problema.

Segurança do paciente no Brasil

Enquanto países como os Estados Unidos começaram a estruturar políticas de segurança do paciente no início dos anos 2000, o Brasil demorou a reconhecer oficialmente a importância do tema. Essa entrada tardia colocou o país em desvantagem na adoção de práticas e sistemas voltados à prevenção de eventos adversos e à promoção de um cuidado mais seguro.

Nos 12 anos de PNSP, no entanto, houve avanços significativos. Já são mais de nove mil Núcleos de Segurança do Paciente (NSPs) em funcionamento no país, reflexo de um esforço institucional para disseminar essa cultura dentro dos serviços de saúde. A Fiocruz, por exemplo, tem desempenhado um papel importante nessa mobilização, formando mais de três mil especialistas na área.

Victor aponta que, apesar disso, os números ainda estão longe de atender à demanda real do sistema. A quantidade de profissionais capacitados representa apenas uma pequena fração diante dos milhares de trabalhadores da saúde formados anualmente. Ele considera que um dos principais obstáculos continua sendo a ausência do tema nas grades curriculares dos cursos de graduação, o que dificulta a inserção da segurança do paciente como prática cotidiana desde a formação inicial.

Atualmente, a coordenação das políticas de segurança do paciente está sob responsabilidade do Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, que atua como órgão regulador e articulador da qualidade do cuidado à saúde. 

Apesar dos esforços institucionais para fortalecer a cultura da segurança, a pandemia de covid-19 expôs de forma contundente as fragilidades do sistema. A sobrecarga dos serviços, a escassez de materiais essenciais e, principalmente, a dificuldade de acesso a atendimentos seguros comprometeram diretamente a qualidade do cuidado, de acordo com Victor.

“Muitas práticas foram deixadas de lado porque o importante era ter leito, era ter uma vaga”, relata. Ele lembra que, em muitos casos, os profissionais atuaram em condições extremas, sem equipamentos adequados ou suporte técnico suficiente, o que aumentou o risco de erros.

Victor lembra que ocorreram erros graves de segurança incentivados pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, que adotou práticas como a falta do uso de máscara de proteção e o incentivo à medicação errada, como a hidroxicloroquina, além de um cenário de escassez de materiais e de profissionais inexperientes que precisaram assumir por falta de pessoas na equipe, entre outros problemas. “Na pandemia, não tinha incentivo às pessoas se protegerem”, analisa.

Esse cenário escancarou a urgência de consolidar essa área como eixo estruturante das políticas de saúde e não apenas como uma diretriz protocolar. “Hoje se tem uma visão muito mais ampla da segurança do paciente”, afirma Victor.

Aprendendo com erros

Em 2008, a OMS lançou um documentário chamado Aprendendo com Erros para reforçar o uso de protocolos de segurança. O vídeo apresenta a reconstrução de um caso real em que uma paciente faleceu após a administração incorreta de um medicamento que deveria ter sido aplicado por via intravenosa, mas foi administrado por via intratecal (na medula espinhal), causando um desfecho fatal.

Uma série de eventos retratados no filme contribuem para a morte da paciente, desde problemas na comunicação até ausência de protocolos claros e cultura organizacional inadequada. O objetivo principal é demonstrar que os erros não são apenas resultado de falhas individuais, mas frequentemente decorrem de deficiências sistêmicas e que se deve aprender com eles, para que falhas não ocorram novamente.

Contudo, a principal providência tomada pelas administrações das unidades de saúde é a demissão de profissionais ou outras formas de punição, segundo Victor Grabois. Um exemplo foi o caso de José Augusto Mota da Silva, que faleceu em 13 de dezembro de 2024 enquanto aguardava atendimento em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. A cena foi gravada por pacientes na Sala de Espera e viralizou nas redes sociais. No vídeo, é possível ouvir um deles gritando: “Todo mundo é culpado, ninguém atendeu”. Ele chegou a ser levado para a Sala Vermelha, mas não resistiu.

A Secretaria Municipal de Saúde do Rio, como resposta à indignação popular, demitiu os 20 funcionários que estavam de plantão naquela noite. No entanto, na avaliação de Victor à Radis, a medida não contribuirá, efetivamente, para que outros casos não ocorram, pois considera apenas os profissionais como culpados e não que houve uma falha sistêmica.

Douglas Noble, diretor associado de Preparação e Resposta a Emergências de Saúde Pública do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), é um dos profissionais que participam do documentário da OMS. Ele explica no vídeo que, muitas vezes, os protocolos são mal-recebidos nas unidades de saúde ou tratados com desdém. “O objetivo desses procedimentos é mal compreendido e os profissionais podem até tratá-los com desprezo. Falta de liderança organizacional, alta carga de trabalho e educação e treinamento inadequados contribuem para a baixa adesão”, afirma.

O papel do Proqualis

No Brasil, um dos pioneiros na temática foi o Proqualis, criado em 2009 como Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente. O projeto foi uma iniciativa do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), mas, atualmente, é vinculado à Ensp/Fiocruz.

Desde sua criação, o Proqualis tem como missão principal oferecer uma fonte contínua de consulta e atualização para profissionais de saúde e gestores, divulgando conteúdos técnico-científicos criteriosamente selecionados com base em sua relevância, qualidade e atualidade. “A grande missão do Proqualis é contribuir para a melhoria do cuidado em saúde por meio da transmissão de evidências científicas nessa temática e da difusão de tecnologias adequadas”, declara Victor.

A principal frente de atuação do projeto é o portal proqualis.fiocruz.br, que funciona como uma plataforma com textos, vídeos, imagens e treinamentos. A partir de 2012, o Proqualis também passou a oferecer cursos presenciais e on-line, processos de cooperação técnica e webinares sobre temas relevantes para a qualidade do cuidado e segurança do paciente.

O portal já teve mais 5,6 milhões de visualizações e mais de 2,2 milhões de usuários. Outra das contribuições do Proqualis para as práticas de segurança do paciente no país foi a participação no trabalho em rede com pesquisadores e instituições organizado pelo Ministério da Saúde em 2013 para elaborar a Portaria 529, de 1º de abril, que lançou o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP).

“O Proqualis tem esse papel de aprofundar a cultura de segurança e apontar o que é o correto a ser feito do ponto de vista dos protocolos”, resume Victor. Ele cita que o perfil do projeto é alinhado à sua raiz, à Fiocruz. “Somos a favor da ciência, dos dados, das evidências”, completa.

Desafios da segurança do paciente no Brasil

Em conversa com Radis, o pesquisador e coordenador-executivo do Proqualis, Victor Grabois, analisou os desafios da segurança do paciente no Sistema Único de Saúde (SUS)  como política pública no Brasil e discutiu sobre caminhos possíveis para promover uma cultura mais segura e centrada no cuidado.

O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) já tem 12 anos de existência, mas Victor aponta que, durante todo esse período, não houve políticas públicas para avançar na pesquisa sobre o tema, a exemplo de portarias ou bolsas. “As questões ligadas à pesquisa foram o eixo que menos se desenvolveu”, aponta. Com isso, segundo o pesquisador, o principal desafio é que a formação dos profissionais de saúde no Brasil ainda está distante do que seria minimamente necessário para consolidar uma cultura de cuidado seguro. 

Victor afirma que a maioria dos profissionais ingressa no mercado sem uma formação consistente sobre segurança do paciente, um tema que segue ausente ou tratado superficialmente nas grades curriculares da maior parte das instituições de ensino. Essa lacuna revela uma contradição: temos milhões de profissionais atuando diretamente no cuidado, mas sem preparo adequado para identificar, prevenir e lidar com riscos e eventos adversos.

O coordenador do Proqualis assinala que o ambiente de trabalho nos serviços de saúde também compromete diretamente a segurança do paciente. Muitos profissionais enfrentam jornadas exaustivas, emendando plantões por necessidade financeira, o que aumenta a fadiga e o risco de erros. “Muitos trabalham em um plantão e depois vão direto para outro. Isso eu posso dizer que é a realidade da maioria”, afirma. As equipes, frequentemente reduzidas, operam no limite, sem o suporte adequado. “São problemas que afetam, como o cansaço, o subdimensionamento das equipes, o estresse”, cita.

Somam-se a isso problemas crônicos de infraestrutura: faltam equipamentos, medicamentos essenciais e, em muitos casos, até condições mínimas de limpeza e higienização, afirma o pesquisador. Outro ponto crítico, segundo Victor, é a ausência de processos estruturados de treinamento para novos profissionais, que muitas vezes entram nas equipes sem preparo específico para os protocolos de segurança. “Do ponto de vista do funcionamento das instituições, esse é um grande desafio”, completa.

Victor Grabois – Coordenador executivo do Centro Colaborador para a Qualidade e Segurança do Paciente (Proqualis).

A gestão, por sua vez, ainda foca pouco na articulação entre a segurança do paciente e a saúde do trabalhador, de acordo com ele, deixando de lado estratégias que protejam também quem cuida. O resultado é um sistema que sobrecarrega os profissionais e fragiliza o cuidado, tornando os riscos parte da rotina. Ele lembra o lema da OMS em 2021: “Segurança do paciente só com trabalhador seguro e saudável”.

Outro desafio são as novas tecnologias que também podem trazer danos, destaca Victor.  “Não podemos olhar para as tecnologias como se elas só trouxessem benefícios, elas também têm riscos”, declara. O coordenador-executivo do Proqualis pondera que, para que os equipamentos e sistemas digitais realmente contribuam para a qualidade do cuidado, é fundamental que os profissionais sejam devidamente treinados de forma contínua.

Victor também ressalta que esses recursos exigem manutenção constante. Equipamentos quebrados, sistemas lentos ou desatualizados e a falta de suporte técnico adequado podem comprometer não apenas a rotina dos profissionais, mas também a segurança.

Outro desafio crescente, aponta o pesquisador, é a própria fragilidade digital. Dados clínicos podem ser apagados acidentalmente, sistemas podem sofrer falhas ou até mesmo ser invadidos por ataques cibernéticos. Ele cita os prontuários eletrônicos que estão sendo implantados no SUS como exemplo. São instrumentos que podem trazer danos ao paciente, caso não haja políticas robustas de proteção de dados, protocolos claros de resposta a incidentes e uma visão mais ampla sobre os riscos que ultrapassam os muros físicos das instituições de saúde.

Victor aponta que também é necessária a difusão da visão ampliada da segurança do paciente, com atenção às populações vulnerabilizadas. “A gente também precisa olhar que a Lara, o Victor e a Marina são pessoas diferentes, com diferentes experiências”, ressalta. O objetivo é a conscientização de que nem todas as pessoas são iguais e por isso são necessários protocolos para o atendimento do paciente de acordo com as individualidades, se negro, obeso, pessoa com deficiência, idoso, pobre, criança ou indígena, pautado na interseccionalidade, reforça o pesquisador. “São as pessoas reais do mundo real”.

Por fim, ele indica falta de padronização nos protocolos. A subnotificação de eventos adversos e a resistência tanto de profissionais quanto de gestores às mudanças representam obstáculos significativos para a implementação de práticas seguras. Embora existam diretrizes nacionais e iniciativas importantes, como o PNSP, sua eficácia depende de investimentos constantes, capacitação contínua das equipes e comprometimento de todos os níveis organizacionais em promover um cuidado seguro e de qualidade.

Metas internacionais para segurança do paciente

  1. Identificação correta do paciente
    Confirmar nome completo e data de nascimento
  2. Comunicação efetiva
    Transmitir informações claras entre profissionais
  3. Uso seguro de medicamentos
    Conferir dose, nome e alergias do paciente
  4. Cirurgia segura
    Verificar paciente, procedimento e local cirúrgico
  5. Higienização das mãos
    Lavar as mãos antes e depois do contato com o paciente
  6. Prevenção de quedas e lesões por pressão
    Avaliar riscos e aplicar medidas de proteção

Fonte: Organização Mundial da Saúde

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