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Um conjunto de ações e omissões governamentais direcionadas ao território e ao povo Yanomami, nos anos recentes, configuram-se como um crime de genocídio a ser submetido a tribunais nacionais e internacionais e ao julgamento da história. Um processo de destruição ambiental e de adoecimento e morte que teve como vetores a atividade mineradora ilegal, extremamente predatória e violenta, e a deliberada falta de atenção à saúde dos Yanomami, inclusive na pandemia de covid-19.

A morte de 570 crianças com menos de cinco anos, entre 2019 e 2022, divulgada pela agência de notícias Sumaúma e constatada pela grande mídia e por autoridades do atual governo, foi a face mais perversa dessa conjunção de invasão e abandono — há muito denunciada por organizações indígenas, pesquisadores, Ministério Público Federal e Conselho Nacional de Saúde. Na Terra Indígena Yanomami, que se estende por parte dos estados de Roraima e do Amazonas, vivem 31 mil Yanomami em 376 comunidades acossadas por cerca de 20 mil garimpeiros da invasão iniciada em 2016.

A intencionalidade de tamanha destruição ambiental, humana e simbólica transparece como o contexto de nossas reportagens desta edição especial. No entanto, cada texto e registro de imagem produzidos pelos repórteres Luiz Felipe Stevanim e Adriano De Lavor e pelo fotógrafo Eduardo de Oliveira buscam valorizar a resistência e a luta pela vida do ancestral povo Yanomami. A equipe registrou também o empenho dos trabalhadores do SUS, muitos deles indígenas, e de técnicos e especialistas de inúmeras instituições na corrida contra o tempo para salvar vidas e estruturar uma presença permanente de cuidados e ações intersetoriais.

Em Boa Vista, Radis viu de perto as ações do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública, coordenado pelo Ministério da Saúde, que reúne outros órgãos de governo, instituições de pesquisa, organizações da sociedade civil e lideranças indígenas, desde que foi declarada a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, em 20 de janeiro. A prioridade do momento é evitar a morte de crianças por causas evitáveis.

Até meados de abril, cerca de 100 voluntários já haviam passado pela região, contribuindo com os mais de 8,4 mil atendimentos médicos registrados pelo Ministério da Saúde, em meio a várias epidemias, como as de desnutrição, malária e síndromes respiratórias, além do descontrole da tuberculose. A reportagem acompanhou o treinamento da Força Nacional do SUS e conversou com trabalhadores de saúde, antropólogos e outros profissionais que já atuavam em Roraima ou que se voluntariaram diante da crise Yanomami, se deslocando para os atendimentos na Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, ou para os polos base de Saúde Indígena. São experiências de muito aprendizado no encontro de culturas tão distintas.

No belo texto “Sete dias na Casai Yanomami” o repórter e editor Luiz Felipe narra o cotidiano da casa em que cerca de 700 indígenas, entre pacientes e acompanhantes, aguardam atendimento no Hospital Geral de Roraima ou uma vaga em avião para retornar às suas regiões distantes. No depoimento dos profissionais, brota o quanto reaprendem a cuidar num contexto em que tudo é diferente. Da observação e interação com os indígenas, emerge a compreensão do quanto há de resistência na preservação e reinvenção dos hábitos na situação transitória. A matéria acaba por revelar as percepções e os sentimentos do próprio repórter no ir e vir e se comunicar ao longo da semana.

Ninguém permanece indiferente nesse contexto. O relato das equipes de saúde que primeiro desembarcaram antecedeu à preparação da reportagem. Em alguns casos, a gravidade da crise humanitária foi insuportável. Em outros, desafiadora, como descreve o repórter Adriano ao acompanhar, passo a passo, um resgate de paciente em área indígena, a bordo de um pequeno avião. Para além da emoção implícita na operação, pôde constatar a resiliência Yanomami.

Acompanhando tudo com suas lentes, o fotógrafo Eduardo traz imagens que mostram desde a movimentação das operações emergenciais de saúde e a mobilização das lideranças indígenas até a presença dos corpos mais fragilizados com o mesmo respeito à dignidade das pessoas, dentro do espírito que conduz o interesse de Radis pela sobrevivência e resistência desse povo, que tem muito a ensinar.

Às margens do sagrado Lago Caracaranã, a 180 km de Boa Vista e próximo à fronteira do Brasil com a Guiana, Radis presenciou a 52ª Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima, que reuniu cerca de 2.500 indígenas de diferentes etnias em defesa da proteção territorial e da natureza.

Em entrevista à reportagem, o xamã Davi Kopenawa, liderança Yanomami que se tornou internacionalmente conhecida com o livro A Queda do Céu, reafirmou que, com o desmatamento e a destruição das florestas, não há futuro para os humanos sobre a Terra: “Nós, povos originários, somos guardiões da Mãe Terra para sempre viver bem, ter comida e trabalho, tomar banho e beber água limpa e saudável. Sem a floresta, é muito quente, vai esquentar muito o planeta. A água vai sumir. Fica seco.”

Dario Kopenawa, filho de Davi, conta que a população Yanomami dobrou em número desde a demarcação de suas terras, no início dos anos 1990, e recuperou a floresta devastada na primeira invasão de garimpeiros, no final dos anos 1980. “A gente estudou, se formou nas universidades, criamos a Hutukara [organização Yanomami, da qual é vice-presidente], foi uma conquista muito grande. Isso é uma história de resistência para o povo Yanomami e para o futuro também”, diz. Em sua avaliação, a nova onda de invasão tornou-se ainda mais cruel, porque contou com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, ganhando uma escala industrial: “Não é mais garimpo ilegal. É mineração industrial”, explica. “O desmatamento e a contaminação de rios e igarapés trouxeram uma explosão de casos de malária, gripe, tuberculose. As crianças estão caindo os cabelos. Hoje a Terra Yanomami está poluída de maquinário e mercúrio”.

O presidente Lula compareceu ao evento e recebeu das lideranças indígenas a Carta final aprovada na Assembleia, que demanda que “a retirada dos garimpeiros ilegais da TI Yanomami deve ser prioridade e não mais adiada” e que “Ministério da Justiça e Polícia Federal atuem para responsabilizar os envolvidos, entre eles o ex-presidente Bolsonaro e o governador de Roraima, Antonio Denarium”. A carta explicita ainda: “Somos contra a anistia aos garimpeiros”.

* Coordenador e editor-chefe do Programa Radis
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