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O racismo é uma realidade presente no cotidiano, uma prática dinâmica sem fronteiras, fluida, amorfa, que se adapta a qualquer época e está presente em todos os espaços sociais como instituições, ambiente de trabalho, na família, relações sociais, no meio acadêmico e na pesquisa.

Abdias do Nascimento identifica que o racismo praticado no Brasil é fruto de uma criação luso-brasileira e se comporta de forma difusa, evasiva, camuflada, assimétrica, mascarada e ainda assim se mantém implacável e persistente, liquidando homens, mulheres e crianças negras. A eliminação dessas vidas ocorre a partir da violência da mão armada do Estado, da inobservância ao não acesso a direitos básicos para manutenção da vida como alimento, saneamento básico, educação, trabalho e saúde para além da cotidiana desumanização que aniquila a saúde mental e autoestima dos discriminados. 

Lélia González nos ensina que o racismo praticado no Brasil é o do tipo disfarçado ou, como ela classifica, é o racismo por denegação. Devido à colonização por sociedades ibéricas, que implementaram um modelo societário rigidamente hierárquico, não houve necessidade de leis segregacionistas como visto na África do Sul e nos Estados Unidos, por exemplo. No Brasil, “o lugar de negro” é imposto por práticas segregacionistas e pelo ódio racial. O lugar do negro no Brasil é o lugar da exclusão.

O mito da democracia racial é uma das tecnologias mais potentes para entorpecer os negros da sociedade brasileira para acreditarem que negros e brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de existência, sem nenhuma interferência de cunho racial. A falaciosa ideia de meritocracia apenas reforça o mito da democracia racial.

Beatriz Nascimento nos ensina que Quilombo é um conceito africano dos povos de língua banto que foi ressignificado no Brasil. Para historiadores que compactuam com o epistemicídio da história negra, trata-se de uma habitação de negros fugidos, mas para aqueles que se indignam com as condições injustas imposta pela escravidão, Quilombo é um lugar onde o direito à vida com dignidade é o princípio político maior.

Apesar de avanços nas últimas décadas quanto às lutas de combate ao racismo, ainda é necessário esforço para haver uma mudança estrutural em nossa sociedade. Não esquecendo que outrora a ciência brasileira alinhava-se ao racismo científico e à eugenia por nomes como Nina Rodrigues e Renato Kehl, que pregavam a eliminação do negro para o desenvolvimento da nação brasileira, hoje deve se levantar contra o racismo institucional que, segundo Jurema Werneck, corresponde a formas organizativas, políticas, práticas e normas que resultam em tratamentos e resultados desiguais. 

O Coletivo Negro Fiocruz surgiu no ano de 2018 após uma disciplina de verão chamada Expressões do Racismo e Saúde, que tinha como coordenadores o professor Paulo Bruno e a professora Roberta Gondim. Desde então, houve a necessidade concreta de se aquilombar e ter um espaço onde estudantes e funcionários negros da Fiocruz pudessem se acolher para discutir o antirracismo e a história de resistência da população negra. Se aquilombar é se apoiar mutuamente para a construção de um ambiente viável em meio aos desafios e dificuldades diários.

Em nosso Quilombo questionamos: Quantos pesquisadores negros fazem parte do seu departamento? Quantos autores negros estão na ementa da disciplina que você leciona/estuda? Há o recorte racial na sua pesquisa? Como a desagregação de dados por raça/cor é discutida na sua pesquisa? Como a sua pesquisa tem contribuído para a desconstrução do mito da democracia racial?

O nosso desejo é que o debate racial e de gênero se amplie e se torne cotidiano, e não exceção. Que não sejam assuntos para se discutir exclusivamente em espaços de disciplinas eletivas. Que os comitês de ética em pesquisa passem a estranhar quando projetos de quaisquer naturezas sejam submetidos sem a desagregação da informação por raça/cor/etnia. Que a Política Nacional da Saúde Integral da População Negra e a equidade étnico-racial estejam nas ementas das disciplinas que discutem a saúde da população brasileira.

O debate público e acadêmico de questões raciais e de gênero é a favor dos discriminados e da repressão aos discriminadores e, de certa forma, conscientiza aqueles que se preocupam de forma consciente em não praticar atos discriminatórios. O combate à opressão também é um caminho fundamental do combate ao epistemicídio e caminho para uma construção de conhecimento cada vez mais democrática, honesta e justa.

* Roseane Maria Côrrea é professora substituta do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública, graduada em Enfermagem pela UERJ e doutorando em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), e apresentou esse texto no lançamento (11/4) da Política de Equidade Étnico-Racial e de Gênero da Fiocruz. Conheça a política em: https://bit.ly/3osRHS4.
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