Mesmo com a aprovação dada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 16 de dezembro, as crianças brasileiras entre 5 e 11 anos de idade tiveram que esperar para ter acesso à vacina e estarem protegidas contra a covid-19. Somente 20 dias após a versão pediátrica do imunizante da Pfizer ser liberada pela Anvisa, o Ministério da Saúde anunciou, em 5 de janeiro, o início da vacinação infantil contra o novo coronavírus, prevista para começar na terceira semana de janeiro. A demora ocorreu porque o órgão não considerou suficiente o aval da agência — e todos os dados científicos que corroboram a decisão — e optou por realizar uma Consulta Pública para manifestação da sociedade civil.
Quem tem o poder de decidir se uma vacina pode ou não ser utilizada no Brasil é a Anvisa — e, no caso da imunização para crianças, a aprovação foi feita em 16 de dezembro, no momento em que ao menos 39 países já adotavam a vacinação infantil contra a covid-19. Porém, em precedente inédito, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, decidiu convocar uma Consulta Pública para colher opiniões sobre a adoção ou não do imunizante e chegou a declarar que as mortes pela doença nessa faixa etária estão em um nível que não demanda “decisões emergenciais”. Em 20 de dezembro, o ministro afirmou que “a pressa é inimiga da perfeição”. Outro anúncio que gerou polêmica foi a possibilidade de se tornar obrigatória a apresentação de uma prescrição médica antes das crianças receberem a dose.
A Frente pela Vida repudiou “a decisão inoportuna e desnecessária” do Ministério da Saúde de abrir Consulta Pública sobre o tema. “Os dados para a implantação do acesso para esta faixa etária já foram estabelecidos de maneira cientificamente correta e esta consulta atrasou o acesso desta população à necessária imunização contra a covid-19”, afirmou a Frente em nota (23/12) assinada pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e Rede Unida. Já as sociedades brasileiras de Imunizações (SBIm), Pediatria (SBP) e Infectologia (SBI) declararam, também em nota (20/12), que os benefícios da vacinação na população entre 5 e 11 anos “superam os eventuais riscos associados à vacinação, no contexto atual da pandemia”.
Mesmo com todas as evidências científicas, o presidente Bolsonaro voltou a atacar a vacinação infantil e minimizou o número de mortes por covid-19 nesta faixa etária. “Você vai vacinar o teu filho contra algo que o jovem por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero? O que que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por vacina?”, declarou em entrevista à TV Nova Nordeste (6/1). Na ocasião, o Ministério da Saúde contabilizava a morte de 308 crianças entre 5 e 11 anos de idade por covid-19 desde o início da pandemia.
Em dezembro, quando a vacinação infantil foi aprovada, Bolsonaro chegou a anunciar que havia pedido “extraoficialmente” os nomes dos responsáveis pela liberação da vacina. Em 17 de dezembro, a Anvisa divulgou nota repudiando qualquer ameaça “explícita ou velada” ao exercício de suas funções e também pediu proteção policial a servidores que receberam ameaças de mortes após as declarações do presidente e de parlamentares aliados.
Com as novas falas de Bolsonaro questionando “o interesse da Anvisa”, o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, divulgou nota (8/1) em que afirma: “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa, aliás sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar”. E acrescentou: “Agora, se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate.”
Vacina previne morte
Diante da enxurrada de desinformação sobre os riscos das vacinas para as crianças, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou um comunicado em que reitera que “a população não deve temer a vacina, mas, sim, a doença que ela busca prevenir” — bem como suas complicações, como a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, uma grave complicação da infecção pelo SARS-CoV-2 em crianças. “A vacina previne a morte, a dor, sofrimento, emergências e internação em todas as faixas etárias. Negar este benefício às crianças sem evidências científicas sólidas, bem como desestimular a adesão dos pais e dos responsáveis à imunização dos seus filhos, é um ato lamentável e irresponsável, que, infelizmente, pode custar vidas”, afirmou o texto, em 6 de janeiro.
A SBP lembrou ainda que o acesso das crianças à vacina é um direito que deve ser assegurado e que a vacinação desse público é uma estratégia importante para reduzir o número de mortes nessa faixa etária. Ao todo, foram notificadas 1.422 mortes em pessoas abaixo de 19 anos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em decorrência de covid-19 até o início de dezembro de 2021, segundo nota técnica da Fiocruz, publicada em 28 de dezembro: 418 em menores de 1 ano, 208 em crianças de 1 a 5 anos e 796 em crianças e adolescentes de 6 a 19 anos.
Na nota, a Fiocruz assegurou que é recomendável a vacinação contra a covid-19 em crianças a partir de 5 anos de idade. “As vacinas são a melhor forma de se evitar mortes e sequelas graves decorrentes das doenças imunopreveníveis”, pontuou. De acordo com a fundação, eventos adversos pós-vacinais são raros e menos frequentes que o risco de complicações e mortes por covid-19. A Fiocruz também ressaltou que a vacinação contra o novo coronavírus pode contribuir para tornar o ambiente escolar mais seguro, já que o país ainda não retomou em sua totalidade a oferta do ensino presencial. “Uma comunidade escolar saudável requer coberturas vacinais elevadas. O Brasil tem um dos maiores e mais bem sucedidos programas de vacinação do mundo, que é capaz de imunizar com segurança e eficiência todas as nossas crianças e adolescentes”, acrescentou.
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