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“Uma mulher negra diz que ela é uma mulher negra. Uma mulher branca diz que ela é uma mulher. Um homem branco diz que é uma pessoa.”. Com essas palavras da autora Grada Kilomba, abro esse artigo e ressalto que no mês do Dia Internacional da Mulher, enquanto celebram-se algumas conquistas femininas, é crucial não apenas reconhecer, mas também destacar as lutas específicas enfrentadas pelas mulheres negras ao longo da História do Brasil.

Essas mulheres não só enfrentam o sexismo, mas também o racismo estrutural, lutando não apenas pela igualdade de gênero, mas também pela igualdade racial. É essencial contextualizar a luta das mulheres negras na história do Brasil, remontando aos tempos da escravidão.

As mulheres negras desempenharam um papel fundamental na resistência à opressão desde os dias da escravidão. As quitandeiras, por exemplo, vendiam alimentos nas ruas dos centros urbanos. Além de sustentar suas famílias, utilizavam os lucros de seus negócios para comprar a alforria de parentes escravizados, desafiando assim o sistema escravocrata de forma econômica e socialmente significativa. Esses atos promoveram liberdades individuais e contribuíram para a formação de comunidades afro-brasileiras livres, bases de resistência coletiva contra a escravidão.

As quitandeiras foram capazes de ocupar um lugar inimaginável para aquela sociedade ocidental: ter sua autonomia econômica e, como mães de santo, o poder máximo de um espaço religioso. Talvez por essa ousadia histórica as mulheres negras das Comunidades Tradicionais de Terreiros sofrem uma dose extra de barreiras, dificuldades e violências, impostas por uma sociedade racista e patriarcal como a brasileira. O apagamento e invisibilidade das mulheres negras é um dos traços cruéis de uma sociedade racista e patriarcal e são necessárias diversas ações para reverter esta situação.

As lutas enfrentadas pelas mulheres negras diferem significativamente das enfrentadas por mulheres brancas, especialmente no contexto brasileiro. O acesso à educação e empregos dignos foi historicamente negado às mulheres negras, que muitas vezes eram relegadas a trabalhos domésticos e de servidão. Enquanto as mulheres brancas avançavam no mercado de trabalho, as mulheres negras continuavam marginalizadas, limitadas a empregos mal remunerados e sem perspectivas de ascensão social.

Podemos afirmar que essa é uma situação que persiste até a atualidade. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2023, mostra que – apesar de melhorias na escolaridade das mulheres negras – as desigualdades raciais na educação ainda são significativas. Enquanto 29% das mulheres brancas têm ensino superior completo, apenas 14,70% das mulheres negras atingiram o mesmo nível.

No mercado de trabalho, quase 48% das mulheres negras ocupadas estavam em situações informais, contra menos de 35% entre as mulheres brancas. O estudo também aponta que as mulheres negras representam mais de 67% dos trabalhadores domésticos, muitos dos quais sem carteira assinada e sem direitos básicos, levando a uma situação de pobreza ou extrema pobreza para uma parcela significativa dessas mulheres.

Nesse contexto, é fundamental homenagear e reconhecer as mulheres negras que desempenharam e continuam a desempenhar um papel vital na luta por direitos, reconhecimento e igualdade. Muitas mulheres transcenderam as limitações impostas pela sociedade, deixando legado em diversas áreas, incluindo cultura, política, educação e religião. São exemplos inspiradores de força e resiliência, seus feitos devem ser celebrados e suas histórias devem ser contadas como parte integrante da narrativa nacional. Mulheres brasileiras como Enedina Marques (primeira engenheira negra); Clementina de Jesus; Maria Firmina dos Reis (primeira escritora negra); Carolina Maria de Jesus; Conceição Evaristo; Sueli Carneiro e Mãe Estela de Oxossi (entre tantas Mães de Santo ao longo de nossa história).

A luta pela igualdade de gênero e racial está longe de terminar e é nosso dever continuar a lutar por uma sociedade que reconheça plenamente as contribuições e conquistas das mulheres negras, além de promover condições de vida em que não seja necessário enfrentar tantos obstáculos e desafios. Devemos nos comprometer a amplificar suas vozes, defender seus direitos e trabalhar incansavelmente em direção a uma sociedade verdadeiramente igualitária e inclusiva. Juntos e juntas, podemos criar um futuro em que todas as mulheres negras e não-negras possam prosperar e alcançar seu pleno potencial.

* Leila Lima é mestra Auaracyara, servidora pública, sacerdotisa da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino no DF e da Casa Luz de Yorimá. Texto publicado originalmente no site do Correio Braziliense (9/3)

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