Foi no início de junho, em uma sexta-feira, que o estudante de medicina João Pedro, de 21 anos, começou a se sentir febril, com um leve mal-estar e tosse seca. Imaginou ser uma virose típica do período que antecede o inverno carioca. Administrou os sintomas com medicamentos durante o fim de semana e já na segunda-feira sentiu-se mais disposto e retomou sua rotina de estudos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A tosse seca e prolongada, porém, permaneceu e ainda o acompanharia por mais algumas semanas. Aconselhado por professores, procurou atendimento médico, fez exames de laboratório para descartar algumas infecções respiratórias — como influenza e covid — e exames de imagem, que detectaram uma dilatação em seu esôfago.
A partir dali os médicos passaram a tratar o caso como refluxo, mas João Pedro não melhorava e as tosses, antes secas, passaram a ser acompanhadas de secreção espessa. Em dois episódios, chegou a se engasgar com ela e precisou ser socorrido em casa. Levado de volta à emergência hospitalar após o segundo episódio de quase asfixia, o jovem foi atendido por uma médica que pouco tempo antes havia tratado um quadro parecido e o diagnóstico havia sido de coqueluche.
A médica, então, pediu um teste e confirmou a suspeita. O tratamento com antibiótico foi feito no próprio hospital. João Pedro precisou ficar internado, mas se recuperou aos poucos do susto e dos efeitos da bactéria em seu organismo.
A coqueluche vem gerando preocupação em autoridades brasileiras e internacionais, especialmente por conta das Olimpíadas, em Paris. Uma reportagem da BBC Brasil (8/7) afirma que somente nos três primeiros meses de 2024 foram registrados mais de 32 mil casos na União Europeia, de acordo com o Centro Europeu de Controle e Prevenção das Doenças (ECDC), frente aos cerca de 25 mil em 2023. Ainda segundo a reportagem, a agência de saúde francesa Santé Publique emitiu um relatório afirmando que os indicadores de vigilância confirmam uma situação epidêmica no território.
O Brasil registrou uma morte de bebê pela doença, após três anos sem óbitos. A vítima foi uma criança de seis meses, no Paraná, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde. Segundo o Ministério da Saúde, a última morte por coqueluche no país havia acontecido em 2020; em 2019, um surto da doença levou a 12 óbitos.
Sobre a coqueluche
“A coqueluche é uma doença infecciosa aguda, de alta transmissibilidade, causada pela bactéria bordetella pertussis, um patógeno específico de humanos”. A definição é da pediatra e neonatologista Bárbara Oliveira, com quem Radis conversou sobre o tema.
O contágio pode ocorrer por meio de gotículas respiratórias liberadas durante a fala, beijo, tosse ou espirro de pessoas doentes. “Vacinação e isolamento das pessoas infectadas são as principais formas de se evitar a propagação da doença. O esquema vacinal da coqueluche é realizado em bebês de 2, 4 e 6 meses, com doses de reforço aos 15 meses e 4 anos. Nos adultos, a recomendação é para gestantes, puérperas, profissionais de saúde, parteiras tradicionais e estagiários da saúde que atuam em maternidades e unidades de internação neonatal”, explica.
Formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e com mais de 10 anos de atuação profissional, a médica lembra que apesar de ser uma doença com maior risco de agravamento em bebês menores de seis meses, as demais faixas etárias também estão suscetíveis à piora no quadro, como ocorreu com João Pedro. Ela pontua que isso pode acontecer mesmo que jovens e adultos tenham se vacinado na infância.
“É importante lembrar que a imunidade conferida pela vacinação — ou mesmo por meio da doença — não é permanente. Dura em média de cinco a dez anos. Isso faz com que exista um aumento de casos em adolescentes e nos adultos jovens, além de serem subdiagnosticados”, afirma.
5 perguntas sobre a coqueluche para a pediatra Bárbara Oliveira
Quais os principais sintomas da coqueluche e como ela evolui?
Ocorre inicialmente a fase catarral, com aumento de secreção nas vias aéreas, febre, coriza, mal-estar e tosse seca, que dura até duas semanas. Essa primeira fase é a mais infectante e as crises de tosse têm mais intensidade, podendo causar falta de ar e vômitos. Em seguida, ocorre a fase paroxística quando a febre pode se manter baixa, com crises súbitas de tosse, que podem comprometer a respiração. Após esse período, os sintomas anteriores diminuem, mas a tosse pode ainda persistir por semanas.
“A proteção é conferida após esquema vacinal completo com as três doses, ou seja, somente após os seis meses.”
O que deve ser atentado em relação à proteção de crianças pequenas?
Os bebês de até um ano, principalmente os menores de seis meses, são a população de maior risco, com elevada letalidade. Eles são frequentemente hospitalizados por apresentarem crises de apneia e hipóxia [problemas de respiração e falta de oxigênio], necessitando de internação em unidade de cuidados intensivos. Um bebê não estará protegido com uma dose apenas da vacina [que ocorre aos dois meses]. A proteção é conferida após esquema vacinal completo com as três doses, ou seja, somente após os seis meses. Isso liga um alerta para a questão de exposição quanto ao recebimento de visitas e idas a lugares aglomerados nesse período.
Vacinar apenas a mãe é suficiente para proteger o bebê antes que ele complete seu ciclo de imunização?
Esse é outro ponto importante! Não basta apenas a gestante se imunizar, precisamos divulgar também a importância de que os contactantes do recém-nascido se vacinem. Avós, pai, babá ou qualquer outro cuidador direto do bebê nos primeiros meses de vida, quando ocorre a forma mais grave da doença. Para esse grupo, a vacinação é disponibilizada apenas na rede privada.
Que orientações você dá aos pais?
Como pediatra neonatologista, já presenciei a evolução devastadora que a coqueluche é capaz de fazer em um recém-nascido. Percebo que o básico é dito, mas que os pontos de atenção que citei anteriormente chegam a pouquíssimas pessoas. Me pergunto, por exemplo, se, estando cientes dessas informações, os pais não trocariam itens do enxoval pela vacinação dos contactantes diretos do seu bebê. Ou mesmo se o levaria a ambientes com aglomeração após a primeira dose da vacina, isto é, antes da conclusão do ciclo vacinal.
O que pode ter contribuído para o aumento atual de casos?
Os surtos de coqueluche são cíclicos, ou seja, a cada três ou cinco anos ocorrem picos da doença. Mas, somando-se a isso, infelizmente encontramos baixa adesão por descredibilização vacinal como um todo no pós-pandemia.
Brasil avança na vacinação infantil
Um relatório apresentado (15/7) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que o Brasil saiu da lista das 20 nações com mais crianças sem imunização no planeta. Em 2021, o país ocupava o 7º lugar nesse ranking e, em 2023, 13 das 16 principais vacinas do calendário infantil apresentaram aumento das suas coberturas vacinais em comparação a 2022.
O relatório da OMS/Unicef mostra que, no Brasil, o número de crianças que não receberam nenhuma dose da DTP1, que protege contra a difteria, o tétano e a coqueluche, caiu de 418 mil em 2022 para 103 mil em 2023. Apesar do avanço, as medidas de incentivo, informação e acompanhamento devem permanecer para que esses índices continuem subindo. Em julho, Radis trouxe o tema da importância da manutenção da alta cobertura vacinal inclusive em doenças já erradicadas no país, como a poliomielite, na matéria de capa da edição de número 262.
■ Colaborou Jesuan Xavier
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