De um lado, o governo federal e os secretários estaduais e municipais dispostos a colocar cada vez menos dinheiro na Saúde. Do outro, instituições acadêmicas, entidades profissionais e movimentos sociais preocupados com o desmonte da Atenção Básica e a destruição do SUS. A nova Política Nacional de Atenção Básica (Pnab), adotada pelo governo Temer numa articulação dos gestores à revelia do Conselho Nacional de Saúde, submete o cuidado na Saúde à política econômica pautada na retirada de recursos das políticas sociais e serviços públicos para assegurar compromissos com o mercado financeiro. Nossa reportagem aborda as consequências dessa mudança nos serviços mais próximos do cotidiano das pessoas.
A Atenção Básica é um conjunto de serviços, estratégias e ações de promoção e preservação da saúde, que funciona como o principal acesso ao restante do SUS. Quando funciona bem, é capaz de resolver mais de 80% dos casos que recebe. Sua face visível é a rede de unidades básicas e a Estratégia Saúde da Família, que inclui em suas equipes os agentes comunitários de saúde. Eles são um elo entre a população e os serviços e contribuem para a redução da mortalidade infantil e da mortalidade materno-infantil e o aumento da cobertura de vacinas e de exames preventivos no país.
Governo e secretários argumentam que a revisão da PNAB vai permitir adequação às restrições orçamentárias e ampliar o atendimento com novas Equipes de Atenção Básica (EAB). Para os conselheiros de saúde, ao optar pelas EAB com diminuição de profissionais, carga horária menor e número de assistidos maior, os gestores vão acabar com as tradicionais Equipes de Saúde da Família (ESF), com vários profissionais que se completam de forma interdisciplinar voltada para atenção integral e estabelecimento de vínculos no território. A permissão de redirecionar recursos da Atenção Básica vai retirar a prioridade do que é mais importante no SUS e a oferta segmentada de uma “cesta” de serviços vai romper com o princípio de universalidade, alertam os especialistas. Outra crítica é quanto ao esvaziamento e descaracterização do trabalho dos agentes e a não obrigatoriedade de sua presença. Serão afetadas também as ações nas áreas de saúde bucal, prisional, mental, em consultórios de rua e para populações ribeirinhas, garantem os entrevistados.
Além de aprofundar essas análises, nossos repórteres foram a campo acompanhar o trabalho excepcional dos agentes comunitários, em risco de acabar, num território da cidade do Rio de Janeiro. No interior de Pernambuco, registramos a ação de equipes da Saúde da Família e do programa Mais Médicos, também ameaçadas pela nova Pnab.
O sistema de saúde pós-SUS, que resultará do desmonte e privatização dos serviços públicos, é a volta a uma situação pré-SUS. Sem os direitos conquistados na Constituição de 1988, a população estará entregue a serviços de baixíssima qualidade, seja num sistema público destruído ou em planos privados “populares”, e as necessidades de saúde que vinham sendo crescentemente atendidas pelo SUS serão transformadas em objeto do lucro privado.
Muitos ainda não acordaram para a necessidade de levantar a bandeira do SUS como um bem de todos a ser aperfeiçoado. Ao contrário do que se propaga, não há saúde coletiva e integral fora de um conjunto de políticas públicas e ações intersetoriais de promoção da saúde e melhores condições de vida articuladas a um sistema público e universal de saúde bem estruturado. Entregues ao mercado e de volta à barbárie do passado, todos perdem.
Rogério Lannes Rocha, Editor chefe e coordenador do Programa Radis
Sem comentários