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O que esperar do Sistema Único de Saúde (SUS) na era da digitalização e informatização? Um SUS cada vez mais tecnológico: esse é o desafio atual, de acordo com discussões desenvolvidas na série de webinários “Transformação Digital na Saúde Pública”, promovidos pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz). O terceiro e último evento, realizado no dia 5 de dezembro de 2024, teve como tema “As tecnologias digitais na atenção primária à saúde: Desafios e estratégias para o Sistema Único de Saúde”.

Tudo o que está atrelado ao “tech” pode parecer distante, em um futuro ainda impalpável, como as discussões sobre robótica ou inteligência artificial. Contudo, no SUS, mudanças profundas promovidas pela inovação digital já estão acontecendo. Esse processo foi acelerado após a pandemia de covid-19, com o uso das tecnologias digitais sendo implementadas em larga escala, principalmente na atenção primária à saúde (APS).

— Foto: Jornal dos ACS.

Os serviços de saúde no mundo digital

Atualmente, 90% da população brasileira já teve acesso à internet, segundo dados da pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nos domicílios rurais e urbanos do Brasil, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic). Com o avanço do acesso ao mundo digital por parte da população, o campo da saúde e, principalmente, o SUS não poderiam estar desalinhados com essa realidade do século 21.

A mesma pesquisa indicou que os serviços de saúde, como agendamento de consultas médicas, solicitação de remédios e outros, são os mais utilizados pelos usuários na busca digital. A saúde aparece à frente de outras áreas, como educação, transporte ou emissão de documentos, indicando que — ainda que muito distante do ideal — a população brasileira já utiliza as TICs para ter acesso aos atendimentos de saúde.

Virgínia Fava, pesquisadora do CEE/Fiocruz, psicóloga e doutora em Ciências do Comportamento, ressaltou, durante o webinário, que, na atenção primária do SUS, são aplicadas tecnologias que impactam nos atendimentos, como softwares com design intuitivo e integrado aos processos de trabalho, além da formação digital de profissionais de saúde e de novos modelos de financiamento e reembolso, segundo dados da pesquisa em Saúde Digital no Laboratório de Sistemas Inteligentes de Apoio à Decisão (IDeaS) da Universidade Nova de Lisboa.

Contudo, não é possível dizer que a APS está informatizada de forma homogênea em todo o Brasil, como lembraram os participantes do webinário. Existem ainda muitos desafios para a implantação de ferramentas digitais, principalmente considerando um país de tamanho continental e as desigualdades sociais. 

O que é saúde digital?

Ainda que recente, este é um ramo que reúne conhecimentos da informática médica e uso de tecnologias digitais, como dispositivos, aplicativos, softwares e aplicações em saúde. Engloba uma variedade de recursos e inovações para melhorar o cuidado à saúde, a gestão de doenças e a promoção do bem-estar em larga escala.

Esse campo é amplo e já tem várias tecnologias em uso, como, por exemplo, a telemedicina; os aplicativos que ajudam usuários a monitorar a pressão arterial, atividade física, dietas e afins; o armazenamento e compartilhamento de dados em sistemas de gestão e nuvens; a inteligência artificial analisando grandes volumes de dados de pacientes para melhoria do acompanhamento e diagnóstico; e os dispositivos como relógios e pulseiras inteligentes que monitoram indicadores de saúde, como a frequência cardíaca e a qualidade do sono.

Fonte: CEE/Fiocruz.
— Foto: Jornal dos ACS.

Desafios da Telessaúde

Dentro do grande ‘guarda-chuva’ da saúde digital [Leia mais no quadro], algumas ações já ocorrem em larga escala no SUS, em especial na atenção básica. “O Brasil já tem uma estratégia de saúde digital desde 2013, seguindo um pouco essa perspectiva global da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, ressaltou Alaneir dos Santos, coordenadora dos Núcleos de Telessaúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante o webinário, informando que no Brasil os atendimentos por meio da telemedicina estão mais avançados no setor público do que no privado.

O Programa SUS Digital foi instituído em abril de 2024, por meio da portaria do Ministério da Saúde nº 3.232, com o objetivo de ampliar o acesso da população aos serviços e ações de saúde, com abordagem multidisciplinar entre tecnologia, informação e saúde. Desde então, as ações na APS estão sendo intensificadas para cumprir a meta de digitalização do acesso à saúde em todo o país.

Um indicador da digitalização da saúde, no SUS, são os Núcleos de Telessaúde (NT), que consistem em centros de teleatendimento com equipes clínicas. Segundo dados do Ministério da Saúde, atualmente existem 24 NTs no país e, segundo Alaneir, 20 desses núcleos têm foco na APS. A pesquisadora considera essa uma importante ferramenta para o atendimento, contribuindo inclusive para a redução de filas por especialidade no SUS. “Com as teleconsultorias, que são as discussões de casos com médicos de família e especialistas, nós conseguimos manter o paciente na atenção primária”, relatou. 

Ela também afirmou que a teleconsultoria auxilia no acompanhamento de saúde de populações vulnerabilizadas, a exemplo de mulheres indígenas grávidas que vivem em seus territórios, assim como crianças indígenas. “Temos esse esforço de levar a telessaúde para as regiões mais vulneráveis”, completou Alaneir.

Nas informações preliminares do Ministério da Saúde, em 2024, segundo a pesquisadora da UFMG, apenas 65% das Unidades Básicas de Saúde possuem acesso à internet de forma plena e adequada para as atividades que precisam ser executadas. Esse é um dos desafios encontrados para a implantação da telessaúde, além de preocupações referentes à proteção de dados e discussões sobre a qualidade do atendimento, falta de equipamentos, integração ao acompanhamento digital, aceitação dos usuários, entre outros.

O objetivo da implantação da telessaúde no SUS, de acordo com Alaneir, é possibilitar otimizar recursos e diminuir as desigualdades, ampliando o acesso à saúde.

Entenda alguns termos da telessaúde

  • Teleconsultoria: Consultas com profissionais de saúde realizadas por meio de teleconferência de forma síncrona ou por meio de troca de mensagens de maneira assíncrona.
  • Teletriagem: Interação remota entre profissional de saúde e paciente para determinar a prioridade de atendimento com base na gravidade do caso.
  • Telediagnóstico: Serviço que utiliza tecnologias da informação para apoio remoto ao diagnóstico.
  • Telemonitoramento: Interação remota de acompanhamento e monitoramento clínico do paciente, realizado sob supervisão de profissional de saúde.
  • Teleinterconsulta: Troca entre profissionais de saúde por meio de interação remota para debater casos, auxílio no diagnóstico e facilitando a atuação interprofissional.
  • Telerregulação: Atividades de organização e gerenciamento do acesso às ações de saúde, diminuindo filas e reduzindo tempo de espera.
  • Teleducação: Atividade educacional ou de capacitação por meio de tecnologias como videoconferências, videoaulas, fóruns, plataformas de ensino, entre outras.
Fonte: Ministério da Saúde — Manual Instrutivo do Programa SUS Digital, 2024.
— Foto: Jornal dos ACS.

SUS na palma da mão

Em 2024, outra inovação lançada pelo Ministério da Saúde foi a versão 5.3 do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC). A novidade é que, até então, o prontuário estava somente na unidade em que o usuário fazia o seu atendimento. Agora, passa a estar disponível em qualquer ponto da rede em todo o Brasil. 

O programa, lançado em 2018, foi iniciado em meio a cortes orçamentários e precisou de financiamento complementar na APS (Radis 185), a exemplo do Programa Informatiza APS — que investiu em tecnologia e informatização para expandir o e-SUS APS. “Esse tema da saúde digital tem se mantido como prioridade, apesar dos diferentes modelos de gestão [dos governos]”, ressalta à Radis Rodrigo Gaete, coordenador-geral de Inovação e Aceleração Digital da Atenção Primária do Ministério da Saúde (Saps/MS). Segundo ele, é uma plataforma complexa e amplamente utilizada, tendo o título de maior prontuário eletrônico da América Latina.

O PEC é vinculado ao aplicativo Meu SUS Digital, no qual os usuários podem acessar conteúdos e programas, como o de Dignidade Menstrual e de Medicamentos. O aplicativo ganhou uma projeção maior após a pandemia de covid-19 por possibilitar a comprovação de vacinação de maneira prática: a carteira nacional de vacinação e o certificado de vacinação nacional de covid-19 estão disponíveis no app de maneira oficial. Agora, na aba “Atendimentos” são registradas as consultas na APS, assim como o usuário também pode acessar exames e regulações para especialidades ou outros procedimentos.

A estratégia do e-SUS APS não está centrada somente em um único app ou plataforma. Além do Meu SUS Digital, outros aplicativos também são importantes para melhorar a acessibilidade, como o e-SUS Território; o e-SUS Atenção Domiciliar (AD); o e-SUS Vacinação; o Gestão e-SUS APS Municipal e o e-SUS Atividade Coletiva. “É um conjunto de elementos que estão sendo incorporados na atenção primária”, comenta Gaete sobre as inovações implementadas nos últimos anos.

Setenta e seis por cento dos municípios brasileiros e 60% das equipes da APS já utilizam o PEC. São números que demonstram que, embora ainda exista um longo caminho a ser percorrido para a inclusão de todo o país, avanços já podem ser percebidos. Quanto à estratégia e-SUS Ampliado, sobre municípios que utilizam todas as ferramentas, o número chega a 1.079.

Segundo os dados cadastrados pelos profissionais da APS nas plataformas, 35,5 milhões de atendimentos são realizados por mês, o equivalente a 1,48 milhão de pessoas por dia. Com esses dados também é possível obter mais informações para a formulação de novas estratégias e adoção de métricas.

O ACS pode anotar o acompanhamento do atendimento aos usuários em um smartphone ou tablet e vincular tais informações ao cadastro daquela pessoa no sistema. — Foto: O Globo.

Saúde no território

Pegando apenas o recorte do app e-SUS Território, que é utilizado como ferramenta no trabalho da Estratégia Saúde da Família (ESF), a aplicação já teve mais de 800 mil downloads. Atualmente, cerca de 87% das visitas domiciliares realizadas no Brasil são informadas para os usuários no app e registradas pelos agentes comunitários de saúde (ACS). Por mês são contabilizadas 58 milhões de visitas, de acordo com dados apresentados por Rodrigo Gaete no webinário.

O desenvolvimento de diversas soluções digitais de maneira integrada reduz a necessidade de registrar informações similares em diversos instrumentos. Por exemplo, o ACS pode anotar o acompanhamento do atendimento aos usuários em um smartphone ou tablet e vincular tais informações ao cadastro daquela pessoa no sistema, disponibilizando-as para acesso da equipe multidisciplinar.

Essas novas tecnologias também têm incorporado outros processos de forma interseccional, como dados do Programa Bolsa Família que, agora, estão integrados ao PEC, para que o atendimento a essas pessoas seja mais qualificado. Também estão sendo incorporados dados da saúde indígena, para melhorar o acompanhamento nos territórios.

Conheça alguns Apps do SUS

  • Meu SUS Digital: App disponível para que usuários possam acompanhar histórico clínico, vacinação, resultado de exames, medicações, posição em filas e outros serviços.
  • e-SUS Território: App com o objetivo de facilitar o registro do trabalho dos ACS durante visitas domiciliares.
  • e-SUS Atenção Domiciliar (AD): App para uso exclusivo no serviço de AD (Melhor em Casa) para registro de informações clínicas que serão integradas ao PEC.
  • e-SUS Vacinação: App para auxiliar o profissional de saúde no registro de imunizações em campanhas vacinais.
  • Gestão e-SUS APS Municipal: App para uso exclusivo de gestores da APS que utilizam o sistema e-SUS APS com o PEC, otimizando a rotina de análise de dados produzidos nos atendimentos.
  • e-SUS Atividade Coletiva: App que visa facilitar o trabalho de equipes da APS no registro de ações coletivas em saúde.
Fonte: Ministério da Saúde.

Inteligência cooperativa: digitalização da APS e covid-19

Quando o assunto são tecnologias a serem incorporadas no dia a dia dos profissionais de saúde no SUS, não é trivial imaginar que essas técnicas e inovações possam ser construídas pela própria comunidade de usuários. Ou então, que as pesquisas experimentais de estudantes sejam colocadas em prática de forma gratuita e democrática. Mas foi o que aconteceu bem no auge da pandemia de covid-19.

Em 2020, surgiu a Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde (Picaps), uma proposta de uso de tecnologias digitais com o objetivo do enfrentamento à covid-19 nos territórios atendidos pelos SUS no Distrito Federal (DF) e algumas regiões próximas. A iniciativa foi um esforço conjunto entre a Fiocruz, a Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal (SES/GDF) e a Universidade de Brasília (UnB).

A perspectiva de uma inteligência que seja construída de forma cooperativa está no objetivo de promover uma saúde pública de precisão, com troca de informações e reforço ao trabalho em equipe na APS. A Picaps é uma plataforma capaz de reunir dados sobre um ecossistema com base nos seguintes fatores: teleorientação, com estrutura de dados para disseminar informações entre equipes; radar de territórios, alimentado pelo saber popular e comunitário; saúde digital, por meio de dispositivos de inovação digital; e inteligência epidemiológica, utilizando a rede da APS.

Durante a aplicação da Picaps na pandemia de covid-19 no DF, várias tecnologias sociais foram desenvolvidas pela população, como máscaras e produtos para desinfecção, trazendo os usuários para o centro das ações de prevenção. A plataforma coleta dados, armazena e ajuda a sistematizá-los, para aprimorar o uso de informações pela população e por profissionais da APS.

Hoje, a Picaps é implementada junto ao Ministério da Saúde, fazendo o mapeamento de áreas de risco de acordo com os indicadores da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). “Ela surge em 2020 com a perspectiva do enfrentamento à covid-19. Hoje nós já atualizamos essa ideia e ela passa a ser uma estratégia de enfrentamento de crises sanitárias e climáticas”, apontou Wagner Martins, coordenador do Laboratório de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Fiocruz Brasília, durante o webinário.

A Rede Nacional de Radares para Territórios Saudáveis e Sustentáveis alimenta o mapeamento dos territórios a partir dos saberes da população que ali reside e dos profissionais que atuam na área. Os mapas apontam fatores de risco a que a população está exposta, como a falta de acesso à educação e ao saneamento básico, por exemplo. Uma experiência exitosa na saúde digital, desenvolvida em meio a uma crise sanitária e no coração do SUS.

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