O Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fiocruz promoveu, em 7 de dezembro, o lançamento de um livro virtual sobre o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), tema que promete ter grande relevância na pauta do Executivo federal nos próximos anos. Saúde é desenvolvimento: o Complexo Econômico-industrial da Saúde como Opção Estratégica Nacional foi organizado pelo economista e coordenador do CEE/Fiocruz, Carlos Gadelha. O lançamento ocorreu no auditório de Bio-Manguinhos, uma das unidades fabris da instituição que produz vacinas, kits para diagnóstico e biofármacos, em meio ao debate sobre a importância do fortalecimento do CEIS para o desenvolvimento do país, assunto que foi pauta da Radis 214.
Com prefácio da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, a obra reúne 14 artigos escritos por 42 autores, resultantes de pesquisa elaborada em parceria com mais de dez instituições, e um manifesto assinado pelos autores, totalizando 15 capítulos. Os textos apontam a importância de uma base econômica e produtiva para o Estado de Bem-Estar, a universalização do acesso à saúde e a redução da vulnerabilidade do SUS. “Ao final de cada artigo, os autores apontam proposições para o avanço das políticas públicas capazes de fortalecer o CEIS no país”, destacou Gadelha.
As principais discussões propostas em cada capítulo foram apresentadas pelos autores, por meio de um vídeo com duração aproximada de 15 minutos. Nísia lembrou que o conceito do CEIS se desenvolveu nas duas últimas décadas e vem se aprimorando para que possa atuar cada vez mais em favor das políticas de saúde. “Atualizando seu projeto e preservando o compromisso com o bem-estar social e a democracia, a Fiocruz avança na perspectiva que vincula a saúde ao padrão nacional de desenvolvimento. Integrando as dimensões sociais e ambientais da saúde à dimensão econômica”, resumiu.
Maurício Zuma, diretor de Bio-Manguinhos, enalteceu o momento considerado por ele e demais componentes da mesa propício à realização da atividade, em função da mudança de governo, que possibilita novas perspectivas. “Participei de reunião com o grupo de transição [da pasta da Saúde] e tenho certeza de que vamos reviver momentos marcantes no Complexo Econômico-Industrial da Saúde, com valorização desse importante marco no nosso país, tanto para saúde como para o desenvolvimento econômico e industrial em um conceito que une brilhantemente políticas de saúde, ciência e tecnologia, política industrial e utiliza todo potencial da área da saúde”, ressaltou, destacando que economicamente a saúde representa cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Livro foi produzido em quase três anos e integrou instituições
Um dos coordenadores adjuntos do livro, o economista da UFRJ Jorge Cassiolato falou sobre o principal eixo que deve nortear as políticas voltadas para o avanço do CEIS nesse momento de retomada: “Precisamos pensar num projeto de desenvolvimento centrado na vida e na possibilidade de transformação que as atividades produtivas ligadas ao CEIS têm para oferecer”, opinou. Sua dupla na coordenação adjunta da obra, o também economista e pesquisador da Unicamp Denis Gimenez enalteceu o trabalho conjunto realizado entre instituições como a Fiocruz, a própria Unicamp, UFRJ, UFF e outras entidades, em um processo que afirmou ter durado cerca de três anos de sua concepção ao lançamento.
Sobre a rede que possibilitou a elaboração dos artigos, o professor do Instituto de Economia da Unicamp afirmou que a iniciativa “permitiu a abertura de um espaço de reflexão, criatividade, de produção e proposição de políticas públicas naquilo que há de mais moderno que nós podemos fazer. Que é fazer avançar o CEIS em suas diversas dimensões”. Para ele, a produção acadêmica representa uma preocupação em duas frentes que considera essenciais nesse processo transformador, as pessoas e o ambiente: “Traduz o compromisso com o desenvolvimento nacional num sentido amplo, que possibilita cuidar das pessoas e do ambiente em que vivemos”.
Outro destaque de sua fala, também presente nos artigos, é a potência do CEIS na geração de empregos de alta qualidade no campo da saúde, o que Gimenez chamou de “novo mundo do trabalho na saúde”. Dados publicados no livro demonstram que 60% das ocupações em saúde serão altamente afetadas pelas transformações tecnológicas em curso, tornando fundamental a incorporação das novas tecnologias nas políticas públicas, e que em 2019, o Complexo gerou 8,7 milhões de empregos (9,2% do total de ocupados no país), sendo 6 milhões formais e com um salário médio superior à média do mercado de trabalho. Além disso, os dados revelam que a cada dez empregos gerados diretamente no CEIS, outros 17 empregos indiretos são gerados na economia nacional.
“Importante destacar que se o trabalho na saúde já é importante, tendo um sistema de saúde como o SUS, estamos diante de uma fronteira da geração de empregos do futuro. Isso é a saúde que integra o avanço material com bem-estar social, com a democracia, com a redução das desigualdades e com tudo aquilo que nós desejamos para um país melhor”, avaliou. Ainda acerca da possibilidade de desenvolvimento econômico a partir da valorização do CEIS, segundo a obra publicada, no ano de 2015 cada R$ 1 milhão utilizado em produção do Complexo Econômico-Industrial da Saúde gerou produção total na economia de R$ 2,56 milhões e renda de R$ 1,4 milhão.
Um CEIS com foco na sustentabilidade e que diminua desigualdades
Na linha da retomada do crescimento, Mario Moreira, vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz – e presidente da instituição em exercício na ocasião –, abordou o momento de reconstrução pelo qual o Brasil passará nos próximos anos, o que possibilitará o avanço tecnológico e industrial necessário para alavancagem do CEIS. “Teremos tranquilidade para colocar o país no eixo do crescimento, no eixo do desenvolvimento econômico e, sobretudo, social, com geração de emprego e distribuição de renda”, declarou. Também compôs a mesa do evento o diretor de Farmanguinhos, Jorge Mendonça, que enalteceu o papel desempenhado pelo SUS e seus profissionais e ressaltou a importância do desenvolvimento alinhado ao cumprimento dos compromissos ambientais, como a Agenda 2030.
A sustentabilidade ambiental, aliada ao desenvolvimento e a economia a serviço da vida, inclusive, foram importantes norteadores das discussões presentes no livro e expressas no seu lançamento. “É uma agenda estruturante que está posta há 20 anos e vai continuar. Subordinada ao SUS e à agenda ambiental. Mas é uma agenda que ainda deixa perguntas”, afirmou Carlos Gadelha, após interações com a plateia, deixando margens para contínuas revisões na obra. “Uma das vantagens de uma publicação eletrônica é a possibilidade de permanentes atualizações”, declarou.
A afirmação do organizador da obra e mediador da atividade foi ao encontro de uma observação da sanitarista Lígia Bahia. Presente no lançamento, a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro chamou atenção para ausência de um item específico que fizesse referência à desigualdade no manifesto distribuído no lançamento e que também integra o livro digital — embora a temática estivesse presente nas falas do evento e em vários artigos da publicação. A pesquisadora ratificou a importância do alinhamento permanente da tríade saúde, desenvolvimento e igualdade. “O que mata é a desigualdade e o CEIS pode tornar o país menos desigual”, alegou. E complementou sua fala: “Precisamos de novas ideias e uma dessas novas ideias deve ser a obsessão contra a desigualdade”, enfatizou, sob aplausos do auditório.
A sanitarista citou a experiência trágica e os desafios enfrentados pelo país na pandemia de covid-19, que já vitimou quase 700 mil pessoas no Brasil, para apoiar a justificativa de sua defesa. “Na pandemia, as pessoas morreram pelo CEP”, advertiu. Os assoladores números da pandemia foram trazidos algumas vezes nas falas da mesa. Para Mario Moreira, a Fiocruz deve pensar em um memorial em homenagem às vítimas. “Para que não se esqueça”, afirmou. O dirigente foi além e cobrou apuração das responsabilidades. “O Brasil apresentou média de mortes três vezes superior à média mundial. Isso precisa ser dito, repetido e apurada a responsabilidade”, ressaltou. Para além de um memorial, Lígia Bahia defendeu o não esquecimento das consequências da pandemia “na formulação de políticas públicas”.
Sobre o Complexo Econômico-industrial da Saúde
Conceito recente e formulado nos primeiros anos do século 21, portanto há cerca de 20 anos, o CEIS reúne setores industriais de bases química e biotecnológica, mecânica, eletrônica e de materiais, como equipamentos, próteses, órteses, e de informação e conectividade (atividades e setores emergentes no contexto da 4ª Revolução Tecnológica), que se relacionam com os serviços de saúde, em interação permanente com o Estado e a sociedade.
Sobre o livro
A publicação digital busca um diálogo com a sociedade, ao apontar, entre outros aspectos, que a base produtiva e tecnológica em saúde (CEIS) no Brasil não tem acompanhado as crescentes necessidades de saúde da população, refletindo-se na desigualdade e na segmentação do acesso aos bens e serviços em saúde e, consequentemente, gerando obstáculos à expansão do SUS. Entre as propostas elaboradas, os pesquisadores indicam que o país deve aproveitar os novos paradigmas tecnológicos em curso, propiciados pela Revolução 4.0, com suas novas formas de produção do conhecimento, calcadas na transdisciplinaridade e orientadas aos desafios da saúde e da sustentabilidade, para estruturar um novo padrão de desenvolvimento, reforçando a centralidade da CT&I para economia, bem-estar e sustentabilidade. Nesse novo modelo de desenvolvimento a economia estará a serviço da vida.
Acesse o livro digital em https://bit.ly/livroceisfiocruz Leia também: Entrevista com Carlos Gadelha: “A Covid escancarou problemas estruturais”. (Radis 214, julho de 2020)
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