Tempo virá.
Uma vacina preventiva de erros e violência se fará.
As prisões se transformarão em escolas e oficinas.
E os homens, imunizados contra o crime.
Cidadãos de um novo mundo,
Contarão às crianças do futuro, estórias absurdas de prisões,
celas, altos muros, de um tempo superado.
Cora Coralina
O Brasil já foi protagonista no enfrentamento à pandemia de HIV/aids, servindo de exemplo para dezenas de países, e obteve reconhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que o colocou como um dos líderes na luta contra o vírus. Graças ao Sistema Único de Saúde, que a partir de 1996 passou a oferecer medicamentos para todos os brasileiros com aids, os índices de morbidade e mortalidade foram derrubados. E, graças às campanhas de prevenção, milhares de infecções foram evitadas.
Mas, muitas vidas ainda são perdidas, o que mostra que é preciso — para além de pesquisas e aperfeiçoamento de outras políticas públicas — fazer uma comunicação séria para a conscientização, que envolva a garotada nas escolas, donas de casa, vovôs, vovós, população LGBTQIA+, profissionais do sexo etc. É inadmissível que não se possa falar de sexualidade nas escolas, em um país em que um líder se deixa fotografar com uma criança no colo portando uma arma — e em que milhares naturalizam esse ato.
Falar de HIV/aids não pode ser tabu, assim como os portadores ou as portadoras da doença não podem ser discriminados, o que infelizmente ainda é comum, como conta a médica Marcia Rachid, que há quase 40 anos cuida de pessoas que vivem com o vírus e para quem a “informação sempre será a chave para destruir mitos”.
O que têm a dizer mulheres soropositivas que foram à luta para vencer o estigma, a solidão e a invisibilidade e hoje contam suas histórias para se libertarem de silenciamentos impostos e militam para ajudar outras pessoas a superarem a culpa, a rejeição e o medo do preconceito que ainda persistem? O editor da Radis, Luiz Felipe Stevanim, ouviu cinco mulheres pertencentes a este grupo, que falaram de suas bandeiras de luta por reconhecimento e direitos e de como o machismo estrutural acaba empurrando muitas delas a contraírem infecções sexualmente transmissíveis.
Saber como se infectaram, como reagiram ao diagnóstico, como foram rejeitadas no meio em que viviam, como e quem lhes ofereceu ajuda e como conseguiram dar a volta por cima é importante para inspirar dezenas de outras que vivem histórias parecidas.
Luiz Felipe Stevanim ainda registrou a agonia da floresta, que ardia com os incêndios criminosos, e a aflição dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos para conter este crime. Aqui também é difícil não se indignar contra quem estimulou a destruição em favor de pecuaristas e exportadores de madeira. A expressão “aproveitar para deixar a boiada passar” está registrada nos anais de uma importante reunião e com certeza por muito tempo será motivo de vergonha para grande parte do povo brasileiro.
O ano que ainda não acabou, 2021, foi retratado pela repórter Ana Cláudia Peres, que fez uma interessante linha do tempo com registro das principais matérias, notas, dicas de livros, filmes e seminários publicados pela Radis nos últimos 12 meses. O tema mais recorrente foi a pandemia de covid-19, que em julho já havia vitimado meio milhão no Brasil.
Revendo os registros é difícil ficar indiferente às perdas de tantos filhos, pais, irmãos, casais, enfim, de famílias que não terão um fim de ano de alegria junto de entes queridos. Difícil não se indignar ao entender que milhares perderam a vida em razão do negacionismo e da indiferença de quem tratou a maior pandemia que atingiu o país como uma gripezinha.
Radis tratou ainda de vacina, insegurança alimentar, CPI da Covid, racismo, violência policial, entre outros temas. Difícil não se indignar contra quem está desmontando as políticas importantes de proteção social e exalta o racismo, a violência, a misoginia e o negacionismo.
Na contramão de muitos maus exemplos, Radis registrou o engajamento de pesquisadores e cientistas que não se furtaram a desmentir as “falsas verdades”, a dedicação de centenas de médicos, enfermeiros, técnicos, maqueiros, motoristas, fisioterapeutas e todos os demais trabalhadores da saúde que incansavelmente buscaram salvar vidas e a competência das instituições de pesquisa brasileiras, como o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz. A eles, Radis presta todas as homenagens. O Natal está próximo e o Ano Novo é, para muitos, um tempo de repensar atitudes e renovar votos. Importar-se com o que acontece ao redor, se indignar e ter empatia pelo outro podem figurar na lista de prioridades para 2022. Bom Natal e um Ano Novo com saúde e vacina para todos.
■ Justa Helena Franco, subcoordenadora do Programa Radis
Sem comentários