Em 2022, o dia 7 de abril amanhece tingido pela dor do planeta inteiro. Após mais de dois anos da pandemia de covid-19, as sequelas dessa tragédia sanitária ainda se arrastam e se somam a outros graves problemas de saúde em escala global. No Dia Mundial da Saúde, temos pouco a comemorar, mas muito para defender: o futuro das crianças ainda não nascidas, o amparo dos grupos vulneráveis, a defesa de uma velhice digna e respeitada.
Novas doenças infecciosas, surtos de doenças negligenciadas, aumento de condições degenerativas e de transtornos mentais, associados a crises ecológicas e humanitárias, caracterizam o cenário mundial, sem perspectivas de melhoria no futuro próximo. Nunca houve tanta clareza sobre a necessidade de enfrentarmos a crise climática e ecológica como condição imprescindível para a preservação da saúde humana e animal.
Temos um único planeta! O lema deste ano é: “nosso Planeta, nossa Saúde”.
Na data em que se comemora a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), devemos lastimar que não tenhamos garantido a equidade vacinal, tendo países que compraram vacinas em excesso e outros que ainda estão em um estado muito incipiente de vacinação. O acesso ao saneamento básico e alimentação se mantém extremamente desigual, refletindo em diferenças enormes na expectativa de vida ao nascer (66 anos no Haiti e 88 anos no Japão, para falar de extremos).
Os investimentos globais devem ser direcionados para mitigar as graves mazelas que nos afetam como espécie e colocam em risco nossa sobrevivência. O modelo econômico que concentra renda e destrói o meio ambiente precisa ser superado, antes que seja tarde demais.
Para agravar o entristecedor panorama, assistimos na atualidade diversas guerras — na Ucrânia, no Iêmen, na Síria, na Etiópia e em várias outras regiões — produzindo, diretamente, deslocamentos e migrações e, indiretamente, escassez e inflação dos preços de alimentos, expondo milhões de famílias à dor e ao desamparo.
Desafio substantivo para o enfrentamento destes problemas intersetoriais e sanitários é aperfeiçoar os mecanismos de cooperação internacional e diplomacia da saúde, capazes de construir sinergias entre países, seja nas Nações Unidas e suas agências globais, seja nos arranjos multilaterais da América Latina, a exemplo da CELAC, Mercosul e demais.
O Brasil também está repleto de problemas. A pandemia deixou um rastro de mais de 400 mil mortes evitáveis, agravou o desemprego, a pobreza e as desigualdades sociais. Persiste uma grave desigualdade em relação à vacinação, assim como iniquidades em relação a outros determinantes sociais da saúde: saneamento, alimentação (voltamos ao mapa da fome), segurança (é um dos países mais violentos do mundo), habitação (favelas se duplicaram em dez anos).
Vivemos um dos períodos mais tenebrosos da história. A reparação de séculos de injustiça só será possível com a criação de políticas públicas articuladas e extraordinárias. Com destaque para essa palavra, porque precisarão acontecer fora da ordem instituída — criadas, cuidadas e alimentadas para combater, por exemplo, o racismo, o machismo e a violência institucional. Uma nova atitude de acolhimento e reparação deve (e pode) se estabelecer.
Milhares de enlutados e órfãos poderão ser, sim, cuidados adequadamente se forem instaurados espaços de elaboração, de recriação da sociabilidade. O papel das atividades culturais é, nesse sentido, fundamental. É preciso um esforço criativo, uma volta à brasilidade que permita recuperar o tecido social. É premente também fortalecer a democracia, coibindo o abuso do poder econômico nas eleições e ampliando os espaços de participação popular. Reformar a justiça, ainda predominantemente branca e masculina.
Nosso planeta, nossa saúde! Não podemos deixar ninguém para trás!
* Este artigo foi publicado originalmente no Le Monde Diplomatique (7/4). Rosana Onocko-Campos é presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Luis Eugenio de Souza é presidente da Federação Mundial de Associações Públicas (WFPHA) e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Paulo Buss é ex-presidente da Fiocruz e coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris) da Fiocruz.
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