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Com os olhos do mundo voltados para Belém (PA), sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), a COP30, que acontecerá em novembro de 2025, movimentos sociais, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e populações urbanas periféricas se organizam para romper a barreira das negociações oficiais e terem mais protagonismo no principal encontro internacional sobre a crise climática global.

Desde 2023, os líderes dos chamados “excluídos” se reúnem periodicamente e organizam um espaço que funcionará no mesmo local e paralelamente à COP30, também entre os dias 12 a 16 de novembro: a “Cúpula dos Povos pela Justiça Climática”.

A expectativa da organização é reunir cerca de 20 mil pessoas nesse ambiente, que contará com uma programação política, cultural e espiritual. O ponto alto será no dia 15, com uma grande mobilização internacional prevista para ecoar as vozes dos territórios.

Em fevereiro de 2025, lideranças sociais e ambientais de 16 países, como França, Filipinas, Quênia, África do Sul, Togo e Equador, reuniram-se no Rio de Janeiro em uma série de encontros preparatórios. O objetivo foi avançar na construção de uma agenda que reflita as realidades do campo, das florestas e das periferias do planeta.

À Radis, Araê Cupim, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e membro da comissão política da Cúpula, afirma que o evento paralelo “é sim um espaço de resistência, mas também de proposições. Uma resposta à exclusão sistemática das populações mais afetadas pelas mudanças climáticas”.

Ele entende a importância da COP, mas não poupa críticas à sua estrutura e modelo. “A COP não é feita por nós, e nem para nós. As negociações estão mais preocupadas em viabilizar o mercado de carbono do que em escutar os verdadeiros afetados pela crise climática”, diz.

“A COP não é feita por nós, e nem para nós. As negociações estão mais preocupadas em viabilizar o mercado de carbono do que em escutar os verdadeiros afetados pela crise climática”

Araê Cupim

Marcha durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília (10/4), defendeu a participação dos povos indígenas na COP30 — Foto: Juliana Duarte

Injustiças climáticas

Em agosto de 2024, cerca de 600 organizações assinaram e divulgaram a Carta Política da Cúpula dos Povos (https://cupuladospovoscop30.org/manifesto/). “Soluções reais são urgentes e a sociedade civil de todo o mundo deve ser protagonista em todos os espaços de debate desta agenda. A COP30 precisa representar um ponto de virada neste cenário, e endereçar as ações necessárias para o enfrentamento da crise climática”, cobra o documento.  

Não é a primeira vez que os organizadores da COP enfrentam um espaço paralelo de resistência e reivindicações. Houve iniciativas semelhantes já na Rio+20 (2012). A Cúpula dos Povos tem se consolidado como um espaço alternativo de crítica e proposição, presente em quase todas as edições das Conferências Mundiais do Clima.

Em novembro, os representantes dos movimentos sociais e das populações tradicionais irão discutir uma proposta que enfrente os problemas climáticos com justiça, centrado na realidade dos territórios, na soberania popular e no bem viver. A partir de inúmeros debates, reuniões e plenárias, que acontecem há dois anos, foram definidos quatro eixos de trabalho: água, território e soberania dos povos; justiça climática; transição justa, popular e inclusiva; juventudes, crianças, adolescentes, mulheres e diversidades LGBTQIAPN+ no centro das decisões.

Neste momento, a Cúpula dos Povos tem como objetivo pressionar e convencer o governo brasileiro a liderar a proposição de metas mais ousadas para a redução da temperatura global. Desde que foi lançada, no final de 2024, a Carta Política foi entregue ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à Secretaria Nacional Operativa da COP30 (Secop) e aos representantes do Executivo e parlamentares (deputados e senadores).

As propostas incluem reformas agrária e urbana, incentivos à economia solidária e proteção às populações tradicionais, além do combate ao racismo ambiental e estrutural. “O clima extremo, as secas, as cheias, os deslizamentos de terras e as falsas soluções climáticas servem como instrumento de aprofundamento da desigualdade e das injustiças ambientais e climáticas, principalmente nos territórios, e atingem de forma cruel aqueles e aquelas que menos contribuíram para a crise climática, ecológica e civilizatória”, diz o documento.

Viver sem destruir

A Cúpula defende ainda uma política de desmatamento zero e uma maior responsabilização das grandes corporações. Araê tem uma preocupação a mais em relação ao atual debate sobre “transição energética justa”. Para ele, esse termo apenas mascara uma continuidade da lógica extrativista. “Não acreditamos nessa transição colocada. Ela não muda a forma de explorar a natureza, apenas a intensifica. O que está em jogo é justificar o acúmulo e a expansão do capitalismo com novos recursos minerais”, destaca.

Outro integrante da organização da Cúpula, Eduardo Soares, secretário de Articulação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), destaca à Radis que representantes das comunidades religiosas também participarão ativamente do evento. Ele faz parte do Tapiri Inter-religioso, que reúne igrejas, organizações ecumênicas, povos de terreiros, espiritualidades indígenas, expressões diversas de tradições de fé presentes no Brasil. “É uma articulação ecumênica que também se fará presente na Cúpula dos Povos. Iremos discutir o fundamentalismo religioso e a defesa da liberdade de expressão e de culto.”

Eduardo acredita que será uma oportunidade única para mostrar ao mundo que é possível viver sem destruir. “Nossa espiritualidade, nosso modo de viver, nossa relação com a floresta, com o rio, com os outros seres vivos, tudo isso é parte de uma ecologia integral. Não se trata só de reduzir carbono, mas de mudar a lógica que destrói”, afirma.

Para ele, a Cúpula dos Povos é a expressão da resistência dos territórios frente às falsas soluções do mercado. “É um espaço onde a vida real, que pulsa nas comunidades, ganha voz e propõe caminhos”, pontua.

Participação real dos territórios

Eduardo ressalta a importância desse espaço, autônomo da sociedade civil, comprometido com as realidades vividas nos territórios. “A Cúpula nasce das demandas dos territórios, não de forma vertical, mas horizontal, em que comunidades e povos podem externar os impactos que muitas vezes são causados por grandes empresas. Impactos que, dentro das COPs, muitas vezes aparecem de forma distorcida”, defende. “As vozes nascem dos territórios. É preciso que a população impactada seja a primeira a ser ouvida, trazendo também soluções possíveis e necessárias”.

A expectativa da Repam é de que a realização da Cúpula fortaleça ainda mais as alianças com organizações de base e comunidades tradicionais. “Queremos contribuir. A missão da Repam é estar a serviço da vida nesses territórios. Assim, podemos avançar ainda mais nas mudanças necessárias em relação à ecologia integral e à justiça climática”, considera.

Tanto a Repam quanto o MAM defendem a participação dos povos originários que estarão presentes em Belém. “Nosso papel é fazer ecoar essas vozes. É escuta ativa para compreender os desafios e projetar a presença desses povos. É preciso garantir a sua presença histórica e de seus modos de vida. Sem isso, não há resposta real à crise climática”, defende Eduardo.

Para ressaltar a relevância desse espaço, o Conselho de Participação Social da Presidência da República aprovou, em fevereiro de 2025, uma resolução recomendando ao governo federal a interlocução com a Cúpula dos Povos rumo à COP30. Embora suas recomendações não sejam vinculativas, o gesto é visto como um importante instrumento de pressão política. 

A resolução destaca quatro pontos principais: participação da sociedade civil no grupo técnico da COP30; articulação de uma Aliança Global pela Justiça Climática; interlocução direta com a Cúpula dos Povos; e compartilhamento de iniciativas com os fóruns de participação social.

Em abril de 2024, o mesmo Conselho já havia aprovado uma primeira resolução solicitando que o governo federal estabelecesse interlocução formal com a Cúpula dos Povos nos preparativos para a COP30. A medida visava assegurar a escuta qualificada dos movimentos sociais e comunidades tradicionais na construção da agenda oficial do Brasil.

“Ela reflete a atuação propositiva e qualificada das organizações que compõem a Cúpula dos Povos e do Conselho de Participação Social. O Brasil tem sido referência na ampliação dos espaços de participação popular em decisões sobre problemas globais. Esperamos que essa resolução se traduza em um processo rico de contribuições para enfrentar as mudanças climáticas e o racismo ambiental”, destaca Rud Rafael, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

— Foto: Juliana Duarte.

Muito além da COP30

A luta por justiça climática também passa pela visibilidade, mobilização e soberania dos territórios antes, durante e depois da COP30. Araê ressalta que o processo vai além do evento: “A gente entra na Cúpula acreditando num processo que não termina com o evento. Estamos construindo outras economias, outras formas de se relacionar com a natureza. Somos nós, camponeses, povos das águas e das florestas, que temos resistido e apresentado propostas resilientes às mudanças climáticas”.

Os organizadores esperam que a Cúpula dos Povos seja um marco de mobilização que transcenda o evento oficial. “Não acaba em 2025. A gente está construindo um processo que continua nos territórios”, completa Araê.

Eduardo espera que Belém seja lembrada não só por sediar a COP30. “Mas por ser o território onde os povos disseram: basta. E apresentaram outras formas de viver, conviver e cuidar da ‘Casa Comum’.”

Linha do Tempo – Cúpula dos Povos pela Justiça Climática

2022 

• Belém é anunciada como sede da COP30

2023 

• Movimentos sociais iniciam articulações e escutas nos territórios

• Durante a Cúpula da Amazônia, surge a proposta da Cúpula dos Povos

• Comissão Política da Cúpula é formada por lideranças de todo o país

2024 

• Lançada a Carta Política da Cúpula dos Povos com mais de 600 organizações signatárias

• Ampliação da mobilização nacional e internacional com plenárias, caravanas e articulações temáticas

2025

• Em paralelo à COP30, Cúpula dos Povos será realizada em Belém com atividades políticas, culturais e espirituais

Os 6 eixos da Carta Política da Cúpula dos Povos

  • Anticapitalismo – Crítica ao modelo de desenvolvimento baseado no lucro e na exploração da natureza e dos povos
  • Justiça de gênero – Defesa dos direitos das mulheres e da diversidade sexual e de gênero nos territórios
  • Antirracismo – Combate às estruturas racistas que afetam povos negros, indígenas e periféricos
  • Transição energética justa – Contra o extrativismo verde e por modelos populares de energia
  • Democratização da Política Climática – Participação real dos povos nos espaços de decisão
  • Defesa dos territórios – Garantia da soberania, demarcação, titulação e proteção dos modos de vida tradicionais
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