“É impossível você não aderir ao tratamento quando tem uma equipe inteira dedicada a esse cuidado com você”. A afirmação é de Luzia De Seta, assistente social que contraiu tuberculose (TB) por trabalhar diretamente com população em situação de rua. Além disso, Luzia ainda descobriu ter TB resistente a um dos principais medicamentos utilizados no tratamento da doença.
No estado do Rio de Janeiro, todo paciente diagnosticado com tuberculose resistente é acompanhado por uma unidade de referência terciária. No caso de Luzia, ela foi encaminhada para o Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF/Ensp/Fiocruz). A paciente foi até Curicica, na Zona Sudoeste da cidade, onde fica o Centro, após descobrir que não faria o acompanhamento com a Unidade Básica de Saúde (UBS). Ficou surpresa com a quantidade de profissionais que a atenderam, uma equipe multidisciplinar com assistente social, psicólogo, nutricionista, farmacêutica, médico, enfermagem e técnicas.
Ela conta que o acompanhamento com a nutricionista foi essencial para adquirir novamente os quatro quilos que perdeu com a doença. “Não é simples o tratamento. Se fosse só a medicação e a gente tomasse, pronto, acabou! Mas envolvem outras coisas, você deve ter uma alimentação melhor e dormir com um sono mais tranquilo para suportar essa carga de remédios”, cita Luzia.
A assistente social narra que ficou emocionada com o cuidado que recebeu pelo SUS, por ser gratuito e de qualidade. Luzia cita as ações afirmativas que auxiliam no tratamento, como o cartão alimentação — benefício de R$ 250 para pacientes com TB no RJ — e o vale transporte. “Nesse sentido o SUS é incrível. As estratégias são as melhores e as mais amplas possíveis para você fazer adesão ao tratamento”, comenta.

40 anos de Hélio Fraga
A equipe de Radis visitou o Centro de Referência Professor Hélio Fraga, no prédio que um dia já foi parte do Hospital Sanatório Raphael de Paula Souza, construído nos anos 1940 durante uma intensa luta contra a tuberculose no Brasil. O consenso da época era que as pessoas diagnosticadas deveriam ser isoladas longe do convívio em sociedade e dessa forma a doença seria erradicada no Brasil.
“Por isso é longe”, brinca o coordenador e pesquisador do Hélio Fraga, Paulo Victor Viana, sobre a localização do antigo hospital. O lugar era tão isolado que, para chegar o material de construção, foi preciso abrir e pavimentar estradas, de acordo com a mestre em História das Ciências e da Saúde, Janis Cassilia.
Parte do local passou a ser o Centro de Referência a partir da década de 80. Hoje, com o surgimento de novas comunidades e o crescimento da região, o local não pode mais ser considerado afastado da população. Atualmente, a unidade é referência no tratamento para TB resistente em todo o Brasil, inclusive enviando medicamentos para todos os núcleos cadastrados — 90% dos medicamentos para TB resistente são dispensados pela farmácia do Hélio Fraga para todo o país.
Os municípios do RJ se organizam para enviar os pacientes em tratamento de TB resistente para o acompanhamento no CRPHF/Ensp, que atende Sul Fluminense, Baixada Fluminense, Região Serrana e Norte Fluminense. Também são realizados atendimentos pelo ambulatório itinerante que atua na Baixada Fluminense para facilitar o acesso da população daquela região quanto ao deslocamento até Curicica, diminuindo o índice de abandono do tratamento.
O coordenador do CRPHF/Ensp informa, com orgulho do trabalho em equipe, que a taxa de cura do Hélio Fraga é de 85%, bem maior que a do país, que é de 56%. “A gente ainda tem um desafio que é diminuir a interrupção do abandono, que está em torno de 11% e o preconizado é 5% pela OMS e pelo próprio Ministério da Saúde”, afirma.
Quando questionado sobre o que faz a taxa de cura ser acima da média nacional, ele responde que é o cuidado humanizado.

Estratégias
No aplicativo de mensagens WhatsApp, chega a notificação de que o esquema de medicações irá mudar. Essa é uma das estratégias da equipe da farmácia do Centro de Referência Hélio Fraga para que os pacientes lembrem de tomar os remédios de forma correta, uma vez que a maioria mora distante. Outras estratégias também são utilizadas, como o emprego de adesivos indicando a dosagem do tratamento, distribuição de brindes e até uso de frases motivacionais.
Luzia De Seta ficou surpresa e emocionada quando recebeu alta do tratamento e toda a equipe foi tirar foto com ela. Com uma garrafinha dourada que ganhou em mãos e vestindo a camisa com a palavra “Venci”, ela deu mais um passo para deixar a TB para trás.
Muitas vezes, o paciente com tuberculose resistente já percorreu um longo caminho até o Hélio Fraga, como foi o caso de Graziele Oliveira, para quem também fez toda a diferença o cuidado humanizado. Ela recebeu o diagnóstico da doença há três anos e passou por alguns processos de abandono de tratamento, o que provocou a resistência aos medicamentos.
Ela conta que chegou a ficar muito magra e debilitada, além de precisar tomar medicamentos injetáveis e nove comprimidos por dia. Agora, grávida, ela finalmente está livre da bactéria, mas diz que não quer perder o vínculo com a equipe do Hélio Fraga que a acompanhou durante a gestação.
Perguntamos para Graziele o que ela achou do atendimento do SUS, ao que ela respondeu: “nota 10”. “Achei o tratamento do SUS excelente. Remédios gratuitos, que não são baratos”, completou. Além da medicação, ela também avalia como imprescindível o acompanhamento psicológico que teve, já que receber o diagnóstico da doença foi “um baque”.
O coordenador do Hélio Fraga conta que, há 40 anos, a unidade desenvolve pesquisas, manuais, métodos de diagnóstico e novos esquemas de tratamento contra a tuberculose diretamente em conjunto com o Ministério da Saúde. Paulo Victor ressalta que a unidade já contribuiu muito para a evolução científica no combate à tuberculose no Brasil.Desde janeiro de 2025, foram atualizadas as recomendações do tratamento da tuberculose drogarresistente pelo MS, iniciando os esquemas encurtados BPaL (bedaquilina, pretomanida e linezolida) e BPaLM (bedaquilina, pretomanida, linezolida e moxifloxacino), que reduz o tempo de tratamento de 18 para apenas 6 meses. O coordenador do Hélio Fraga conta que o Centro também contribuiu para essa inovação na etapa de testagem das novas medicações.



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