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Hind Rajab era uma sorridente menina palestina, como demonstram suas fotos. Aos 6 anos, em pleno desenvolvimento, a pequena costumava praticar caligrafia em um caderno que estava em posse de sua mãe enquanto aguardava notícias da filha, dada como desaparecida durante dias. Contornar letras, reconhecer números e formar sílabas deveriam ser as únicas preocupações de crianças da idade de Hind, em fase de iniciação escolar. Não em Gaza, onde elas representam mais de 40% das vítimas assassinadas pelas forças bélicas de Israel desde o fatídico mês de outubro de 2023. 

Estimativas de autoridades palestinas indicam a morte de mais de 40 mil pessoas desde a intensificação dos ataques, nos últimos dez meses. Contando com outros 10 mil desaparecidos sob escombros, as vidas palestinas perdidas já são mais de 50 mil no período. E esse número não para de aumentar.

Em 7 de agosto de 2024, a página da Federação Árabe Palestina do Brasil no Instagram (@fepal_brasil) publicou que até aquele momento pelo menos 50.241 palestinos haviam sido assassinados pelas forças do Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Desse total, quase 12 mil eram mulheres. Outras 20.457, crianças. Como a pequena Hind. No fim de janeiro, ela estava acompanhada de um tio, uma tia e três primos que tentavam fugir do cerco israelense na cidade onde viviam. Durante o percurso, o carro de seus familiares deparou-se com um tanque dos invasores. Todos os ocupantes do veículo de passeio foram cruelmente assassinados.

Hind e uma prima adolescente, de 15 anos, sobreviveram ao primeiro ataque e chegaram a ligar para o serviço de socorro, a Palestine Red Crescent Society, mas também foram executadas pelos soldados, que dispararam 335 vezes contra o Kia preto da família, segundo reconstituição realizada por jornalistas da Rede Al Jazeera. Dois paramédicos enviados para socorrê-las tiveram a ambulância explodida ao chegar no local e também foram mortos na emboscada. Um tanque de guerra contra um carro comum. Militares preparados para guerra contra civis desarmados, em rota de fuga — incluindo mulher e crianças — e por fim o ataque a agentes humanitários. 

Assassinada em janeiro de 2024, a pequena Hind Rajab foi vítima da crueldade israelense contra civis em Gaza. — Foto: Palestine Red Crescent Society/Family/Reuters.
Assassinada em janeiro de 2024, a pequena Hind Rajab foi vítima da crueldade israelense contra civis em Gaza. — Foto: Palestine Red Crescent Society/Family/Reuters.

Ofensiva de guerra

O assassinato de Hind — uma criança — e de seus familiares acaba por ilustrar o modus operandi da ofensiva israelense diante dos palestinos em Gaza. Atrocidades que ocorrem sob olhar ora indiferente ora cúmplice das principais potências ocidentais. Israel tem violado diversos direitos internacionais e cometido seguidos crimes de guerra. Descumpre protocolos básicos e acordos, ataca corredores humanitários e comboios de suprimentos e bombardeia locais destinados ao abrigo de civis refugiados, como escolas e hospitais.

Por todos esses fatores, o extermínio étnico que se vê em Gaza contra o povo árabe cumpre os requisitos de um genocídio, conforme descreve o Relatório especial sobre a situação dos direitos humanos no território palestino, entregue ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em março de 2024, intitulado Anatomia de um genocídio. “Ao analisar os padrões de violência e as políticas de Israel no seu ataque a Gaza, este relatório conclui que existem motivos razoáveis ​​para acreditar que o limiar que indica a prática do genocídio por Israel foi atingido”, afirma o documento.

Enquanto esse artigo era escrito para Radis, a CNN Brasil informou (13/8) que “o Departamento de Estado dos Estados Unidos aprovou potenciais vendas de armas para Israel totalizando aproximadamente US$ 20 bilhões, cerca de R$ 109 bilhões, incluindo uma venda antecipada de até 50 caças F-15 avaliada em mais de US$ 18 bilhões, aproximadamente R$ 98 bilhões”. Há uma música da banda Legião Urbana (1992) que diz: “O Senhor da guerra não gosta de crianças”. E é impossível não pensar nesse refrão ao se deparar com a atroz realidade de Gaza e os interesses que a sustentam.

— Foto: reprodução/internet.

Ataques em diferentes escalas

Ativista de direitos humanos e mestre em Políticas Públicas por Harvard, a libanesa Sara El-Yafi é uma das pessoas que tem levantado sua voz para denunciar as barbaridades cometidas por Israel. Em um de seus vídeos nas redes sociais (@sarayafi), ela mostra como a imprensa hegemônica ocidental vem naturalizando os ataques à Gaza e explicita técnicas usadas para desumanizar os palestinos e hipersensibilizar a audiência em relação às mortes de israelenses, com a intenção de criar empatia por apenas um lado do confronto. 

É tentando furar essa bolha que organizações voluntárias, veículos e jornalistas independentes arriscam suas vidas e lutam para noticiar ao mundo o terror vivido na região e prover alguma ajuda ao povo palestino. Relatos como os da flotilha da Liberdade, da missão Handala, expõem — por exemplo — que mais de mil crianças palestinas foram amputadas sem anestesia por conta dos bombardeios e condições precárias de atendimento hospitalar na região. 

Dezenas já morreram por fome e desnutrição e outras 1,6 mil podem morrer pela mesma causa ainda que a guerra terminasse hoje. Isso porque a fome na região já atinge patamares catastróficos (Acompanhe atualizações em @gazafreedomflotilla). A jornalista palestina Bisan Owda é outra ativista que tem reportado a situação direto de Gaza. No fim de julho, ela publicou em seu Instagram (@wizard_bisan1) uma denúncia de que após 25 anos de erradicação no território, o vírus da poliomielite foi detectado em amostras de água no local.

Por aqui, o UOL repercutiu o fato e reproduziu (20/7) uma notícia em que a ONG Oxfam acusa Israel de contaminar a água em Gaza com o vírus da pólio, que tem rápida proliferação e pode acarretar paralisia flácida aguda, como arma de guerra biológica. A taxa de vacinação no enclave palestino antes dos ataques era de 89%. Agora, especialmente as crianças menores de 5 anos estão suscetíveis ao vírus pela falta de vacinação [o primeiro caso de retorno da doença foi confirmado em um bebê palestino de dez meses, não vacinado, no dia 16/8]. A reportagem relata ainda que mais de 70% das estações de tratamento de água da região foram destruídas pelas forças que ocupam o território.

Apenas entre julho e o início de agosto foram realizados mais de dez ataques a escolas, onde estão refugiados deslocados de suas casas, noticiou o Nexo (10/8). Só o mais recente até então, no próprio dia 10/8, havia matado mais de 100 pessoas, sempre sob o pretexto de “caça a integrantes do Hamas”. Autoridades palestinas reafirmaram a morte de crianças e mulheres no atentado. Em junho, quase 70% das 83 escolas geridas pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, sigla em inglês) — agência da ONU que tem atuado na Palestina — já tinham sido bombardeadas pelas forças de Netanyahu.

Situação mais grave do que se vê 

Acredita-se que o número real de mortos em Gaza seja ainda maior do que o dimensionado até aqui. Isso porque as autoridades sanitárias palestinas não possuem mais condições de fazer esse registro de forma precisa e eficaz, à medida que a escalada de ataques se elevou e a infraestrutura hospitalar, de necrotérios e de serviços à população foi sendo destruída. Além disso, os desdobramentos da guerra devem ser ainda mais severos, mesmo após o fim dos ataques. Afinal, conflitos dessa natureza impactam nas condições de saúde das pessoas e a tendência é que muitos óbitos ainda decorram dele. 

Uma carta publicada por três pesquisadores na revista científica Lancet, no início de julho (5/7), intitulada Contando os mortos em Gaza, difícil mas essencial, indica que em situações de guerra avaliadas recentemente, as mortes indiretas podem variar de três a 15 vezes o número das mortes diretas. Com isso, os autores apontam que, em uma estimativa ainda modesta de quatro mortes indiretas por cada óbito direto, com base nos números atuais, as vítimas fatais de Gaza poderão passar de 186 mil, o que equivaleria a quase 8% da população local estimada em 2022. 

O documento conclui: “Um cessar-fogo imediato e urgente na Faixa de Gaza é essencial, acompanhado de medidas que permitam a distribuição de suprimentos médicos, alimentos, água potável e outros recursos para as necessidades humanas básicas”.  Outra medida recomendada é o registro histórico e a documentação dos crimes cometidos por Israel contra os palestinos. E quanto a nós? Até quando permaneceremos alheios?

Números do horror (7/8/2024)

50.271* palestinos exterminados

(* Incluindo 10 mil desaparecidos sob escombros)

20.457 crianças assassinadas (41% dos mortos)

Quase 12 mil mulheres mortas pelos ataques e bombardeios israelenses

885 profissionais de saúde 

496 profissionais de educação 

165 jornalistas 

9,5 mil estudantes

203 funcionários da ONU mortos em Gaza

96.885 feridos, grande parte mutilados (4,5% da população de Gaza)

Fonte: Fepal (Federação Árabe Palestina do Brasil)


Saiba mais: Acompanhe notícias locais na página do The Palestine Information Center: https://english.palinfo.com/

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