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Em um contexto em que publicações científicas passam pelo excesso de produtivismo cobrado aos pesquisadores, por dificuldade de pareceres e mudanças tecnológicas que podem alterar radicalmente a escrita científica, um periódico tem a alegria de comemorar 40 anos de trabalhos ininterruptos na área da saúde pública e coletiva. Inclusive o seu surgimento foi importante para a consolidação deste campo temático e para dar respaldo à criação de outras revistas na área. 

Capa da primeira edição de Cadernos de Saúde Pública publicada no início de 1985. — Foto: CSP.
Capa da primeira edição de Cadernos de Saúde Pública publicada no início de 1985. — Foto: CSP.

O Cadernos de Saúde Pública (CSP — e Reports in Public Health, nome com o qual é publicado internacionalmente) passou por muitas modificações ao longo de sua história, da periodicidade às ampliações temáticas, experimentando também uma consolidação gráfica e conceitual, além da conquista do reconhecimento no processo de internacionalização e de acesso aberto. 

No entanto, a perspectiva é de sempre manter a essência pela qual ficou conhecido, como uma referência do campo da saúde. A publicação, nascida dentro da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), desde 1998 tem o acesso aberto, ou seja, não são cobradas taxas para ler a revista ou publicar nela.

Três fases, uma constante evolução 

A história do Cadernos (como costuma ser, afetuosamente, chamado) pode ser dividida em três momentos, como reforçam suas atuais editoras em um artigo publicado na edição de junho do periódico, que conta um pouco da história da publicação a partir de seus marcos editoriais. O início, considerado como os primeiros cinco anos, mostra um grande foco no Movimento da Reforma Sanitária e em dados de epidemiologia. Nesta época, a circulação acontecia de forma trimestral.

Segundo Marilia Sá Carvalho, atualmente uma das três editoras-chefes, a revista teve seus princípios norteadores definidos desde o primeiro número, mas “foram sendo aperfeiçoados, mudados e trabalhados à medida que a própria política da ciência foi evoluindo”, como afirmou em um dos vídeos produzidos especialmente para a comemoração dos 40 anos da publicação. 

Depois do período inicial, a revista passou por uma fase de consolidação, resultante de vários fatores. Conseguiu lançar-se internacionalmente ao ser indexada à plataforma Medline, uma das mais importantes na área da saúde e com presença em muitos países. O que isso significou? A partir daí o periódico passou a ser disponibilizado em uma base de dados internacionais, que permitiu o início do reconhecimento além do país, em uma época em que ainda não era muito comum que revistas científicas brasileiras conseguissem este espaço. 

Outro movimento importante foi a indexação à plataforma SciElo. Isso permitiu que todos os números, desde a primeira edição, conseguissem ser disponibilizados de forma on-line em um período em que muitas publicações desapareceram, nos anos 2000. Atualmente, o Cadernos está indexado a 19 bases de várias partes do mundo. 

Um fator também considerado essencial foi a garantia de apoio financeiro pela Ensp. E um terceiro ponto foi a longevidade da citação de seus artigos. Muitas vezes, artigos da área médica são citados por um ou dois anos, mas no campo da saúde coletiva, este prazo costuma ser maior, por volta de sete anos. 

As mudanças de periodicidade foram acontecendo conforme o volume de submissões de artigos para a revista foi aumentando. No início  trimestral, passou a ser bimestral e, em 2006, passou a ser mensal. Para que isso fosse possível, o gerenciamento de arquivos começou a acontecer de forma eletrônica. 

O terceiro momento, que pode ser definido a partir de 2012, representa um período em que se destaca uma busca pela diversidade, com o objetivo de ampliar mais a representatividade nos vários campos da saúde coletiva. É neste contexto também que foi criado um regimento interno do CSP e uma das mudanças é que a editoria passou a ser composta por três editores, sendo dois componentes da Fiocruz e um editor externo, como uma forma de assegurar a independência editorial.

A cara do Cadernos

Ao longo do tempo, o periódico foi passando por reformulações gráficas. Nos primeiros anos, as capas tinham cores diferenciadas para cada ano; no final da década de 1990, as fotografias passaram a fazer parte das capas. Com um viés mais histórico, jornalístico ou documental, as fotografias tinham temáticas específicas — no início, voltadas para pessoas, depois, com um assunto definido a cada ano. A partir de 2016, o periódico tornou-se totalmente on-line.

Após 2018, a publicação também passou a investir em divulgação nas redes sociais, com chamadas para artigos e dados da revista. Também apostou na produção audiovisual com uma série chamada Entrevista com os Autores, disponibilizada no canal do YouTube da Ensp, que reúne conversas com os autores dos artigos publicados. Outra forma de aproximar mais o público são podcasts relacionados aos assuntos presentes nos artigos. Ampliar a divulgação científica foi uma estratégia para envolver o público e dar mais visibilidade aos temas de pesquisa que aparecem na revista. 

Saúde Coletiva, a expansão de um campo

Nos primeiros anos, a temática epidemiológica era muito forte em CSP. O contexto da Reforma Sanitária, a transição para o regime democrático e, posteriormente, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), moldaram as temáticas de pesquisa naquele momento, no final dos anos 1980 e início da década de 1990. Artigos sobre dengue, malária e outras infecções eram muito presentes na época.

Com o passar do tempo, outros assuntos foram ganhando espaço. Artigos focados em populações específicas tornaram-se mais frequentes, como crianças, mulheres, idosos, e, ao mesmo tempo, sobre temas como atenção primária e acesso aos serviços. Um dos textos mais acessados da revista é de 2010, quando foi apresentado o termo ultraprocessado, em relação aos alimentos industrializados.       

Os primeiros resultados de uma importante pesquisa sobre saúde reprodutiva no país, Nascer no Brasil, projeto capitaneado pela pesquisadora Maria do Carmo Leal (Ensp/Fiocruz), teve sua primeira publicação em uma edição especial de CSP, em 2014. Já em 2024, o tema retorna ao Cadernos com os apontamentos de Nascer no Brasil II. Outro momento importante na condução temática foi em 2020, a partir da pandemia de covid-19, em que houve a necessidade de agilizar a publicação de artigos relacionados à doença. Das 643 submissões sobre o tema, 54 artigos foram publicados.  

As atuais coeditoras de CSP, Luciana Dias Lima, Marilia Sá Carvalho e Luciana Correia Alves. — Foto: CSP.
As atuais coeditoras de CSP, Luciana Dias Lima, Marilia Sá Carvalho e Luciana Correia Alves. — Foto: CSP.

Com a palavra, as editoras

Ao longo destes 40 anos, vários nomes da saúde coletiva foram responsáveis por editar CSP, como Sergio Koifman e Frederico Simões Barbosa, além da presença de dois editores eméritos, Carlos E. A. Coimbra Júnior, que foi editor-chefe por mais de 20 anos, e Cláudia Travassos. A publicação conta ainda com 42 editores associados. 

Atualmente, a editoria chefe é exercida por três coeditoras. Duas delas são pesquisadoras da Fiocruz, Luciana Dias de Lima e Marilia Sá Carvalho; e desde 2012, há um membro externo, com a finalidade de garantir independência editorial, que atualmente é Luciana Correia Alves, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As três editoras responderam, em conjunto, a três perguntas feitas por Radis sobre um balanço dos 40 anos da publicação e as perspectivas para o futuro. 

“Cadernos de Saúde Pública (CSP) se transformou para responder aos desafios da ciência e da saúde coletiva, em cada momento histórico, sempre com o olhar para o futuro, mas reconhecendo a importância da sua tradição”

Luciana Dias Lima, Marilia Sá Carvalho e
Luciana Correia Alves, coeditoras de CSP

Como vocês imaginam o futuro do Cadernos de Saúde Pública?

Ao longo dos seus 40 anos, Cadernos de Saúde Pública (CSP) se transformou para responder aos desafios da ciência e da saúde coletiva, em cada momento histórico, sempre com o olhar para o futuro, mas reconhecendo a importância da sua tradição. Qualidade, inovação e integridade da publicação científica são bases da credibilidade que o periódico possui junto a autores e leitores. Além disso, CSP tem como princípio o acesso aberto como um bem público não comercial. Mas a esses fundamentos queremos agregar outros. 

Queremos que a revista seja reconhecida cada vez mais pelo seu compromisso com a democratização da ciência e com a defesa da vida. Uma revista científica abrangente, inclusiva e dinâmica. Que, por um lado, publica artigos de autores das mais diversas instituições e países, com várias abordagens, temas e enfoques. E, por outro, estimula o debate interdisciplinar para responder às necessidades sociais e aos grandes desafios da saúde pública, no cenário internacional e nacional. 

Também queremos ampliar os esforços para fortalecer os laços entre a ciência e os cidadãos. Reconhecemos que temos um papel fundamental na comunicação dos resultados dos estudos do campo da saúde coletiva, mas é necessário tornar esse conhecimento acessível a um público mais amplo. Portanto, queremos que CSP seja visto como um periódico comprometido com a divulgação científica, pois é fundamental que as pessoas se apropriem do debate especializado sobre temas que apresentam influências diretas sobre suas condições de vida e saúde. Acreditamos que essa iniciativa é muito importante para recuperar a crença na ciência e nos pesquisadores, ambos alvos de ataques negacionistas nos últimos tempos.

A partir do cenário atual das publicações científicas e das tendências que se configuram, quais são os maiores desafios para o Cadernos?

A publicação científica enfrenta um momento desafiador, lidando com várias questões simultaneamente e CSP está atento a essas mudanças. A rapidez necessária para divulgar resultados de pesquisa levou os pesquisadores a utilizarem plataformas de Preprints [a versão que o autor do artigo envia para a revista, sem edição] para publicar os seus artigos. Os Preprints têm a vantagem da submissão e acesso livre e sem taxas, facilitando conexões entre autores e comunidade científica, aprimorando as pesquisas de maneira transparente e dinâmica. A revista aceita artigos publicados em plataformas de Preprints, alinhando-se aos preceitos da ciência aberta. No entanto, reconhecemos que existe um trade-off [um conflito de escolha] nesse processo: embora esses formatos possam ser vantajosos para o acesso aberto, é fundamental considerar a qualidade das publicações.

A revisão por pares [o artigo é visto por especialistas que verificam a qualidade do manuscrito científico e podem ajudar a melhorar o resultado final com comentários para o autor] continua sendo crucial para garantir a qualidade e a credibilidade da publicação científica, apesar das dificuldades em obter bons pareceres. Esse é o grande desafio atual, não apenas para Cadernos, mas para as revistas científicas em geral: a busca por revisores competentes e avaliações de qualidade. A atividade dos revisores é essencial no processo editorial, auxiliando diretamente na tomada de decisões dos editores. Reconhecemos que o trabalho dos revisores é uma contribuição generosa para a ciência, já que eles doam seu tempo e conhecimento, em um esforço colaborativo para o aprimoramento dos manuscritos.

Ainda no contexto da ciência aberta, estamos refletindo e discutindo a adoção da avaliação aberta e da abertura dos dados de pesquisa. Atualmente, estamos desenvolvendo um estudo para entender a opinião da comunidade de autores, revisores e editores associados sobre esses temas, o que orientará a política editorial da revista.

Em termos de inovação, o uso de ferramentas de inteligência artificial (IA) e modelos de linguagem avançados (LLM) como o ChatGPT está se tornando cada vez mais comum, exigindo que as revistas se posicionem sobre seu uso. Pretendemos acompanhar essa evolução e adotar o uso responsável dessas tecnologias. Princípios como integridade e ética em pesquisa continuarão sendo pilares fundamentais do nosso trabalho.

Mas entendemos que algumas práticas editoriais podem ser facilitadas por essas ferramentas, tais como: a produção de textos em outro idioma, a revisão de textos e a organização de referências bibliográficas; o auxílio aos autores em suas análises estatísticas; a detecção de plágio, conflitos de interesse e localização de revisores especialistas pelos editores; a formatação de manuscritos. Contudo, reconhecemos que as questões éticas no uso da IA são complexas e estamos comprometidos em fomentar o debate com outros periódicos e editores no país para estabelecer diretrizes para seu uso responsável.

Qual o legado do Cadernos não só para as pesquisas em saúde pública e coletiva, mas para a ciência como um todo?

O principal legado é a publicação científica contínua e de qualidade ao longo de 40 anos, resultando em cerca de 8,5 mil artigos publicados de 1985 até junho de 2024. Esses trabalhos abrangem uma vasta gama de temas dentro das três grandes áreas que compõem a saúde coletiva: ciências sociais e humanas em saúde, epidemiologia e política, planejamento e gestão. Alguns artigos se tornaram clássicos e trazem inovações metodológicas, enquanto outros identificam problemas e desafios, oferecendo valiosas análises, aprendizados e perspectivas para o aprimoramento do SUS.

Esses artigos conformam um patrimônio da sociedade brasileira, pois o periódico é um bem comum da saúde coletiva, como destacado no editorial de agosto de 2017. Isso nos enche de orgulho e traz um senso de compromisso e responsabilidade com um trabalho coletivo de longa data, construído com a colaboração de muitas pessoas. A longevidade de Cadernos expressa um projeto editorial bem-sucedido, que se renovou e consolidou ao longo dos anos, contando com o apoio da instituição mantenedora da revista e ancorado em uma comunidade científica ampla, diversa e interdisciplinar. 

A produção acadêmica da comunidade da saúde coletiva, profundamente envolvida com seu campo, que é simultaneamente um campo de estudos e de práticas, encontra espaço para publicação nas diferentes seções que compõem os fascículos de CSP. Em comum, os artigos evidenciam um conhecimento implicado com a redução das desigualdades sociais e a atuação em defesa da democracia e da vida, com o objetivo de garantir melhores condições de saúde para as populações.

Cadernos de Saúde Pública em números

  • 8.500 artigos publicados desde 1985
  • 70 fascículos temáticos para tratar de assuntos específicos (como os resultados da pesquisa Nascer no Brasil)
  • 50 milhões de acessos (até dezembro de 2023)

Como publicar um artigo em Cadernos de Saúde Pública

O Cadernos de Saúde Pública é um periódico de classificação A1, pelo sistema Qualis Periódico, classificação realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e isso significa que é uma revista de excelência internacional. Para publicar, os autores precisam acessar o site de CSP, onde encontram as orientações de como deve ser feito o envio e como se realiza o processo de edição.


Para saber mais:
https://cadernos.ensp.fiocruz.br/

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