Durou pouco mais de dois anos a gestão da primeira mulher à frente do Ministério da Saúde. No fim da tarde de 25 de fevereiro, após um intenso processo de especulações e “fritura” na imprensa, que já se arrastava há pelo menos cinco dias, o presidente Lula enfim oficializou o que os noticiários já davam como certo e anunciou a saída de Nísia Trindade da pasta. No seu lugar assume Alexandre Padilha, então ministro de Relações Institucionais, que já ocupou o cargo no governo Dilma, entre 2011 e 2014.
— Foto: José Cruz/Agência Brasil.
A principal justificativa para a troca de comando em um dos principais ministérios da Esplanada seria que, em meio a uma crise em seu governo, Lula teria visto a substituição de um nome técnico por outro com um perfil mais político como uma cartada capaz de manter a governabilidade e sustentar uma boa posição do governo na disputa presidencial de 2026. Uma aposta alta — menos pelo que Padilha é capaz de fazer, mais pelo que Nísia já vinha entregando.

Antes da demissão, na manhã de 25 de fevereiro, Nísia cumpriu a última agenda pública como ministra, anunciando — na presença de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin — novos avanços em sua pasta, como a primeira vacina 100% nacional e de dose única contra a dengue, que será administrada a partir de 2026, além de parcerias para assegurar acesso a insulinas no SUS, uma vacina nacional contra gripe aviária e a vacina contra o Vírus Sincicial Respiratório (VSR). Iniciativas que indicam o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, uma de suas principais bandeiras desde que assumiu o cargo.

A falta de um posicionamento do presidente, que em outros momentos saiu em defesa da ministra — como durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde, em 2023 (Radis 251) — aumentava a incerteza no entorno de Nísia, que chegou a manifestar o desconforto com a situação (O Globo, 20/2). A forma pouco sensível e desrespeitosa como a mudança foi feita gerou reações. E Nísia recebeu demonstrações de apoio.
Nas redes sociais, a hashtag #respeitanísia foi utilizada em protesto pela forma como ela vinha sendo exposta e em reconhecimento à atuação de alguém que durante a pandemia, ainda como presidente da Fiocruz, teve papel fundamental no enfrentamento à covid-19. E que, como ministra, em dois anos demonstrou com números ter reerguido um SUS combalido, que desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, até sua chegada, em 2023, passou por graves crises de desfinanciamento e até de identidade nas mãos de seis ministros nos governos de Temer (2) e Bolsonaro (4). O coletivo de servidoras, alunas e colaboradoras da Fiocruz, 8M, também se manifestou em campanha por respeito à Nísia.

Após a confirmação da saída, a agora ex-ministra recebeu diversas menções e mensagens na internet. Uma delas foi da antropóloga e pesquisadora Debora Diniz, que lamentou o episódio, em uma postagem em suas redes: “Eu sinto muito, ministra Nísia. Sinto por como tudo foi feito, a senhora ser informada pelos jornais e nem mesmo terem a seriedade de falarem com a senhora antes dos rumores ganharem as notícias (…) A senhora fez história como a primeira ministra mulher da Saúde. A senhora já tinha memória como presidente da Fiocruz durante a pandemia. Deixou um legado para quem quer que a venha substituir na história como uma ministra técnica e competente para gerir as políticas de saúde”.
A historiadora e também antropóloga Lilia Schwarcz seguiu a mesma linha: “Mesmo pressionada pelos boatos que davam como certa sua saída, Nísia não posou de vítima (…) Mas ela sai por cima, pois a questão com Nísia era política, da cozinha de Brasília. Pois bem, Nísia acaba de ser demitida e o médico Padilha entra em seu lugar nessa dança das cadeiras do governo Lula que tem direito de demitir ministros. Mas não vale humilhar — e reduzir dessa maneira o número já diminuto de mulheres no governo”, pontuou.

Em fevereiro de 2023, quando chegava ao Ministério da Saúde, Nísia concedeu entrevista exclusiva à Radis (245), quando falou sobre as ações prioritárias nos 100 primeiros dias de sua gestão e ressaltou o compromisso em resgatar a ciência e a saúde coletiva como bases para a construção de políticas públicas. Ela revitalizou e fortaleceu o SUS. Independentemente das razões políticas que levaram à decisão, Nísia merecia mais respeito. Isso ninguém deveria discutir.
Sem comentários