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Pessoas que se expõem por mais tempo a telas têm risco aumentado de desenvolverem ansiedade e depressão. Essa é uma das conclusões da pesquisa de doutorado conduzida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por Renata Maria Silva Santos, terapeuta ocupacional e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT). Ela se dedicou a compreender como o uso de telas pode afetar a saúde mental ao longo do ciclo da vida. 

Uma das dificuldades metodológicas foi a de definir o conceito de tempo de tela: “Ele não é o termo ideal para a gente fazer estudos da influência das telas na saúde mental das pessoas, porque o conteúdo e a relação que a pessoa estabelece com a tela são muito mais importantes”, afirma. Ela explica que mesmo o alto tempo de envolvimento em atividades de trabalho e estudos, como oito horas por dia, tende a ser menos nocivo do que uma menor quantidade de tempo diária destinada à utilização de redes sociais.

De acordo com a doutora em Medicina Molecular pela UFMG, que selecionou 149 artigos científicos para a versão final de sua tese, que contavam com mais de dois milhões e meio de pessoas participantes, a grande dificuldade de mensurar o tempo de tela é a falta de uma medida objetiva, já que elas estão muito presentes em nossa vida cotidiana, seja por meio de um smartphone ou dentro do transporte público. Para Renata, as redes sociais potencializam o efeito nocivo das telas, pois aumentam a comparação entre as pessoas e impactam na autoestima e no consumo.

Outro fator que influencia no uso de telas e pode contribuir com o aumento de casos de depressão e ansiedade, de acordo com a pesquisadora, é a insegurança econômica. “Ela causa desconforto relacionado a uma sensação de fracasso, à incapacidade de lidar com os problemas. O tempo ocioso e a necessidade de aliviar a tensão psicológica levam a um maior tempo de tela, assim como a busca por oportunidades de ganhar dinheiro, gerando o risco até de se envolver em apostas fraudulentas”, afirma. [Leia mais sobre os efeitos das bets na saúde mental na Radis 275].

Renata explica que a insegurança econômica interfere diretamente na vida social, pois aumenta os níveis de isolamento, já que faltam recursos para participar de atividades em grupo. Pode haver ainda um constrangimento por acumular dívidas ou não saber direito como organizar as próprias finanças. Um ciclo perigoso: a pessoa deprime, sente-se mais solitária, usa mais telas e passa a socializar ainda menos.

Sintomas como irritabilidade, impaciência, dificuldade de concentração e de prestar atenção a uma conversa mais complexa, necessidade de trocar rapidamente de assunto, tendência a sentir frustração com facilidade e problemas com o sono podem também estar associados ao mau uso dessas tecnologias. Para a pesquisadora, é importante escutar as pessoas com quem se convive e estar mais atento ao comportamento de crianças e adolescentes.

No caso de pessoas idosas, Renata explica que o medo de ficar longe do celular foi um efeito comum percebido na pesquisa. “A nomofobia [medo ou ansiedade excessiva de ficar sem o celular ou sem acesso à internet] é muito presente. É uma população que tem dificuldade de ficar desconectada, que gosta muito de joguinhos e está mais vulnerável a golpes e fraudes”, avalia.

Má gestão do tempo

A epidemiologista e estudante de doutorado Fernanda Letícia Santos, 29, está desde fevereiro sem Instagram e um dos motivos para sair da rede, onde passava cerca de oito horas diárias, foi a comparação excessiva. “Eu me sentia estagnada, com baixa autoestima, com conquistas não suficientes e com um sentimento de imediatismo, de urgência, muito forte”, conta. Hoje, ela experimenta os benefícios de estar longe das telas. “A procrastinação melhorou, assim como minha qualidade de sono”.

Já a servidora pública Flávia Lopes, 43, há cinco anos sem Instagram e Facebook, relata que “fugia da realidade e dos inúmeros compromissos a serem cumpridos, ao mesmo tempo que imaginava vidas perfeitas retratadas em postagens bonitas”. Com isso, ela sentia que seu dia ia passando, enquanto acumulava tarefas, ficava estressada e, quando percebia, estava sobrecarregada. Decidiu fazer um teste por um tempo e hoje diz que não tem mais vontade de retornar às redes sociais. Cerca de três horas do seu dia antes eram destinadas ao uso desses aplicativos para entretenimento. 

A dificuldade de gerenciar o próprio tempo, de acordo com Renata, é um dos efeitos que o uso contínuo e sem objetivo das telas pode trazer, porque o estresse começa a surgir depois que a pessoa já não conseguiu realizar as tarefas daquele dia e, quando se dá conta, não há mais tempo hábil. “A procrastinação para o adulto leva a outras dificuldades como, por exemplo, dedicar tempo aos filhos. Então, promete hoje que vai fazer o joguinho de tabuleiro com o filho, promete amanhã, promete depois e nunca consegue cumprir”, constata.

Proporcionar um ambiente sem telas para as crianças, nos primeiros anos de vida, irá influenciar na quantidade de horas que elas tendem a usar as telas futuramente. “Existe a associação entre responsáveis com alto tempo de tela e filhos menores de cinco anos com altíssimo tempo de tela”, pontua.

Na dinâmica familiar, segundo a pesquisadora, é comum que as mães entreguem o celular aos filhos para poderem fazer atividades domésticas — enquanto os pais, por terem procrastinado, às vezes, maratonando séries ou em jogos online, ficam mais estressados e transmitem isso para as crianças.

Flávia, que mora com o companheiro e a filha de oito anos, estipulou que durante as refeições ninguém usa o celular. “Quando preciso falar ao telefone, enquanto estamos comendo, por alguma urgência do trabalho, minha filha questiona e eu explico que naquele momento vou precisar estar com ele, mas que não é regra”, conta. Essa é uma estratégia saudável que a pesquisadora indica, assim como determinar horários para usar o celular e evitar se expor a telas uma hora antes de dormir.

Impacto das telas nas atividades físicas

Recentemente, Renata foi convidada para dar uma palestra a um time de futebol brasileiro sobre como o uso de telas durante os treinos pode diminuir o rendimento. “Fui mostrar a eles as áreas do cérebro que precisam trabalhar o movimento e que também são recrutadas pelas telas. Essas áreas são responsáveis pelo controle inibitório e pela censura”, afirma. Ela explica que as duas atividades acabam disputando os mesmos neurotransmissores e a quantidade de fluxo de glicose que existe nesta área do cérebro, o que pode diminuir o rendimento na atividade física.

Uma das pesquisas utilizadas em seu doutorado mostra que mesmo crianças e adolescentes que fazem atividades físicas e se dedicam às telas por mais de quatro horas por dia para lazer não conseguem uma melhora na saúde mental, porque, muitas vezes, a prática é atravessada pela dependência da tecnologia. Já aqueles que fazem atividades físicas e têm menos tempo de tela conseguem uma melhora no bem-estar.

Em relação às crianças, Renata tem uma grande preocupação: usar as telas muito cedo pode dificultar o desenvolvimento de habilidades manuais, um risco que pode influenciar na diminuição da conectividade cerebral em áreas que levaram milhões de anos para se desenvolverem. 

Ela defende que um dos fatores que nos difere de outras espécies é justamente a nossa capacidade de usar as mãos. “A gente ganhou uma região no cérebro que se especializou não só no movimento, mas na tomada de decisão, no controle inibitório, no pensamento complexo; e, agora com as telas, a criança pega um tablet e só precisa usar um dedo para desenhar. Não coloca força no papel e perde o que a gente chama de háptica”, pontua.

A terapeuta ocupacional explica que háptica é a habilidade de perceber os objetos por meio do toque e da propriocepção [capacidade do corpo de perceber sua posição e movimento no espaço]. Isso nos permite, por exemplo, reconhecer um objeto sem precisar vê-lo. “Já escutei relato de mãe que disse que levou a filha a um aniversário, ela recebeu uma bola e não sabia o que fazer, não sabia chutar”, conta. Outro exemplo foi de um vídeo que ela viu na internet de uma criança de aproximadamente dez anos que estava com uma madeira e um serrote e usou a madeira como objeto para serrar.

O medo de ficar de fora 

Em adolescentes e adultos, o uso de telas pode aumentar o adoecimento mental, principalmente, por causa do que se chama Fear of Missing Out (FOMO, ou “medo de ficar de fora”). No caso dos primeiros, eles temem não pertencerem ao grupo, não fazerem parte de um momento em que todos os amigos e colegas estão vivendo. Estar fora dessas atividades compensatórias para o cérebro pode ser adoecedor nessa faixa etária.

Já nos adultos, de acordo com Renata, o medo é o de escolher errado. A pessoa sente que ficou de fora, porque poderia ter escolhido uma opção melhor, o que as pesquisas chamam de Fear of Better Option (FOBO, ou “medo de ter uma opção melhor”). “Ela está sempre procurando uma opção melhor, com medo de se arrepender e de se ver com as consequências daquela decisão”, afirma. 

Com tantas opções, há uma “paralisia decisória” e, para Renata, isso reflete até nos laços afetivos. “Será que é essa pessoa mesmo? Será que eu me caso? Será que eu vou ser um vencedor se eu fizer dessa forma?”, reflete. Renata explica que o medo de ficar de fora, de alguma forma, sempre existiu na humanidade, talvez vinculado ao sentimento de “inveja”, mas antes a quantidade de informação que se sabia sobre as pessoas era limitada, diferente de hoje em que é possível acompanhar a rotina de centenas delas diariamente. 

Longe das redes

“Parece que vivo num ritmo diferente do restante, mais calmo”, afirma Lara Liz Freire

Tanto para os adolescentes quanto para os adultos esse medo de estar de fora aumenta a hiperconectividade, para estar sempre acompanhando o que as pessoas do grupo estão fazendo. Para Lara Liz Freire, 26, designer de experiência do usuário, que nunca precisou trabalhar diretamente com redes sociais, o fato de estar longe delas (Instagram, Facebook, X, Linkedin e Tinder) há quatro anos, dificulta seu acesso a informações. 

“Não é um mundo de mil maravilhas também. Eu fico sem acesso a várias coisas e às vezes tenho dependência de outras pessoas para verem alguma informação que está apenas no Instagram”, afirma. Lara conta que, às vezes, precisa pedir para alguém próximo checar a hora que um artista que ela gosta vai se apresentar, para se programar melhor, por exemplo. 

Para a designer, porém, essa dificuldade de acesso às informações é pequena diante dos benefícios que sente por estar longe das redes sociais. “Consigo gerenciar melhor meu tempo e fazer mais atividades físicas, acredito que as minhas relações são muito mais profundas e que só as verdadeiras prosperam na minha vida. Parece que vivo num ritmo diferente do restante, mais calmo”, descreve.

Essa dificuldade foi relatada também por Flávia e Fernanda, que já condicionaram as pessoas amigas a enviarem a gravação da tela quando querem ver algo interessante. “Acabei ficando muito sem saber do que estava acontecendo na vida dos artistas. E aí eu parava com os meus amigos num final de semana e não tinha o que conversar, porque não estava acompanhando”, Flávia relembra.

A distância das redes também fez com que Lara se tornasse uma “fã do anonimato” e uma “influenciadora de si mesma”, realizando uma busca ativa pelo conteúdo que deseja ler e não sendo uma receptora passiva. “Para além das redes sociais, eu só uso navegador anônimo no computador. Não aceito cookie [pequeno arquivo que um site armazena no computador do usuário para lembrar informações sobre a visita, como dados de login ou itens no carrinho de compras]. Assim, eu faço o possível para que a minha vida não seja rastreada e eu não receba anúncios de produtos”, detalha.

Para ela, o melhor benefício de sair das redes sociais nesses quatro anos foi se sentir mais perto de si e reafirmar seu senso de identidade. “Sinto que estou vivendo de verdade, que eu me conheço, que me valorizo por aspectos que são constituídos por mim e não com base em comparação”, conta. “Não vivo uma vida de aparências. Gosto de mim do jeito que sou, com meus defeitos, e me expresso no mundo com base no que está aqui dentro e não no que vem de fora. Eu sou a minha maior influenciadora.”

O tempo que o amor pede

Lara tem a sensação de que as redes sociais dão uma falsa impressão de intimidade: “Você sabe o que a pessoa fez, onde comemorou seu aniversário, mas é uma interação indireta. Hoje eu me considero uma pessoa que tem muitos amigos, com os quais eu converso e eu sei o que está acontecendo na vida deles, porque eles me contaram e não porque eu vi em algum lugar”, relata. Para ela, sua rede social é a sua rede de apoio, constituída pela sua capacidade de disponibilizar tempo de qualidade para suas interações.

Ela critica o fato de sua geração usar o celular enquanto conversa em um bar, porque acredita que o aparelho interfere na “capacidade de perceber como a pessoa está se expressando, em que ritmo ela está falando”, elementos que considera muito importantes na comunicação. 

“A minha linguagem de amor é tempo de qualidade. Então, para mim, falar de amor é falar para onde eu estou dedicando o meu tempo”. Ela cita a influência de sua espiritualidade no processo de se ausentar das redes: “Sou candomblecista e a forma de passagem de conhecimento é por meio da oralidade. É preciso estar lá, viver aquilo e ouvir os mais velhos para aprender. Não é um conteúdo que vem no ChatGPT, com um resumo de tudo que está se falando”, avalia.

Renata Santos (UFMG): pesquisa de doutorado alerta sobre os efeitos das telas na saúde mental

Além de melhorar os vínculos afetivos, ter mais tempo para si permitiu que Lara pudesse desenvolver mais paciência para fazer trabalhos manuais, como por exemplo pegar uma caixa de miçangas e separar por cores, uma prática que a pesquisadora Renata Santos considera positiva. “Intuitivamente ela está trabalhando áreas do cérebro que trazem recompensa. Costumo indicar trabalho manual, especialmente a jardinagem, porque é muito bom para a saúde mental a gente ver o início, o meio e o fim de um ciclo, como colocar uma semente e ver uma planta crescer”, explica.

Já para a servidora pública Flávia, a saída das redes sociais permitiu que ela tivesse um olhar mais grato sobre a vida e conseguisse aproveitar o que, de acordo com ela, tem de mais precioso, depois da saúde, que é o seu tempo. “Tenho a certeza que nem tudo o que se retrata e se publica é a realidade. Isso me trouxe maior gratidão às pequenas vitórias e alegrias do dia a dia, reduzindo a ansiedade de fazer parte de um todo modelado por poucos, com um interesse, na maioria das vezes, financeiro”.

Atenção para os sinais do excesso de telas

  • Irritabilidade e impaciência 
  • Dificuldade de concentração e de prestar atenção a uma conversa mais complexa
  • Necessidade de trocar rapidamente de assunto
  • Tendência a sentir frustração com facilidade
  • Problemas com o sono 

Tempo de tela para entretenimento indicado para crianças e adolescentes 

  • 0 a 2 anos: sem telas
  • 2 a 5 anos: 1h 
  • 6 a 11 anos: 1h30 
  • 11 a 18 anos: 2h

Dicas para uso consciente das telas

  • Evite usar telas uma hora antes de dormir
  • Invista em atividades manuais, como jardinagem e pintura
  • Evite as telas enquanto se alimenta
  • Estabeleça horários para checar as redes sociais
  • Crie metas (Exemplo: hoje vou assistir a dois episódios da série que acompanho. Usar as telas sem objetivo pode causar estresse, porque dificulta o cumprimento de atividades previamente desejadas)
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