Em julho aconteceu a 12ª Conferência da International Aids Society sobre Ciência do HIV (IAS 2023), em Brisbane (Austrália). O evento reuniu sociedade civil, ativistas, formuladores de políticas, doadores e cientistas, que compartilharam as mais recentes descobertas científicas e discutiram ações que possam impulsionar a pesquisa e garantir equidade nos seus resultados. Também em julho foi lançado o mais recente relatório da Unaids, com dados atualizados sobre a doença. Radis reúne aqui alguns destaques sobre as discussões mais recentes sobre HIV/aids.
- O relatório O Caminho que põe fim à aids, lançado pela Unaids em 13 de julho, afirma que erradicar a doença até 2030 é possível, mas depende de escolhas políticas e financeiras. O documento aponta que países que já seguem esse caminho obtiveram resultados extraordinários, como Botsuana, Essuatíni, Ruanda, República Unida da Tanzânia e Zimbábue já alcançaram as metas 95-95-95. Isso significa que 95% das pessoas que vivem com HIV nestes países conhecem seu status sorológico; 95% das pessoas que sabem que vivem com HIV estão em tratamento antirretroviral; e 95% das pessoas em tratamento estão com a carga viral suprimida.
- O Brasil alcançou apenas uma destas metas (95% das pessoas em tratamento com carga viral suprimida) e tem índices medianos nas outras (83, em cada). O documento aponta como principal obstáculo a ser ultrapassado a manutenção de desigualdades, que impedem que grupos em situação de vulnerabilidade tenham acesso a recursos de prevenção e tratamento.
- Os números sobre a doença em 2022 no mundo, no entanto, são preocupantes. O documento sinaliza que a cada minuto uma pessoa morreu em decorrência da aids; cerca de 9,2 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao tratamento, incluindo 660 mil crianças que vivem com HIV. A situação é mais preocupante na África subsaariana, onde são atingidas com maior força mulheres jovens e meninas. A íntegra do relatório pode ser lida em https://bit.ly/unaids2023.
- Documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e revisão sistemática publicada na revista Lancet ratificaram informação que já era consenso entre cientistas. Pessoas em tratamento que têm carga viral indetectável têm zero risco de transmitir o vírus HIV para seus parceiros (Radis 205). A OMS também enfatizou a importância de expandir a testagem em países de baixa e média renda, onde o acesso a testes é restrito, como medida para reduzir a transmissão do HIV — incluindo o incentivo à autotestagem.
- Estudos relacionados ao projeto ImPrEP (INI/Fiocruz) foram destaque no IAS 2023. Mayara Secco recebeu o prêmio da Agência de Doenças Infecciosas Emergentes (ANRS), da França; o artigo de Thiago Torres foi premiado como um dos mais acessados no Journal of the International AIDS Society (JIAS), revista de altíssimo impacto; e o trabalho de Lucilene Freitas, que analisa desigualdades de raça, foi selecionado para apresentação oral. (Confira detalhes https://bit.ly/ininoias2023).
- Pesquisadores do INI/Fiocruz apresentaram na IAS 2023 dados sobre o estudo que planeja a implementação da Profilaxia de Pré-exposição (PrEP) de longa duração, com o uso injetável do medicamento cabotegravir — indicada para pessoas que por algum motivo não conseguem adesão à PrEP oral. A Unitaid financia o projeto, mas ainda é esperada a chegada do medicamento, em setembro de 2023, para o início do estudo no país.
- Estudo apresentado na conferência mostrou que a PrEP de longa duração é o método de prevenção mais procurado pelas mulheres cisgênero em vários países africanos. A pesquisa mostrou que entre 10 mulheres entrevistadas em sete países, oito delas preferem o uso do medicamento injetável à ingestão diária de um comprimido.
- Durante a IAS 2023, também foram apresentados resultados do estudo Reprieve, com o uso da estatina. A estatina é um medicamento utilizado para controlar dislipidemia (colesterol alto, triglicerídeos altos), e que também vem sendo usada em um grupo de pessoas que estão em tratamento contra o HIV. Os resultados mostraram redução de 30% na mortalidade de pessoas com HIV por causas cardíacas, entre aqueles que usaram o medicamento.
- Outro destaque da conferência em Brisbane foram os estudos sobre injetáveis de longa duração para tratamento do HIV. Diretora do INI/Fiocruz, Valdiléa Veloso, lamentou que estes estudos ainda não tenham chegado ao país (Leia entrevista aqui), já que a tecnologia seria uma importante ferramenta de tratamento para grupos que por alguma razão não aderem à medicação oral.
- Na conferência também se discutiu o uso dos anticorpos monoclonais, tanto para tratamento, para cura e para prevenção. Para Valdiléa, essa é uma fronteira que está se expandindo rapidamente nos estudos do HIV, tecnologia que avança também em outras áreas, como a de doenças reumáticas e malária.
[Leia entrevista completa com Valdiléa Veloso]
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