Os longos meses da pandemia de covid-19 fizeram Maura Elisa Derossi Nascimento, psicóloga e especialista em Dependência Química, Álcool e Outras Drogas, perceber uma alteração no comportamento de algumas pessoas que frequentam o hospital onde ela atende, em Rio das Ostras, município do litoral norte fluminense. “Meus pacientes referem aumento de uso do álcool, até mesmo incluindo seus cônjuges. Às vezes, enxergam isso como algo positivo, que aproxima o casal. Outras vezes veem com certa preocupação de que os parceiros também criem uma relação de dependência”, conta. Nos relatos ouvidos no consultório, ela também identifica a preocupação de que os filhos estejam observando o comportamento dos pais que fazem do álcool uma companhia para o dia a dia — e, com isso, possam vir a imitar esse hábito no futuro.
Os dilemas narrados pela profissional de saúde ocorrem em um período adverso e inédito vivenciado com a pandemia do novo coronavírus, desde março de 2020. Para Maura, ainda não conseguimos dimensionar o impacto das mudanças bruscas de comportamento no âmbito pessoal e coletivo. “Os indivíduos e a sociedade não são mais os mesmos. Em momentos de tensão, tristeza, incertezas, há uma tendência de aumentar o consumo de álcool, como um escape, uma possibilidade de relaxamento”, avalia.
O que Maura percebe no dia a dia foi comprovado pelo estudo “ConVid Pesquisa de Comportamento”, coordenado pela Fiocruz, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para entender como a pandemia afetou a vida dos brasileiros. O levantamento, realizado entre 24 de abril e 24 de maio, revela que 18% dos mais de 45 mil participantes afirmaram ter aumentado a ingestão de bebidas alcoólicas durante a pandemia, que naquele período passava pelo auge das prescrições de isolamento social, mas ainda estava em seus primeiros meses. Para Celia Landmann Szwarcwald, pesquisadora da Fiocruz e uma das coordenadoras do estudo, os resultados só confirmam o que a literatura científica já vinha apontando. “Na ConVid, encontramos de fato aumentos no uso de bebida alcóolica”, pontua.
Embora o álcool seja uma droga lícita no Brasil e bastante ingerida em momentos de descontração, festividades, eventos sociais e até religiosos, o consumo exagerado pode acarretar problemas à sociedade sendo, inclusive, fonte de preocupação recorrente por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS). Episódios adversos, como acidentes de trânsito, violência doméstica e até mesmo homicídios podem ser potencializados com o uso de substâncias psicoativas, como o álcool, cujo acesso é extremamente facilitado, apesar de regras e políticas formuladas para regulamentar sua comercialização e consumo. Situações de excepcionalidade, como a pandemia de covid-19, são capazes de intervir no funcionamento do tecido social. “Os resultados da pesquisa mostraram o grande impacto socioeconômico trazido pelas medidas de restrição social, danos à saúde física e mental, além da adoção de hábitos não saudáveis”, avalia Celia.
Combinação perigosa
Cerca de 5% do total de mortes no Brasil, entre 2010 e 2017, foram relacionadas ao álcool, como alertou o estudo “O álcool e a saúde dos brasileiros — panorama 2020”, desenvolvido pelo Centro de Informação sobre Saúde e Álcool (Cisa), a partir de dados da OMS. O índice reflete uma tendência mundial. Segundo o Relatório Global sobre Álcool e Saúde da OMS, estima-se que no Brasil a ingestão de bebidas alcoólicas esteve associada a quase 37% dos acidentes de trânsito envolvendo homens e 23% com mulheres em 2016. “Os principais estudos sobre o tema, como a pesquisa de cargas de doenças da OMS, não deixam dúvidas: o álcool é a substância mais associada, direta ou indiretamente, a danos à saúde que levam à morte”, afirmou, em setembro de 2019, Francisco Bastos, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fiocruz (Radis 204).
Estudos do Cisa, apoiados em estatísticas e relatórios da OMS, demonstram que o uso prejudicial do álcool é responsável por 7,1% da carga global de doenças para homens e 2,2% para mulheres. O álcool é ainda o principal fator de risco para mortalidade prematura e incapacidade entre aqueles com idade entre 15 e 49 anos, sendo responsável por 10% de todas as mortes nessa faixa etária. Populações desfavorecidas e especialmente vulneráveis apresentam taxas mais altas de morte e hospitalização relacionadas ao álcool.
Com base na pesquisa ConVid, a pandemia e seus desdobramentos reforçam a preocupação sobre como os brasileiros têm lidado com esse consumo e que consequências sociais poderão surgir a longo e médio prazo. “Em um contexto de pandemia, as diversas consequências do uso nocivo de álcool só se intensificam, tendo em vista que esse uso ocorre em situações diferentes das quais estávamos habituados”, relata Lucas Sisinno, cientista social que atualmente pesquisa os efeitos de diferentes padrões de uso de álcool em sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fiocruz.
Fuga da realidade
Para André Helgibier, médico psiquiatra e coordenador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), outros momentos de grande tensão na história da humanidade também acarretaram aumento da ingestão de bebidas alcoólicas. “Existem, na literatura, vários estudos que mostraram que episódios de estresse, ameaça ou catástrofes tiveram associação com o aumento do consumo de álcool em algumas populações específicas. Como a queda das torres gêmeas, o furacão Katrina e outras epidemias, como a H1N1 e a gripe aviária”, pontua. Em alguns casos, o aumento no consumo foi temporário. “Algumas pessoas depois desse processo voltaram a uma ‘normalidade’, mas quando você tem um comportamento de estresse ou de ameaça, os mais vulneráveis são mais suscetíveis [à dependência]”, alerta.
Na visão de Eugênio Lacerda, psicólogo do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Farias, da Fiocruz, em Manguinhos (RJ), o recurso da utilização do álcool para fugir de uma realidade incômoda consiste em motivo de preocupação. “Se a pessoa bebe com a intenção de diminuir a consciência de uma realidade difícil, ela está justamente buscando sair da realidade e aí o álcool começa a ser utilizado no caminho do abuso. Quando o efeito do álcool passar, a realidade difícil vai continuar”, pondera.
Entre consumo e dependência
E quando a ingestão de bebida alcoólica sai do âmbito recreativo, do lazer, e pode se tornar uma questão de saúde mental? De acordo com a OMS, em 2017, 78,6% da população brasileira já havia consumido bebida alcoólica alguma vez na vida e 40,3% se declarou bebedora atual. Esses índices, adicionados à estimativa de alta no consumo em virtude da pandemia e do isolamento social, justificam a preocupação sobre motivação, frequência e quantidade em que essa ingestão tem ocorrido. Em muitos casos, é difícil até para os próprios indivíduos perceberem que podem estar perdendo o controle. Por isso, alguns sinais servem de alerta.
André explica que o grau de importância que o álcool recebe nos momentos de lazer e programações sociais já pode ser um dos indicadores. “Quando a pessoa começa a vincular a bebida a várias situações do cotidiano e valorizá-la como único estímulo social, a gente precisa acender o alerta”, considera. Segundo o médico psiquiatra, quando existe equilíbrio entre as atividades que envolvem o álcool e outras do cotidiano, é possível considerar o consumo como uso social. “Agora, quando todo o foco desse aspecto social começa a ficar em torno da bebida — ou seja, mesmo que eu vá ao cinema, eu gosto de beber antes ou depois, ou quando escolho meus amigos é baseado naqueles que valorizam a bebida —, eu começo a fazer uma compreensão muito ampliada do papel da bebida na minha vida”, adverte.
Em todo o mundo, 3 milhões de mortes a cada ano resultam do uso nocivo de álcool, o que representa 5,3% de todas as mortes
A mesma preocupação é relatada por Eugênio. “Eu diria que o uso moderado só caberia se a pessoa usasse dentro de um momento em que ela diminui um pouco a censura, relaxa um pouco e pode dançar mais, brincar, ficar um pouco mais leve. Quando começa a afetar a consciência, a gente já tem que prestar atenção porque podemos estar falando de abuso”, analisa. O psicólogo ressalta ainda a frequência e a intensidade com que tal situação se repete como outro parâmetro. “As pessoas já planejam ficar alcoolizadas e, normalmente quando há esse planejamento, elas já preveem ficar muito alcoolizadas. Quando a pessoa começa a desejar e aquilo passa a ser vital, a gente já está entrando em outro quadro”.
Já na visão de Maura, a constância também requer atenção. “De gole em gole, de brinde em brinde, o consumo pode ser mais frequente. Diário até. E em quantidades cada vez maiores. O organismo fica tolerante ao álcool. Se temos um ritual de frequência de uso e tolerância, com certeza já é um alerta para o risco de dependência”, explica. André ratifica a informação da psicóloga ao afirmar que as classificações em relação ao álcool não são tão óbvias. “Muitas vezes, as pessoas que mais toleram o álcool são as que tendem a ter mais problema com a dependência. Estar ou não embriagado não é o melhor indicador”, acrescenta. Segundo ele, o organismo dessas pessoas tende a absorver frequentemente uma carga grande de álcool em comparação a outras que se embriagam com uma quantidade menor da substância e, consequentemente, tendem a parar antes.
Por ser um aspecto muitas vezes comportamental e subjetivo — até de fato gerar sinais fisiológicos —, os profissionais destacam a dificuldade em determinar que tipo de consumo esteja sendo feito em cada situação. “É uma zona cinza, não há um marcador claro, como na diabetes, que se você passa de um determinado parâmetro está com a doença. Com a dependência química é diferente”, ressalta André.
O bar veio para casa
Quando os bares começaram a ter restrições de atendimento e até mesmo por um período fecharam suas portas, com o início da pandemia, as pessoas passaram a beber mais em casa. Também explodiu o delivery de bebidas alcóolicas. “Muitas pessoas usaram aplicativos de entrega pela primeira vez para pedir bebidas”, relata André. A partir disso, observam-se dois fenômenos: um com viés positivo, que é a diminuição da combinação perigosa e muitas vezes trágica entre bebida e direção no trânsito, e outra negativa, com os problemas decorrentes da bebida no ambiente familiar, como também ressalta o coordenador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
“Quando a gente coloca a bebida dentro de casa, a família é um fator de contenção mais fraco do que outras convenções sociais e isso amplia o risco de as pessoas beberem mais, gera violência doméstica, interfere na convivência com os filhos. Começa a haver zonas de atritos”, ressalta André. Segundo ele, há o risco de violência doméstica e uma piora nas relações. “Mesmo que não atinja a violência física, a convivência com a pessoa sob o efeito de álcool acaba incomodando mais. Tenho recebido várias reclamações nesse sentido”, adverte.
Instâncias sociais reguladoras e inibidoras do consumo desenfreado de álcool, como o trabalho, também perdem força à medida que a sociedade vai se adaptando e reconfigurando seus códigos de conduta. “O trabalho home office parece que veio para ficar. E o velho happy hour foi substituído pelo delivery. O bar, ao fim do dia de trabalho, agora chega à residência”, reflete Maura. De acordo com a psicóloga, há relatos de uso diário de substâncias alcoólicas, inclusive durante o horário de trabalho. “Sem patrão e câmeras de seguranças, este consumo acaba sendo mais estimulado. Tal comportamento, no futuro, pode levar ao estabelecimento de dependência química”, conclui.
Paralelamente a esse novo panorama imposto pela covid-19, em abril deste ano, a quantidade de denúncias de violência contra a mulher recebidas no canal 180 deu um salto: cresceu quase 40% em relação ao mesmo mês de 2019, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH). Diversas ações e campanhas do governo e entidades da sociedade civil vêm sendo realizadas no intuito de dirimir os abusos e violências decorrentes da pandemia e seus efeitos. “O aumento da violência interpessoal, principalmente da violência contra a mulher, é uma das principais preocupações quando pensamos nas consequências do isolamento social e as possíveis associações com o aumento do uso de álcool em contextos domésticos”, afirma Lucas Sisinno.
Iniciação precoce
Outro fator alarmante, agravado pela pandemia e alertado pelos especialistas, é a iniciação cada vez mais prematura do contato com o álcool, muitas vezes na adolescência. “Eles não tomam de vez em quando um porre, eles tomam regularmente muitos porres. Esse é um grupo de alta vulnerabilidade”, ressalta Eugênio, ao comentar os riscos que envolvem o abuso de bebidas alcoólicas antes da fase adulta, em um período naturalmente marcado por descobertas, mudanças e conflitos. “Mexe com o desenvolvimento do Sistema Nervoso Central, que ainda está em formação, com a vida social, com a organização do psiquismo, que está passando da infância para a vida adulta”, completa.
Maura também problematiza a ingestão precoce e exagerada de álcool, lembrando que apesar de existirem regras que deveriam evitar o consumo de bebida nessa faixa etária, os apelos e a falta de fiscalização adequada são fatores que tornam o convite à prática ainda mais atraente. “Álcool e adolescência levam a uma mistura explosiva. Vivemos numa sociedade consumista, que cria necessidades de consumo. O adolescente é uma presa fácil destes apelos comerciais”, afirma. Segundo ela, as bebidas são apresentadas de forma atraente, quase inocente. “São líquidos coloridos, em garrafas pequenas, e com sabor bastante agradável. Quase impossível resistir. Se o bar é rigoroso e deixa de vender bebida ao menor, o mesmo encontra sua bebida favorita nas prateleiras de qualquer supermercado. Para os adolescentes, se não tiver consumo de bebida alcoólica, não é balada”.
Estímulo social e políticas públicas
“O Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja, em que o consumo médio é de aproximadamente 60 litros por pessoa a cada ano. Há um contexto de permissividade no que diz respeito às propagandas de cerveja no país em contrapartida à regulamentação destinada às demais bebidas alcoólicas e ao tabaco, por exemplo”. A constatação é de Carolina Aires, psicóloga e coordenadora técnica do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Magal, no Rio de Janeiro. Ela ressalta que o uso abusivo de álcool pode trazer danos pessoais, econômicos e sociais. “Estima-se que os gastos do Governo Federal relacionados ao uso prejudicial de álcool, incluindo atendimentos a pessoas envolvidas em acidentes de trânsito, podem chegar a mais de quatro vezes o orçamento do Ministério da Saúde”, revela.
Apesar dos problemas relatados e conhecidos, o governo brasileiro não lançou mão de políticas públicas específicas sobre a comercialização de bebidas alcoólicas durante a pandemia, com exceção das restrições em bares aplicadas por autoridades locais. Países como a África do Sul restringiram e dificultaram esse acesso, como aponta estudo do Cisa. Em março, como parte das estratégias de enfrentamento à covid-19, o governo anunciou uma série de limitações na venda, distribuição e transporte de bebidas alcoólicas. O álcool não foi incluído na lista de bens e serviços essenciais que poderiam ser adquiridos durante o período de lockdown. “A justificativa seria que o declínio esperado de acidentes e agressões, devido à proibição de compra do álcool, liberaria o espaço necessário nos hospitais durante a crise de coronavírus”, afirma o estudo.
No Brasil, o forte estímulo da mídia soma-se à ampla oferta de aplicativos de entregas em domicílio e dezenas de lives de cantores patrocinadas pelo ramo de bebidas, na Internet. São incentivos adicionais para quem já estaria confinado e vivendo momentos de incertezas e até mesmo de luto. “Em momentos de vulnerabilidade emocional, se as pessoas entram por aí como escape, é quando aumenta o risco, porque isso passa a se constituir como algo corriqueiro, normal, que faz parte dos hábitos”, reforça Eugênio. Já André comenta ainda sobre o aspecto cultural e o vínculo identitário que o brasileiro possui com a bebida. “O Brasil sempre foi um país muito tolerante a esse estímulo, ao uso que se mistura com nosso ‘jeito brasileiro’ de ser afetivo, de abraçar. Sempre se criou esse estímulo de comemoração e prazer associados”, avalia.
Efeitos pós-pandêmicos
O que aprender com a pandemia e qual a perspectiva em relação ao abuso de álcool? André acredita no potencial de ações preventivas a partir da identificação de populações mais suscetíveis à dependência da substância em situações de estresse emocional. “O que acontece hoje é que as pessoas que são mais frágeis no sentido de vulnerabilidade em como lidar com o estresse acabaram aumentando o consumo e provavelmente algumas delas vão ter aberto um quadro de dependência que poderia não existir se não houvesse a pandemia.” Segundo ele, as pessoas que atuam no combate à covid — como médicos, enfermeiros e fisioterapeutas —, além daqueles que sofreram perdas familiares ou econômicas com a pandemia, são pessoas com alto risco de desenvolverem alguma dependência.
Sobre o porvir, Eugênio prevê consequências adversas, caso não ocorra uma mudança de rumo, especialmente em relação ao tempo e à quantidade do consumo abusivo na vida das pessoas. Na sua percepção, a covid-19 pode contribuir com esse cenário. “As pessoas que beberam mais [durante a pandemia] talvez tenham mais problemas depois para parar, para mudar o hábito e retomar outra maneira de lidar com as situações”. O psicólogo afirma ainda ter observado em congressos de saúde mental projeções preocupantes para o futuro dos jovens. “A gente vai lidar com uma geração extremamente abusadora. Talvez o pós-pandêmico contribua mais um tanto para isso, pois tivemos pessoas que enveredaram mais ainda agora”, conclui.
Eugênio demarca também que existem diferentes relações com o álcool e que certamente nem todas evoluem para um problema de saúde. “Existe o usuário, o abusador e o dependente. E eu também gosto de usar uma quarta categoria, que chamo de degustador”, classifica. Segundo o psicólogo, é uma transição perigosa, quando a pessoa não pode ficar sem — ou tem que beber toda semana ou todo dia. “E beber para alterar um tanto a consciência. Não é tomar sua taça de vinho diariamente, de boa, na hora do seu jantar”, esclarece. Para André, entretanto, reconhecer a quebra desses limites é um marcador importante para procurar ajuda, quando o consumo passa a prejudicar as relações e a vida das pessoas. E muitas vezes o aviso pode vir de quem está de fora.
“A primeira reação em geral é a defesa. A pessoa sempre tenta negar o que está sendo colocado. Então, no primeiro momento a gente orienta: não responda. Ouça, reflita e reveja a sua relação com a substância quando alguém fala isso para você [que está bebendo além da conta]”, afirma o psiquiatra. Ele lembra que existem questionários utilizados na clínica que perguntam se alguém ao redor já fez uma crítica ou sugestão em relação à bebida. “No geral, o ambiente externo é o primeiro alerta”, pondera, mencionando também a existência de sites e aplicativos que podem ajudar no monitoramento e aferição parametrizada do tipo de utilização que tem sido feita do álcool.
Uma vez identificada a necessidade de ajuda profissional, ele aconselha que a primeira busca, sempre que possível, seja junto a um médico de confiança e que já pertença a seu convívio. “Muitas vezes a gente orienta a procura por um profissional de saúde que tenha maior vínculo com a pessoa, porque às vezes só o fato de precisar marcar uma consulta com um novo médico já dificulta. A partir daí, se realmente não tiver controle, deve-se procurar profissionais mais qualificados e específicos para um tratamento adequado”, afirma.
Iniciativas de apoio
O SUS oferece atendimento universal, por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS), para quem deseja realizar um primeiro atendimento. Além das consultas com profissionais de saúde, existem outras iniciativas gratuitas para busca de tratamento e auxílio, como os Alcoólicos Anônimos (AA) e, em situações mais agravadas, os CAPS. Com a pandemia, o AA criou uma reunião nacional diária on-line, sempre às 20h, e que pode ser acessada pelo site: www.aa.org.br. Já os CAPS oferecem atendimento interdisciplinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros, sempre incluindo a família e a comunidade nas estratégias de cuidado.
Carolina explica que “diante da rede, o CAPS é o coordenador do cuidado e foi desenvolvido no contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira para fazer frente à lógica de cuidado manicomial”. O acesso ao serviço pode ser feito por demanda espontânea, mas principalmente por intermédio de uma unidade de atenção primária ou especializada, por encaminhamento de uma emergência ou após uma internação clínica/psiquiátrica. O CAPS AD é a subdivisão que cuida da dependência de álcool e drogas.Embora o cenário pandêmico seja incerto de uma maneira geral, o cuidado com a saúde mental deve ser valorizado. Para isso, manter a lucidez, restringindo o consumo de substâncias tóxicas, bem como praticar atividades e cultivar hábitos que melhorem o desempenho do organismo são alternativas a serem buscadas. Para Célia Landmann, somente outra pesquisa, realizada nos moldes da ConVid após a pandemia, poderá mensurar consequências mais permanentes. “O consumo de álcool é considerado um fator que propicia a integração entre os indivíduos, o enfrentamento de situações novas e desafios, e para abstração de problemas. Ao mesmo tempo, não há regulação da promoção do álcool, a compra de bebidas alcoólicas é feita sem restrições, e há falta de informação da população sobre os problemas causados à saúde. De modo que só fazendo outra pesquisa para sabermos”, pontua. Até lá, a busca constante pelo equilíbrio pode nos ajudar a passar por esse momento com o copo meio cheio em nossas mãos.
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