Neste ano, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra completa 40 anos de sua fundação, ocorrida após a ocupação de terras improdutivas no Rio Grande do Sul. Inicialmente, reunia famílias expulsas do trabalho no campo pela concentração da posse de terras e pela mecanização das lavouras, que desejavam ter seu pedaço de terra para plantar e prosperar. Com o tempo, o MST se tornou referência para a conquista de outros direitos e um exemplo de organização social bem estruturada, sendo considerado hoje o maior movimento popular da América Latina.
O Programa Radis identifica o vínculo das lutas do MST com a saúde desde 1988, quando o nosso jornal Proposta reportou o quanto aquela organização de base, tão incipiente quanto sólida, contribuiu para impulsionar a descentralização da saúde na cidade gaúcha de Ronda Alta. Uma multidão acompanhou entusiasmada em praça pública a assinatura do convênio entre Inamps e Secretaria Estadual de Saúde do RS para compartilhar recursos e meios na estruturação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde. O SUDS foi um passo importante para implantação do Sistema Único de Saúde na década seguinte.
Em 2009, o editorial “Terra é saúde” de Radis reconheceu as contribuições do MST para a saúde ao lutar por terra, trabalho digno e liberdade, além de moradia, educação, saúde e igualdade entre homens e mulheres, direitos historicamente negados. Na época, o MST promovia o seu segundo Curso de Saúde no Rio de Janeiro.
Desta vez, Radis enviou a repórter Lara Souza ao berço do MST, o assentamento da antiga fazenda Annoni, transformado numa comunidade aprazível e celeiro agroecológico no município de Sarandi, vizinho a Ronda Alta. A reportagem mostra aos leitores impressionante produção agrícola, economia solidária, replantio de árvores e avanços na educação crítica, do ensino fundamental integral até a graduação. Registra ainda a memória e a história daqueles que seguem lutando nesse projeto coletivo de conquista de cidadania e por um mundo mais justo e sustentável.
“O MST se tornou referência para a conquista de direitos e um exemplo de organização social bem estruturada.”
O MST representa hoje 400 mil famílias assentadas e 70 mil acampadas em 24 estados do Brasil, com 185 cooperativas, 1,9 mil associações e 120 agroindústrias. Na última colheita, foram produzidas 16 mil toneladas de arroz orgânico. A produção de leite chega a 7 milhões de litros por dia. Mais de 50 mil famílias têm produção completamente agroecológica.
Nesta edição, o leitor vai conhecer detalhes da pesquisa de doutorado da USP sobre a história do uso de plantas medicinais, que discute a sua utilização no SUS e os dilemas da industrialização dos fitoterápicos. O estudo resultou na publicação de um livro e na criação do Acervo Museológico da Fitoterapia Pública Brasileira.
O inaceitável caso do laboratório privado que emitia laudos falsos para sangue contaminado com HIV, vitimando pacientes do programa de transplantes do SUS, reacende críticas à privatização da saúde e à comercialização do sangue e seus derivados, proibida pela Constituição.
Leia na Súmula sobre nova variante da covid-19, medicamentos para doenças negligenciadas e tecnologia que bloqueia a replicação de vírus de dengue, zika, chikungunya e febre amarela nos mosquitos. Guia do Ministério da Saúde orienta como atender casos de ondas de calor, inundações e secas extremas. IBGE constata que 12,2 milhões de crianças e adolescentes brasileiros não têm acesso a esgoto e 2,1 milhões vivem sem água tratada. OMS afirma que vacinas poderiam salvar mais de meio milhão de vidas por ano no planeta. Artigo na sessão Pós-Tudo lembra que a covid-19 ainda é “uma questão de memória, verdade e justiça”.
Análise das eleições municipais, marcadas pelo crescimento do voto conservador, mostra um aumento da representatividade de grupos minoritários, como a população LGBT, com a eleição de 241 pessoas autodeclaradas LGBTQIA+. Aumentou também a representação indígena, com 256 pessoas eleitas. Por outro lado, o direito dos povos originários à demarcação de suas terras continua ameaçado pelo Congresso Nacional ao legislar com base no preceito do “marco temporal”, já definido como inconstitucional pelo STF.No mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra, a repórter Luíza Zauza e o subeditor Glauber Tiburtino nos trazem um belo e tocante perfil de um ícone feminista e antirracista, a ativista mineira Lélia Gonzalez, que é referência mundial em estudos sobre gênero, raça e classe. Sua biografia, narrada por familiares à Radis, revela uma mulher à frente do seu tempo histórico, cujo pensamento crítico e interseccional, a produção acadêmica afro-latino-americana e as múltiplas militâncias pelas causas libertárias, democráticas e das identidades vêm sendo finalmente mais bem conhecidas, descortinando realidades e inspirando novas gerações.
■ Rogério Lannes Rocha, coordenador e editor-chefe do Programa Radis
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