Paulo Gadelha era presidente da Fiocruz em 2015, ano em que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu 169 metas, distribuídas entre 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deveriam ser atingidos até 2030 pelos mais de 190 países signatários do acordo que resultou na Agenda 2030 [Saiba mais em https://odsbrasil.gov.br/].
Uma década depois, passados dois terços do prazo entre a formulação e o cumprimento desses compromissos, Gadelha coordena a Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030) e vem participando ativamente dos processos referentes à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), a COP30, que ocorre no Brasil, em Belém, em novembro de 2025.
O evento anual, voltado para acordos ambientais e realizado desde 1995, tem se mostrado cada vez mais necessário para o desenvolvimento sustentável e a manutenção da vida no planeta, diante das emergências climáticas e seus efeitos cada vez mais devastadores. A relação entre saúde, ambiente, clima e desenvolvimento pode até parecer óbvia para quem acompanha essas pautas de perto, mas nem sempre elas foram tratadas de forma integrada.Em entrevista à Radis, Gadelha traça um breve histórico dessa vinculação entre saúde e clima e aborda as estratégias da Fiocruz para contribuir com esses temas. Além disso, explica como a Agenda 2030 e a COP30 também se conectam, valoriza a participação social nesse processo e deixa claro que a COP do Brasil precisa apresentar respostas concretas ao mundo em um momento de crise do multilateralismo. “A ideia de não deixar ninguém para trás é um lema central da Agenda 2030, é a tradução da questão da equidade, é identificar aqueles que estão em situações mais vulnerabilizadas, que necessitam de mais atenção”, afirma.

Saúde e Agenda 2030
Como a Fiocruz se insere no debate entre saúde, ambiente e desenvolvimento sustentável?
A conexão entre saúde e ambiente — e eu diria também, em um sentido mais amplo, entre saúde e desenvolvimento — é uma marca constitutiva da matriz da Fiocruz. Desde o seu processo de criação, esse tema é central, pensando como a saúde pode contribuir para o desenvolvimento do país, o projeto de nação e de Estado e, obviamente, sempre lastreado pelo papel da ciência e tecnologia. Então, ao longo desses 125 anos [de existência da Fundação Oswaldo Cruz, fundada em 1900], essa articulação e as abordagens que tratam desse tema, a começar pela abordagem ecológica, vêm sendo atualizadas até chegarmos ao conceitos mais críticos de desenvolvimento sustentável, determinantes sócio-econômicos e ambientais da saúde e saúde planetária, mas sempre centradas em pensar as interações com o ambiente de forma mais ampla, não só o ambiente natural, mas também o social e o econômico.
Qual a relação desses temas com os determinantes sociais?
A Fiocruz trabalhou muito fortemente — tanto em nível nacional, como em nível global — com a afirmação e o reforço da necessidade dessa compreensão sobre os chamados determinantes econômicos e sociais da saúde, que depois foram sendo integrados e ampliados para também incorporarem a questão dos determinantes ambientais e, para muitos teóricos, há a importância de incluir os determinantes políticos. Ou seja, trabalhar a ideia de que a determinação da saúde envolve o conjunto de fatores que extrapolam o que o senso comum traz como estritamente setorial. A partir disso, esse processo também implicou em um acompanhamento e uma presença muito forte da Fiocruz na própria constituição da Eco92, e depois na Rio+20 (2012), que foi o momento em que se constituíram as bases do que viria ser a Agenda 2030, em 2015.
“Pela primeira vez, por meio de um consenso de mais de 190 países [com a Agenda 2030], tivemos um documento que colocava como mandatório a necessidade de integrar os componentes sociais, econômicos e ambientais”
Qual a diferença dos ODS para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pela ONU entre 2000 e 2015?
Em 2015, quando foi anunciada, a Agenda 2030 expressava um olhar voltado aos problemas contemporâneos da maneira mais completa possível. Pela primeira vez, por meio de um consenso de mais de 190 países, tivemos um documento que colocava como mandatório a necessidade de integrar os componentes sociais, econômicos e ambientais. Isso já é um grande salto, porque antes essas vertentes eram trabalhadas por fóruns e abordagens fragmentadas. Logo, reunir esses três componentes como parte de um todo para pensar a determinação dos problemas contemporâneos foi uma grande vitória. Outro ganho é que a Agenda 2030 trouxe um sentido de universalização frente aquilo que eram os objetivos do milênio [ODM, 2000-2015]. Os oito objetivos do milênio, embora também fossem de grande relevância e três deles estivessem vinculados explicitamente à saúde (mortalidade infantil, saúde materna e HIV/aids, malária e outras doenças), eram muito fragmentados. E a relação desses objetivos, das metas e dos indicadores acordados não tinham abrangência universal e muitas vezes se expressavam mais significativamente na relação entre os países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos, com menor incidência sobre os países de desenvolvimento médio, como o Brasil. Além disso, esses objetivos eram totalmente desintegrados. Não tínhamos o que na Agenda 2030 passou a ser um de seus pilares, a ideia da conexão holística entre os vários ODS. Agora, cada objetivo está articulado num todo.
Esse seria o principal ganho da Agenda 2030?
Esse é um caráter fundamental e ele se aplica universalmente, não só aos países menos desenvolvidos. Aplica-se aos países desenvolvidos, aos países médios, regiões e territórios. Qualquer lugar pode ser objeto dos ODS. A diretriz da localização como condição essencial da aplicação desses Objetivos e a prioridade conferida às populações submetidas a condições de vulnerabilidade traduz esse olhar para a conjunção entre universalidade e equidade. E com um lema que hoje é muito repetido e que muitas vezes as pessoas não associam mais à Agenda 2030: a ideia de não deixar ninguém para trás. Esse é um lema central da Agenda 2030. É a tradução da questão da equidade. É identificar aqueles que estão em situações mais vulnerabilizadas, que necessitam de mais atenção. E para que os objetivos não reforcem a discriminação e a iniquidade, eles têm que atingir fundamentalmente aqueles que mais necessitam.
Isso diz muito sobre o legado dela…
A Agenda 2030, além de ser a referência contemporânea mais significativa de acordos, tem outro grande mérito, que é carregar valores fundamentais. Valores com relação ao que se costuma chamar de “cinco Ps”: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias. Esses valores, junto com todo o arcabouço da Agenda, traduzem os ODS e suas escolhas, quais os desafios centrais no mundo contemporâneo, incluindo o clima, as questões de gênero, de segurança alimentar, saúde etc. Na nossa perspectiva, a Agenda 2030 tem um efeito de provocar outra atitude com relação aos problemas globais e sua tradução ao nível local. Portanto, para nós, o seu valor não é só o recorte temporal de 2030, se os ODS serão atingidos ou não — é muito relevante isso, todo o processo de monitoramento reflete a capacidade de comprometer os países e as sociedades em torno desses objetivos. Porém, para nossa concepção, ela tem um valor permanente de lidar com essas questões de uma forma absolutamente nova no cenário internacional.

A Fiocruz na Agenda 2030
A Estratégia Fiocruz para Agenda 2030 (EFA 2030), que você coordena desde 2017, e a Estratégia Fiocruz para Clima e Saúde — estabelecida em 2024 — conectam diretamente a Fundação à Agenda 2030 e seus ODS. Poderia falar um pouco sobre o processo de criação de ambas as iniciativas?
O 8º Congresso Interno da Fiocruz [cuja plenária ocorreu em dezembro de 2017 e o relatório final foi publicado em junho de 2018] instituiu a Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, por reconhecer esse grande referencial como um dos comprometimentos maiores da instituição e ao mesmo tempo como um instrumento que permitisse a integração de ações no âmbito da própria Fundação, que antes estavam desconectadas entre si. Possibilitou, também, a identificação de lacunas em que a instituição precisa ampliar a atuação em termos de problemas de saúde relevantes e suas conexões com os determinantes socioambientais e ter mais clareza na forma de constituir as redes internacionais e nacionais para atuar com base em um referencial comum. A EFA 2030 tem esse caráter de articulação, indução e conformação de estratégias. Daí o porquê da escolha do nome Estratégia Fiocruz para Agenda 2030: ela não é, obviamente, uma estrutura executiva da gestão. Não se propôs nada que fosse um departamento, uma área executiva, porque não é esse o sentido. E chegamos à criação da Estratégia Fiocruz para Clima e Saúde porque a questão do clima passa a ter uma urgência e uma relevância cada vez maior. A pauta climática, ao se agudizar, se impôs como um tema central hoje.
“Não faz sentido trabalhar a questão climática sem pensar no desenvolvimento sustentável”
Como a Estratégia Fiocruz para Clima e Saúde se desenvolve?
O secretário-geral da ONU, António Guterres, em muitos pronunciamentos, diz claramente que não faz qualquer sentido trabalhar a questão climática sem conectá-la com a Agenda 2030. Traduzindo em outras palavras, não faz sentido trabalhar o tema das mudanças climáticas sem pensar no desenvolvimento sustentável e nos fatores que levam à sua eclosão. Não faz sentido pensar a questão climática sem olhar para os efeitos que ela acarreta sobre a segurança alimentar, a pobreza, a questão racial, étnica e de gênero. São temas que qualificam a tradução desses efeitos e como lidar ao nível da consciência — consciência individual, pública, dos Estados, da sociedade. E essa questão não é meramente retórica. A ONU fez um relatório mundial trabalhando o tema da sinergia entre questão climática e Agenda 2030, no qual ela demonstra em muitos sentidos como podemos desenvolver a conexão entre esses dois referenciais do ponto de vista das intervenções, das pesquisas e da ação. Até porque o clima faz parte também dos objetivos da Agenda 2030.
Como olhar para Agenda 2030 e clima, incluindo também a saúde, de forma mais integrada?
Esse desafio das sinergias é fundamental. Os recortes que a gente faz desses vários instrumentos são muito relevantes, pois eles vão configurando um campo específico de saber e de intervenção, mas são recortes da realidade. Nós tivemos em 2015, por exemplo, três grandes referenciais contemporâneos: o Acordo de Paris, a Agenda 2030 e o Acordo de Sendai, na área de desastres, além do Acordo da Biodiversidade — já existente àquela época — e que se conecta fortemente com a questão climática. E não é à toa que eles acontecem simultaneamente. São recortes em que se delimita o problema e se constrói uma comunidade que está trabalhando em torno deles. Mas não se pode perder a interconexão disso tudo, ao se tratar, por exemplo, da questão climática — que vai além das questões energéticas, das florestas, da biodiversidade e do carbono. Cada vez mais a saúde busca um protagonismo maior nas COPs, porque eram duas áreas muito separadas [saúde e Acordo de Paris ], eram quase duas ‘tribos’, em que a saúde produzia suas reflexões e propostas principalmente dentro das referências da OMS [Organização Mundial da Saúde], dos organismos internacionais e nacionais setoriais, e participava com muito pouco protagonismo na questão climática. Embora a relação entre clima e saúde tenha sido constitutiva da tradição da saúde pública e os efeitos da mudança climática para saúde dos indivíduos e populações fossem reconhecidos.

A saúde na COP30
Em que momento a aproximação entre saúde e clima de fato se consolidou no contexto das COPs?
A saúde se colocar mais como protagonista [na questão climática] se intensificou de fato a partir de Glasgow [COP26, em 2021, na Escócia] e teve um momento alto em Dubai [COP28, em 2023, nos Emirados Árabes Unidos], com o Dia da Saúde, com a Declaração Ministerial e o alerta de que ‘a crise climática é uma crise sanitária’. Apesar de alguns efeitos positivos, esse processo avançou pouco em Baku [COP29, em 2024, no Azerbaijão], sendo um dos pontos relevantes a constituição da Coalizão de Continuidade das Presidências da COP para Saúde, que envolve os países sede das cinco últimas COPs. Esse movimento de busca de protagonismo não chega a obter os resultados que se pretendia e a questão da saúde continua tendo grandes dificuldades de ver as suas propostas serem incorporadas nas declarações finais das COPs.
Como o Brasil pode contribuir para que os temas ligados à saúde possam se destacar na COP 30?
O Ministério da Saúde está fazendo um trabalho excelente, buscando reforçar o protagonismo da saúde dentro da COP30. Tivemos recentemente uma reunião internacional com um grupo de trabalho, que incluía a coalizão dos países das COPs para o campo da saúde, liderada pelo Ministério da Saúde, com várias apresentações muito relevantes de instituições nacionais e internacionais, para discutir as intervenções e propostas que poderiam ser levadas à Conferência. Vai haver outro momento para aprofundar esse processo em julho, quando teremos um evento global de clima e saúde, já ampliando essa discussão e filtrando aquilo que vai ser levado para a COP. Outra coisa, que às vezes as pessoas têm um pouco de dificuldade de compreender, é que o mandato dessa COP não é brasileiro. O fato de uma COP acontecer em um país, e no caso da COP 30 acontecer na Amazônia, obviamente dá a ele contornos e processos importantes, mas o mandato da COP é decidido multilateralmente, já sendo discutido desde a Conferência anterior. Nesse caso, por várias razões da geopolítica e de análise de viabilidade, lastreadas no processo de concertação e possibilidade de negociações internacionais — e frise que nós estamos vivendo um período hipercrítico, especialmente com a política do [Donald] Trump — ela foi definida como uma COP de implementação.
O que essa ideia de ser uma COP de implementação representa ao certo?
É essa ideia de tangibilidade, uma COP de materialidade, no sentido de fazer acontecer ou avançar em pontos que já foram compromissados em outras COPs. Naturalmente, o foco central é sempre garantir a questão de limitar o aquecimento global no marco do Acordo de Paris, que inclusive já ultrapassamos [Acordo entre as Partes, assinado em 2015, na COP21, no qual o aumento global das temperaturas deveria ficar abaixo de 2°C, sendo 1,5°C abaixo do nível pré-industrial. Em 2024, esse limite foi rompido pela primeira vez, quando a temperatura global ficou 1,6°C acima do período anterior à queima de combustíveis fósseis em grande escala]. Mas essa ideia de implementar é a palavra de ordem que se traduz também em outras escolhas. Outro dado fundamental é a prioridade em medidas ligadas à adaptação. O tema da mitigação, por exemplo, perdeu força nessa COP. O Plano Clima e o Plano Setorial do Ministério [do Meio Ambiente e Mudança do Clima], por exemplo, estão centrados mais na adaptação, que é fundamental, porque estamos sofrendo os efeitos do aquecimento global e precisamos nos preparar para prever, minimizar e atuar em todas as dimensões. E a área da saúde tem um papel enorme com relação a isso. Na nossa visão, entretanto, é preciso não perder o sentido mais geral das conexões entre adaptação e mitigação e da relação entre questão climática e desenvolvimento sustentável.
E o que precisamos para avançar nesse sentido?
Outra questão do mandato brasileiro é tentar retomar e recuperar o compromisso em relação ao financiamento para o combate à crise climática. Nós tínhamos em Baku [COP29] a demanda de 1,3 trilhões de dólares e, na verdade, conseguiu-se obter apenas o compromisso em torno de U$300 bilhões. Então, há também todo um empenho para tentar recuperar isso de várias formas, o chamado “Roteiro de Baku a Belém”, que propõe chegar à meta desejada de 1,3 trilhões até 2035. Esse é um dos grandes esforços que o Brasil vem fazendo junto com outros países.
Como o cenário político internacional impacta diretamente as negociações climáticas?
Com a eleição de Trump [nos EUA], isso tudo se torna muito mais crítico. Até porque também vai carregando alguns países que mimetizam ou vão se associando ideologicamente, como é o caso da Argentina [presidida por Javier Milei]. Torna-se muito mais difícil introduzir e negociar certos temas. E a diplomacia tem que trabalhar com essa realidade que impõe limites mais estreitos à busca de consensos. Os movimentos sociais estão querendo trazer a visão mais ampla, as aspirações mais profundas, as questões mais relevantes para o combate às iniquidades, os enfrentamentos que se fazem necessários com relação, por exemplo, aos produtores de energia fóssil, dentre outros temas. Uma COP não pode ser vista exclusivamente pelo seu lado estritamente oficial, do que acontece na “blue zone”, na faixa azul [área restrita da Conferência, onde líderes de Estados se reúnem e as negociações entre as Partes acontecem oficialmente]. Ela tem que ser vista como um ponto de passagem para a mobilização ampla das populações, das sociedades, de países, para se contraporem ao modelo de desenvolvimento iníquo e insustentável, ao negacionismo e encontrarem mecanismos de atuação para a emergência climática. Há um ganho, que pode ser parcialmente traduzido no texto final, mas que exige uma grande mobilização e inteligência política e diplomática.
Como a participação popular tem sido pensada para essa COP?
No caso brasileiro, um componente muito forte, mas que a sua tradução real no processo formal das COPs tem muitas limitações, é justamente reforçar a participação social nesse processo. Isso já aconteceu no G20 [no Rio de Janeiro, em novembro de 2024], que tinha um espaço para ação social, o G20 Social. Nós vamos ter também esse trabalho de mobilização e participação dos movimentos sociais e organizações dentro da COP. Mas esse processo, que tem obviamente influência na própria forma como o governo vai atuando e tentando conformar questões da COP, tem muitas barreiras. A translação disso para o processo da negociação formal e da declaração final das COPs é muito difícil, porque é parte de acordos internacionais entre os Estados. Isso é um problema de extrema complexidade e não é à toa que as avaliações sobre as resoluções das COPs e o que é implementado são frustrantes.

O que esperar da COP da Amazônia
O que podemos esperar da COP30?
É uma questão em aberto ainda e que está em disputa, se o Brasil e os países mais comprometidos com a agenda climática vão conseguir incorporar e constituir avanços significativos na COP. Recentemente, tivemos no G20 uma Declaração da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Esse foi um processo liderado pelo Brasil. Sabemos da capacidade e do peso que o país tem, inclusive por sediar a COP. Nesse sentido, tenho um otimismo regulado, um otimismo cauteloso, porque acredito nesse esforço e no compromisso do Brasil em buscar isso. Além disso, entregou a coordenação a duas pessoas de grande competência, o embaixador André Corrêa do Lago e Ana Toni (presidente e diretora-executiva da COP30), entre outros tantos que estão nesse processo. Outro fator é que a COP já está acontecendo. As pessoas olham como se fosse algo distante, que só vai acontecer no final do ano, em Belém, mas a COP30 já está ocorrendo. Ela está mobilizando uma quantidade imensa de atores e organizações a todo momento, propondo, debatendo e se articulando sobre esse temário. E isso já é um grande ganho. A COP já está produzindo muitos efeitos, que são mais intangíveis e dispersos, e outros bem tangíveis, por exemplo, a conformação de cooperações e projetos comuns entre instituições acadêmicas de vários países, na área de fomento, e, muito especialmente, com os movimentos sociais, com destaque para as populações tradicionais e originárias. Há forte mobilização desse setor.

Como a Fiocruz irá interagir com a Cúpula dos Povos na COP30?
Nós, da Fiocruz, estamos atuando com um recorte da nossa estratégia de clima para a COP30 e discutindo com os interlocutores centrais, tanto da organização, a nível de governo, como também de várias outras instâncias, mas muito também com os movimentos sociais. A Fiocruz tem um acúmulo e uma percepção da necessidade de trabalhar de maneira horizontal e conjunta, parceira na produção em conexão entre conhecimentos científicos e saberes tradicionais, em ações comuns de resiliência climática, por exemplo. E a Cúpula dos Povos, com quem estamos em interlocução, tem capacidade e grande potencial de reunir todos esses movimentos sociais em Belém. Em breve, fecharemos uma maior inserção da Fiocruz e propostas de grande vulto para atuar nesse espaço. Entre outros acertos, além de participação em atividades gerais da Cúpula dos Povos, provavelmente teremos uma tenda para realizar atividades capitaneadas pela Fiocruz. Temos outros projetos, como, por exemplo, com o Saúde e Alegria, que é um movimento muito relevante na Região Amazônica [organização da sociedade civil que atua na Amazônia desde 1987, promovendo o desenvolvimento comunitário sustentável, com foco em comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhas]. Vamos trazer, entre outros temas, a valorização e implementação das tecnologias sociais e da ação nos territórios, incluindo a Vigilância Popular em Saúde.
“Um destaque importante que apresentaremos como legado da COP30 é a criação do Centro de Clima e Saúde de Rondônia”
Sobre a programação, o que é possível antecipar em relação ao papel institucional da saúde na COP?
Pela Fiocruz, estamos definindo a possibilidade de termos pavilhão e atividades na Zona Verde [área da conferência em que não é preciso credenciamento, ocorrem atividades e discussões paralelas referentes aos temas da COP e é aberta à participação popular, do setor privado, estudantil etc.]. Na Zona Azul [onde ocorrem as atividades oficiais da Conferência], iremos integrar a programação liderada pelo Ministério da Saúde, que tem a intenção de realizar um “Dia da Saúde”, a exemplo do que ocorreu em Dubai, além de side events. Vamos ver o que se concretiza, a gente está muito ativo, buscando alternativas e tentando traduzir a nossa participação com os princípios da Estratégia Fiocruz para Clima e Saúde. No texto da estratégia, tem a direção que queremos trazer, começando com o protagonismo da saúde até temas ligados a tecnologias sociais, ao território, à resiliência, ao fortalecimento do Sul para lidar com a agenda do clima e por aí vai. Um destaque importante que apresentaremos como legado da COP30 é a criação do Centro de Clima e Saúde de Rondônia, cujo projeto está em curso. Destaco também, entre uma série de projetos relevantes que integram a Estratégia Fiocruz para Clima e Saúde, a criação do Centro de Síntese sobre Mudança Climática, Saúde e Biodiversidade, sob liderança da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), da Fiocruz. Por fim, estamos também trabalhando com agências multilaterais, instituições de saúde, empresas e organizações que vão estar na COP e querem ter a participação da Fiocruz em intervenções no campo da saúde. Temos um leque muito forte de possibilidades de atuação.
Para finalizar, como tem visto os problemas de infraestrutura em relação à organização do evento, em Belém?
Os problemas centrais que temos observado com apreensão e para os quais o governo brasileiro está extremamente atento são aqueles ligados à logística. E isso está na imprensa. Existe uma expectativa de 60 mil pessoas e há déficits muito significativos para receber esse pessoal, especialmente na área de habitação. Há um processo de especulação predatória com relação aos aluguéis para hospedagem, tanto nos serviços de plataformas, como Airbnb, como nas diárias de hotéis. Na última conversa que tivemos com os representantes do governo, eles estão confiantes de que haverá um um freio de arrumação. O quanto essa medida vai conseguir resolver significativamente esses problemas é uma questão para ser vista ainda. Houve limitações também em Baku [COP29], que enfrentou restrições referentes ao público, pelas questões de capacidade de recepção, embora a demanda não fosse tão intensa como no caso do Brasil, pelo significado do país, com a sede na Amazônia e o que a COP30 significa. Porém, haverá alternativas, embora com grandes limitações, e nós estamos prospectando todas as possibilidades. Volto a enfatizar: a COP30 já está há muito tempo em curso. Em Belém, e também fora de Belém, a Fiocruz trará sua contribuição e deixará sua marca, como sempre fez. Há muitos parceiros que comungam nossos ideais e que nos têm como referência privilegiada. É essa a nossa força e estamos otimizando toda competência coletiva da Fiocruz para que esse potencial se realize plenamente. Certamente, estamos construindo um forte legado para projetos de futuro.
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