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Aos 19 anos de idade, a publicitária gaúcha Caroline Miltersteiner iniciava uma trajetória tipicamente bem-sucedida em uma empresa do ramo de marketing e tecnologia. Com desempenho e dedicação, ascendeu profissionalmente de forma muito rápida e, aos 25 anos, já era sócia do negócio, acumulando funções e atribuições. O que ela não sabia era que a sobrecarga de trabalho a que estava submetida poderia custar sua saúde física e mental ao desenvolver a chamada síndrome de burnout (em tradução livre, queimar por fora ou queimar completamente).

O termo é de origem inglesa, mas seus sintomas e efeitos já acometem ao menos um a cada três trabalhadores brasileiros. Esse dado resulta de um levantamento da International Stress Management Association (Isma-Brasil), realizado em 2019. O índice já alarmante, de 32% da população brasileira economicamente ativa adoecida pelo trabalho, pode ser ainda maior atualmente. Isso porque nos últimos anos a pesquisa nacional da Isma foi adiada devido à pandemia de covid-19. A estimativa de agravamento deve-se ao fato de que as próprias mudanças no trabalho decorrentes do contexto pandêmico também poderão impactar essa estatística.

A décima primeira versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em janeiro de 2022, oficializou o burnout como uma síndrome ocupacional relacionada ao esgotamento no trabalho. Essa deliberação, contudo, ocorreu anos antes, durante assembleia do órgão em 2019. Na CID-11, o burnout passou a ser descrito como uma síndrome “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”. Uma sobrecarga ou situação de conflito no trabalho pode até ser bem assimilada na nova rotina durante um tempo — mas se mal administrado e não solucionado, esse desequilíbrio pode sair do controle e gerar danos à saúde, como adverte a definição da OMS.

Foi o que aconteceu com Caroline Miltersteiner ou, simplesmente, Carol Milters. É dessa forma que ela se apresenta em seu site e redes sociais, em que aborda o tema com base em suas experiências, e como assina seus dois livros dedicados ao burnout. Ao se fundir com uma multinacional norte-americana, a empresa onde Carol trabalhava ampliou exponencialmente sua atuação no mercado e suas responsabilidades também cresceram abruptamente. Ela afirma que de início normalizou a sobrecarga laboral a qual estava submetida.

“Achava tudo aquilo o máximo e pensando que estava fazendo pouco. Quanto mais viagem melhor, quanto mais lotada a agenda melhor, quanto mais correria melhor”, reflete sobre seu pensamento na época. A conta cobrada por um ritmo de trabalho desregulado foi chegando aos poucos — embora a jovem, cuja rotina no escritório era regada a café e energético, não notasse seus efeitos de imediato. “Daí, o corpo começou a dar sinais. O primeiro sintoma que tive, com 26 anos [em 2014], foi uma amigdalite constante, só associada ao trabalho mais tarde. Depois, vieram infecções gastrointestinais, passei a ficar muito nervosa na véspera de eventos importantes, e dali a um tempo notei que passei a tomar uma dose de whisky para relaxar e conseguir dormir melhor”, relata.

Àquela altura, as evidências já iam se manifestando de forma mais direta: “Já não desligava do trabalho, ficava o tempo todo pensando nas responsabilidades do dia seguinte, no que falaria nas reuniões, ficava acordada até duas, três horas da madrugada, virava noites e por aí vai”. A dedicação quase exclusiva ao trabalho foi também uma espécie de escape para Carol, que ao romper um noivado relata ter concentrado sua energia no campo profissional. “Eu me joguei no trabalho e ele me recebeu de braços abertos”, conta, sem saber o que viria logo à frente.

A busca incessante pela produtividade é uma marca do nosso tempo. Esse é um aspecto destacado na obra do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, ao analisar o comportamento social na contemporaneidade e chamá-lo de “Sociedade do Cansaço”, título de sua obra publicada em 2017. O pensador asiático classifica os indivíduos do século 21 como sujeitos de desempenho e produção e faz a seguinte ressalva: “O que torna doente, na realidade, não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo de desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho”. Essa era uma crença de Carol quando pensava que o volume de tarefas cumpridas seria um sinônimo de êxito profissional e atestado de competência. O que, na verdade, pode gerar estresse e adoecimento.

Múltipla jornada e um diagnóstico

Outra história de vida que viria a ser impactada pelo burnout é a de Giselli Duarte. A paulistana — atualmente com 33 anos — atuava na área de marketing e em empreendimentos quando sofreu o primeiro impacto da síndrome, em 2012, sem perceber que sua dedicação profissional estava indo além da conta. “Para nós, que estamos o tempo todo correndo, trabalhando e estudando, parece que ocorre de forma silenciosa, mas só parece. Hoje, percebo que ele foi se desenvolvendo devido ao acúmulo de pequenos desgastes diários”, resume.

Os efeitos provocados pelo burnout foram então deixando suas marcas. “O cansaço vai se tornando uma bola de neve. Um dia você volta para casa do trabalho cansada, no outro dia também e, de repente, você já se acostumou a sentir-se esgotada diariamente”, constata. Giselli revela ter sofrido dois episódios agudos de burnout. O de 2012, quando residia e trabalhava no Rio de Janeiro, e outro em 2018, já em seu estado de origem. A rotina desgastante era uma característica comum em ambos os casos.

Giselli explica que em 2012 era gerente comercial e administrativa em uma empresa de engenharia e paralelamente empreendia em duas outras frentes, fora do horário do expediente formal. “Tive dores no peito muito fortes, crises de ansiedade, angústia, tonturas, insônia, náuseas, perdas de memórias do que eu tinha acabado de fazer, me explodia com as pessoas facilmente, mas nada chegou perto das crises de pânico”, relata.

Seis anos depois da primeira experiência traumática com os efeitos da síndrome, o desgaste ocorreu basicamente devido à rotina exaustiva em uma startup [termo em inglês para se referir a uma empresa “emergente” voltada para desenvolver um modelo de negócios] na cidade de São Paulo. “Em 2018, acordava às 5 horas da manhã todos os dias para conseguir chegar antes do horário combinado, pois era assim que o diretor esperava dos colaboradores. Chegava muito cedo, saía muito tarde e ficava até de madrugada quando era preciso ficar no happy hour da empresa”, narra. Além de um medo permanente de ser demitida, o cansaço típico do burnout também se fez presente. “Eu me sentia incapaz de fazer as coisas. Sentia-me impotente, exausta. Não adiantava passar o feriado descansando, por exemplo, pois continuava muito cansada”, relembra.

Esses sintomas, especialmente a sensação de esgotamento, se agravam conforme a rotina laboral estressante vai se conformando de fato em uma situação típica de burnout, como explica Marcello Rezende, psicólogo do trabalho da Coordenação de Saúde do Trabalhador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo o psicólogo, “no início, até é como se aquela exaustão sumisse enquanto a pessoa está ausente do trabalho. Mas depois, se for crônico, o indivíduo começa a ficar mal em todos os aspectos, então, se continuar por muito tempo nessa condição, contamina todas as áreas da sua vida”.

Quem ratifica essa análise é a presidente da Isma Brasil, Ana Maria Rossi, psicóloga e especialista em tratamento do estresse. “Essa exaustão representa um componente básico individual do burnout. A pessoa se vê sem saída, sem alternativa. E não passa com férias, nem fim de semana. Não é apenas um cansaço excessivo, é uma exaustão em que sair da cama já é um sacrifício imenso”, explica.

“Eu me sentia incapaz de fazer as coisas. Sentia-me impotente, exausta. Não adiantava passar o feriado descansando, por exemplo, pois continuava muito cansada.”

Giselli Duarte.

Relação laboral tóxica

Depois de um período de lua-de-mel com o trabalho, Carol Milters também começou a sofrer com os efeitos deletérios de uma relação laboral nociva à saúde mental. Gradativamente, a jovem executiva foi indicando a sobrecarga física e psíquica gerada pela rotina atribulada. Logo, começou a não se reconhecer mais e a se sentir inapta às funções que exercia. “As pessoas que trabalhavam comigo começaram a reportar mudanças de comportamento, pavio curto e passaram a ter medo de falar comigo. Naquela época, eu comecei a resolver muitos problemas e a agir no modus operandi da adrenalina”, ressalta.

Em seguida, conta que passou a ter dificuldades na execução de suas tarefas e na tomada de decisões. “Me perguntavam o que fazer e eu simplesmente respondia não sei”, recorda. “Hoje, eu entendo que esse cinismo, como chamam, ou despersonalização [desinteresse com o trabalho e com as pessoas relacionadas a ele] também compõe o quadro sintomático de burnout”, explica.

Carol afirma ter tido a sensação de estresse e impotência ampliada devido à inabilidade e falta de acolhimento de seu gestor ao expor sua aflição. Pouco tempo depois, saiu de férias e percebeu que algo errado vinha acontecendo — “meu corpo gritava e eu não escutava”. Ao retornar, os sentimentos negativos e de insegurança em relação ao trabalho se potencializaram e, a partir desse agravamento, resolveu se afastar por um tempo indefinido. “Como sócia, eu não tinha direitos trabalhistas, então pedi uma licença, porque entendi que precisava de um afastamento sabático quando na verdade estava doente”, constata.

Ao se distanciar de suas funções, ela foi percebendo novas formas de lidar com o trabalho. Porém, não teve oportunidade de pôr em prática as novas ideias: “O que era para ser um afastamento temporário se tornou definitivo e a empresa me desligou de forma unilateral, injusta e bem problemática, para dizer o mínimo”, desabafa. A partir do rompimento traumático, Carol decidiu então reunir suas economias para mudar de vida e, conforme relata, ir para o lugar mais longe que pudesse, imaginando que assim tudo se resolveria. O destino foi a Holanda, local onde vive desde 2017 e onde acabou recebendo seu diagnóstico, durante o segundo episódio grave de burnout que vivenciou, quatro meses após sua chegada ao país europeu.

O poder de dizer não

Carol Milters dedica um dos vídeos de seu canal no YouTube para tratar especificamente de um perfil de indivíduos, os chamados “obedientes”. São aqueles sujeitos que têm dificuldade em atender a suas próprias demandas e estão sempre disponíveis às demandas dos outros. Pessoas que não sabem dizer não. Carol aborda o tema sob a perspectiva metodológica da autora Gretchen Rubi, no livro Melhor do Que Antes. Vale a pena conferir em: https://bit.ly/videodizernao. Em 25 de agosto, o Portal da revista científica Nature publicou uma coluna exatamente com essa abordagem, intitulada: Why four scientists spent a year saying no (Porque quatro cientistas passaram um ano dizendo não). A abordagem propõe uma reflexão acerca da sobrecarga que muitas vezes nos impomos para não decepcionarmos os outros. O texto relata a dificuldade dos pesquisadores em firmarem o compromisso de juntos chegarem a cem recusas anuais aos mais diversos convites, mas no fim registra os ganhos obtidos em relação à saúde mental e até mesmo na qualidade dos compromissos assumidos. Leia a coluna em: https://go.nature.com/3cwpMv9.

Um fenômeno ocupacional, não uma doença

Os especialistas ouvidos por Radis ressaltam que a nova classificação do burnout na CID-11 caracteriza a síndrome por três aspectos integrados: sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo em relação ao trabalho (também tratado como despersonalização) e uma sensação de ineficácia e falta de realização, com queda real e sensível de rendimento profissional. Embora na literatura acadêmica não haja consenso em relação ao conjunto de sintomas que determinariam a síndrome, a OMS adotou como referência esses três aspectos mais clássicos, desenvolvidos pela principal referência sobre o tema, a psicóloga norte-americana Christina Maslach, professora emérita da Universidade da Califórnia.

Ana Maria entende que os sintomas descritos por Maslach e adotados pela OMS se complementam. “É muito difícil você pensar que uma pessoa que esteja com um esgotamento crônico não esteja também desinteressada de suas atividades e com perda de produtividade”. Concordando com a confluência dos sintomas, Marcello ratifica a existência da tríade como um balizador para o diagnóstico. “Importante ressaltar que para a OMS esses três fatores devem ser observados conjuntamente para que um caso possa ser definido como burnout”.

Os especialistas atestam que a síndrome, inclusive, pode ser facilmente confundida com depressão. O fator ocupacional deve ser a chave para essa diferenciação, afirma Ana Maria, ao ponderar que “burnout não é uma doença ocupacional, ao contrário do que muitos pensam e até classificam”. “É um fenômeno ocupacional [que pode acarretar outras doenças] e a depressão pode ser uma de suas consequências ou manifestações. Porém, uma pessoa pode ter depressão independentemente do trabalho. Pessoas que não trabalham podem ter uma depressão, mas não seria decorrente do burnout”, ressalta.

Vitor Cavenaghi, médico psiquiatra e pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq/FMUSP), também comenta a semelhança e a inter-relação entre os transtornos. Para ele, observar cada caso é essencial para definir o diagnóstico. “Devemos estar atentos a mudanças comportamentais, como isolamento social, abandono de atividades que antes faziam sentido, isso somado a uma deterioração nos sentimentos em relação ao trabalho, que deixa de ser motivante, de ter sentido”.

Contudo, o especialista também reconhece a condição tênue dessa diferenciação. “Nem sempre é fácil diferenciá-lo de outros transtornos mentais, sobretudo dos transtornos de ansiedade e da depressão. Isso porque sintomas que são comuns à ansiedade e depressão também acontecem no burnout: cansaço, sensação de incapacidade e ineficiência, dificuldade para dormir e dificuldade de concentração, por exemplo, são sintomas que podem estar presentes em todos esses quadros”, afirma.

Sobre o desenvolvimento da síndrome, Marcello pondera que, na sua concepção, a natureza do trabalho que gera o burnout não deve ser compreendida apenas como a do emprego de vínculo formal. E explica: “Hoje em dia tem pessoas que mantêm uma rotina de estudos semelhante ao trabalho. De igual modo, muitas mulheres possuem desgastes decorrentes do trabalho doméstico ou mesmo no cuidado com os filhos. Daí, hoje, ouve-se falar também em burnout do estudante ou burnout materno”. Os três concordam sobre a necessidade de uma avaliação individualizada e que somente essa consulta e a conversa com o paciente podem orientar a condução mais adequada em cada caso.

Não é corpo mole

Uma das muitas marcas dolorosas do burnout é, também, o convívio com a desconfiança de superiores hierárquicos e até mesmo dos colegas de trabalho. A ausência de informações sobre o tema pode ser um fator que contribui com essa incompreensão e falta de empatia. “As pessoas não entendiam ou não queriam entender. É desesperador não saber o que fazer, ou ainda, ser julgada por fazer corpo mole e por isso não receber a ajuda necessária”, queixa-se Giselli.

Na visão de Carol, o mercado de trabalho não lida bem com a queda de produtividade, por qualquer que seja o motivo, e a própria sociedade também não acolhe as consequências do burnout. “Precisamos trabalhar, não só financeiramente, porque já é um perrengue não trabalhar, mas psiquicamente, porque não tem espaço no mundo se a gente não trabalha. Qual o papel na sociedade para quem não produz? A cultura hegemônica do trabalho está nos adoecendo e por vezes a reproduzimos até sem perceber, afinal, ela é hegemônica por algum motivo”, reflete.

Ana Maria acredita que a nova definição da CID contribui para dirimir esses conflitos. Ela entende que a resolução da OMS irá auxiliar os trabalhadores e direcionar melhor a condução dos empregadores. “Por parte do empregador, ajuda a estabelecer parâmetros e respeitar limitações e direitos dos funcionários. Para o trabalhador, foi uma bênção, porque ampara sua denúncia e obriga maior compreensão por parte dos seus superiores”. Outra categoria que ela entende ser beneficiada com a nova definição é a dos juristas que avaliam os casos e seus desdobramentos. “De certa forma, ajuda também aos magistrados, que agora conseguem estabelecer um nexo de causalidade nos afastamentos por burnout. Antes era muito presumido”, afirma.

Marcello também demonstra confiança de que o passo dado pela OMS ao reconhecer o burnout como uma síndrome decorrente do trabalho trará novas perspectivas à temática, especialmente no seu âmbito de atuação profissional — a saúde do trabalhador. E deve embasar a tomada de decisão por parte dos médicos peritos do trabalho em suas análises sobre os afastamentos, por exemplo.

“Acredito que nem mesmo os peritos tenham esse conhecimento aprofundado para tomar suas decisões. Falta formação a esse respeito nas faculdades de medicina. Até mesmo o psicólogo que não é relacionado ao trabalho tem pouco contato com o burnout”, avalia. Segundo ele, o campo da saúde do trabalhador já vinha atuando há tempos na discussão de que o trabalho pode gerar transtornos mentais. “Essa validação [com a CID-11] é uma declaração da OMS: o trabalho pode adoecer a mente”, ressalta.

Questionado a esse respeito, Vitor discorda em parte sobre a carência de informação por parte da classe médica atualmente. “Acredito que entre os médicos já se tinha um entendimento de que o burnout existe e que é uma situação relacionada ao trabalho. Inclusive, já constava na lista de doenças relacionadas ao trabalho”, argumenta. O psiquiatra reconhece, contudo, a existência de lacunas que ainda precisam ser preenchidas. “Claro que existiam e ainda existem divergências que precisam ser definidas, e um balizamento como esse da CID-11 pode nos direcionar no melhor entendimento da condição, inclusive trazendo esse debate do meio acadêmico para a sociedade e da sociedade para o meio acadêmico”.

Conheça possíveis sintomas

  • Falta de atenção
  • Alterações de memória
  • Lentificação do pensamento
  • Sentimentos de alienação
  • Solidão e impaciência
  • Insônia e fadiga constante
  • Tensão muscular
  • Dores de cabeça e problemas gastrointestinais

(Fonte: Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar)

Demissão como consequência

A presidente da Isma Brasil considera que grande parte das organizações demora muito a agir em relação ao burnout, trocando possíveis medidas preventivas pelas corretivas, devido à má gestão do que chama de “elementos estressores”. Para Ana Maria, existem três estágios de prevenção: a primária, quando se busca a eliminação desses fatores logo que identificados, com medidas como mudança de atividades, troca de área ou função, ou melhoria nas condições de trabalho; a secundária, que não os elimina, mas busca atenuá-los e capacitar os trabalhadores a lidar com eles, aderindo a iniciativas de ginásticas laborais, oferta de alimentação equilibrada e incentivo à prática de esporte, por exemplo; e, por fim, as terciárias, que são aplicadas somente para contenção de danos, quando os trabalhadores adoecem e precisam de assistência especializada.

Outra grave consequência decorrente da síndrome do esgotamento crônico no trabalho e que pode ser freada com o novo enquadramento do burnout na CID seriam as demissões frequentes nesse tipo de circunstância. Situações de desamparo, como as que foram relatadas por Giselli e Carol, ilustram como muitos casos são mal conduzidos e que as imposições hierárquicas ainda podem se configurar como um agravante para esse tipo de adoecimento. “No segundo episódio de burnout, comecei a entender que o meu papel também tem limite. Posso fazer toda a terapia do mundo, toda meditação, mas se meu gestor falar que tenho que dar conta do serviço, mesmo indo além dos meus limites, e há uma relação de poder implicada ali, então, o problema não está só no indivíduo”, pondera Carol.

E o problema não se restringe ao Brasil. Ao término do seu contrato de um ano, dos quais por cerca de oito meses foi acometida pelos efeitos da síndrome, na Holanda, Carol não teve seu contrato renovado em um momento delicado de instabilidade no novo país. “O gestor virou para mim e falou: ‘Não é nenhuma surpresa para você que não vamos continuar contigo, né?’” Ela afirma ter tentado argumentar e proposto mudanças, como uma nova área de atuação. Em vão.

“Então eu cheguei aqui e fiquei desempregada. Doente e desempregada, que é a realidade de muita gente”, relata. “E aí, quem paga terapia? Quem paga medicamento?”, questiona. Carol comenta ainda que desenvolveu o segundo burnout mesmo trabalhando com uma carga horária reduzida: “Eu trabalhava quatro vezes por semana, mas queria entregar em 32 horas o que entregaria em 40 e eles também queriam receber. Então a gente pensa que uma mudança como essa é o suficiente, mas nem sempre é”, reflete.

Giselli viveu experiência semelhante à de Carol em relação à perda do emprego: “Em 2018, devido a uma crise em que parei no hospital, fui dispensada logo em seguida e isso gerou ainda mais estresse”. Como um suposto reconhecimento pela dedicação, conta que recebeu uma gratificação financeira e pouca empatia por parte da startup que a demitiu. “Na primeira oportunidade que tiveram, me dispensaram sem pestanejar, mas me pagaram uma pequena indenização porque, segundo eles, eu ‘vestia a camisa’ da empresa e a tratava como um filho”. Seus problemas, contudo, não se resolveram com esse gesto. “Em decorrência da demissão, tive que realocar todo meu planejamento financeiro para conseguir fazer o tratamento e atender às demandas de um novo trabalho no qual eu ganhava menos do que a metade do anterior”, desabafa.

Fatores de risco

Embora marcante nesse processo de adoecimento, a sobrecarga laboral não é o único fator de risco para o burnout. Ana Maria Rossi elenca outros desajustes no trabalho que podem gerar estresse e desmotivação. Dentre esses potenciais fatores estariam: a falta de controle sobre as atividades desempenhadas e o formato de trabalho implementado; recompensas insuficientes, quando ocorre excesso de demanda e pouco reconhecimento ou sentimento de gratidão por parte do empregador; a falta de justiça, quando um profissional apto a receber uma promoção é preterido por outro que tenha mais afinidade com a alta gestão — por exemplo — e, por fim, em situações que gerem conflitos de valores.

Ainda que a condição referente a gênero não tenha sido destacada diretamente pelos especialistas ouvidos por Radis, chamou a atenção da reportagem na etapa de apurações a prevalência maior de mulheres relatando os casos na internet. Pesquisas recentes, como a divulgada no dia 7/8 pelo site da revista Isto É Dinheiro, confirmam essa percepção. Segundo a publicação, um estudo realizado pela empresa de consultoria norte-americana McKinsey verificou que as mulheres seriam mais suscetíveis a sofrer com a síndrome de burnout. De acordo com dados da consultoria de 2021, 35% dos homens relataram que sofreram burnout naquele ano, enquanto o número entre as mulheres chegou a 42%.

Para Marcello Rezende, essa associação pode ter origem cultural e estar enraizada no machismo estrutural que permeia nossa sociedade. “Embora eu não tenha esse recorte de gênero em relação ao burnout, estatisticamente é fato que as mulheres relatam mais transtornos mentais do que os homens”, aponta. Outro fator que pode ser preponderante para aumento de estresse e transtornos pós-traumáticos — no trabalho e fora dele — são períodos de grandes tensões, como a que o mundo tem vivenciado desde 2020, com a pandemia de covid-19.

Apoio coletivo

A angústia vivenciada por Giselli e Carol é compartilhada por muitos outros trabalhadores que não conseguem amparo legal para se licenciar enquanto cuidam de sua saúde e acabam desligados de seus empregos, passando a ter que conviver com as sequelas geradas pelos conflitos e tensões mal resolvidas no trabalho e com o agravamento de não ter o seu suporte financeiro. Como prosseguir? “A realidade é que existem milhares de pessoas na fila do INSS, milhares de pessoas que estão cogitando tirar a própria vida porque não sabem para onde ir, porque não têm de onde tirar sustento e não querem mais depender financeiramente de outras pessoas por não terem mais saúde para trabalhar”, afirma Carol, que relata ainda que essa sensação de injustiça é presente em diversas situações que passou a observar a partir do compartilhamento de suas experiências com o burnout.

Reunir essas pessoas para que pudessem conversar sobre suas vivências e se apoiarem foi uma das motivações que levou Carol a fundar — em setembro de 2020 — um grupo de apoio mútuo online e gratuito, chamado Burnoutados Anônimos. As reuniões virtuais, promovidas por ela em uma plataforma de webconferência, ocorrem uma vez por mês, com uma a duas horas de duração em cada encontro, e têm registrado uma média de 30 a 40 pessoas das mais diversas profissões em cada sessão. Muitos brasileiros, mas não só. “Já tivemos a participação de um angolano e de pessoas de outros países também”, conta.

O Burnoutados Anônimos é o primeiro grupo de apoio aberto online e gratuito do mundo com reuniões virtuais de pessoas que passam ou passaram pela síndrome de burnout para relatarem suas experiências e se apoiarem. A missão do grupo é a de oferecer acolhimento e partilhar informações sobre a síndrome. “A participação é gratuita e os encontros são absolutamente confidenciais”, explica a idealizadora. Saiba como participar das reuniões em: https://carolmilters.com/burnoutadosanonimos/.

Em seu livro Pequenas Epifanias, o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996) escreveu uma crônica intitulada Pálpebras de Neblina — e um trecho em particular ganhou bastante repercussão na internet. Diz assim: “Um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso. E fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim”.

Guardar a sua dor ‘no bolso’ para ajudar outras pessoas foi o que fizeram Carol e Giselli. A primeira publicou dois livros, produziu um site, possui perfis ativos nas redes sociais e criou o grupo de apoio com reuniões virtuais. Já a segunda, dentre diversas outras iniciativas, estudou a síndrome como tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso no MBA em Gestão Estratégica de Negócios e o transformou em um e-book. Ela também trata do tema na internet, especialmente no Instagram (@nocaminhodoautoconhecimento), produzindo uma série de postagens, vídeos, cursos e episódios de podcast dedicados ao burnout. E assim ambas seguem atuando na causa. Talvez não para esquecerem, mas, sim, para também superarem suas próprias feridas e traumas de períodos conturbados, fornecendo informações qualificadas por quem vivenciou o problema.

Covid-19, sofrimento emocional e exaustão profissional

Uma mudança brusca no ambiente e na rotina laboral pode gerar fatores de tensão e estresse. Imagine essa situação em uma pandemia da qual pouco se sabe a respeito e ainda ter que estar na linha de frente do atendimento, como foi o caso dos profissionais de saúde. Esse desafio adicional passou a fazer parte da rotina de Isis Letícia Brasil, enfermeira do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, e do Núcleo de Saúde do Trabalhador da Fiocruz. Isis, como muitos outros profissionais de saúde, temeu não só por sua vida, mas também pela de seus familiares, no auge da pandemia de covid-19, quando precisou lidar frequentemente com aquela ameaça ainda desconhecida. O receio da situação a fez se isolar de seu marido, de sua mãe e de sua filha, agravando as adversidades decorrentes do seu trabalho naquele período.

Isis narra que a difícil decisão foi tomada após um plantão hospitalar em que atendeu uma gestante que estava contaminada com o vírus e cujo quadro clínico foi se agravando ao longo do dia. Após o contato e temendo disseminar a doença entre seus familiares, a enfermeira conta que sequer subiu ao seu apartamento para se despedir quando resolveu trocar temporariamente de residência com sua mãe, visando evitar contatos enquanto as incertezas sobre os rumos da crise sanitária ainda predominavam. Ao término daquele turno de trabalho, coube ao seu marido preparar uma mala de roupas e pertences básicos e colocá-la no carro, iniciando uma dura e solitária rotina que a partir dali duraria cerca de três meses.

“Para proteger minha família, resolvi sair de casa nos primeiros meses da pandemia, com medo de transmitir o vírus para eles. Minha filha tinha apenas 2 anos e foi muito difícil ficar longe dela, só falar pelo celular ou pelo lado de fora da porta de casa quando a saudade ficava insustentável”, lembra, e acrescenta que as lágrimas foram sua única companhia em muitas das noites daquele período longe das pessoas queridas. Isis conta que no auge da saudade provocada pela situação chegou a improvisar um abraço rápido, mas renovador, com a sua filha, utilizando máscaras e capas de chuva, na porta de seu apartamento.

Os efeitos devastadores do burnout sobre os profissionais de saúde já são conhecidos desde a década de 1970, pelo trabalho pioneiro do psicanalista alemão Herbert Freudenberger. Em 2020, com o avanço da pandemia, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores foram diretamente impactados com o desabastecimento de equipamentos básicos de proteção – como máscaras cirúrgicas e protetores faciais -, um número elevado de internações, diminuição das equipes por conta de afastamentos médicos, ausência de informações e aumento na ocorrência de mortes em suas rotinas. Inclusive de colegas de profissão. O estresse físico e mental nas equipes de saúde foi notório e, inclusive, abordado pela Radis em algumas edições, como a Radis 213.

Segundo artigo publicado em setembro de 2020 no Portal Pebmed, uma plataforma online voltada para a classe médica, a prevalência de burnout nas UTIs no auge da pandemia teria chegado a 83% entre os médicos que estiveram na linha de frente e 71% entre aqueles que não atuavam diretamente no enfrentamento ao coronavírus. Um novo levantamento publicado no mesmo portal em setembro de 2022 — a primeira pesquisa anual de saúde mental do médico — aponta uma tendência de diminuição dos efeitos e da ocorrência do burnout entre os profissionais de saúde. O questionário eletrônico revelou que atualmente 62% dos médicos já tiveram ao menos sintomas de burnout, enquanto 8,9% dos profissionais foram identificados com a síndrome. Outros 17,1% afirmam ter tido burnout no passado e 36% revelaram apresentar sintomas, mas ainda não buscaram ajuda, o que indicaria forte tendência de subdiagnóstico dessa condição.

No hospital federal, Isis ficou alocada em uma área de gestantes de alto risco e relata não ter sido diagnosticada com burnout naquela época, mas confessa ter vivido situações de extremo desgaste e acompanhou muitos colegas na mesma situação limite. “Não tive o diagnóstico, mas vivenciei vários momentos de exaustão, que acredito terem piorado pelo estresse da situação”, diz. Para se ter uma ideia da dimensão do desafio da enfermeira, naquele período o Brasil já era o país com mais mortes de gestantes devido à covid-19 (Radis 216).

Isis e sua filha, Alice, com 4 anos na foto
Isis e sua filha, Alice, com 4 anos na foto. (Foto: Acervo pessoal).

O home office e o burnout

As reais consequências desse período serão conhecidas adiante, porém, algo que já se pode constatar é que não foram apenas profissionais da saúde que sofreram com o impacto da pandemia em relação ao trabalho. O próprio home office — se por um lado gera ganhos e satisfações em relação à maior flexibilidade na rotina e economia de tempo com deslocamentos —, por outro tem rompido uma fronteira sensível entre o ambiente laboral e o de descanso, uma vez que as duas coisas se fundem.

Vitor Cavenaghi comenta o papel desses fatores advindos da pandemia e do aumento do uso da tecnologia na incidência de casos de estresse ocupacional, que podem evoluir para o burnout. “Muitas pesquisas indicam números expressivos nesse sentido. Existe, por exemplo, o impacto da internet, de smartphones e aplicativos de mensagens, que borraram os limites entre o social e o privado, entre o trabalho e o descanso”. O psicólogo Marcello Rezende também acredita que a vigilância gerada pelos dispositivos móveis aumente a sobrecarga mental dos profissionais. “A própria OIT [Organização Internacional do Trabalho] já aponta, há algum tempo, alguns riscos de adoecimento nesse sentido. Hoje em dia, temos a tecnologia exacerbando o controle sobre o trabalho”, adverte.

Em live promovida pela Fiocruz sobre as mudanças no ambiente de trabalho, em julho de 2020, o sociólogo Ricardo Antunes, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressaltou os riscos em substituir o escritório pela sala de casa e perder-se assim, ao mesmo tempo, o contato físico diário com os colegas de trabalho e o lugar de descanso após a rotina laboral. “Levo para casa o que há de pior no trabalho e devasto o que tem de melhor na minha casa, que é chegar, no fim da tarde, e dizer: ‘Bom, agora vou descansar e ver minha família’”, afirmou. Vitor destaca que é preciso atenção a essa característica do trabalho na contemporaneidade: “As mudanças impostas pela pandemia com trabalhos remotos e híbridos e a falta de tempo e recursos físicos e psicológicos para uma adaptação individual têm agravado problemas de saúde mental decorrentes do trabalho, como o burnout”, afirma.

Calma, nem tudo é burnout.
E se for, há saídas

A produção de informações é importante para que o tema entre na pauta social e as relações com o trabalho sejam sempre revistas e analisadas, como constata o psiquiatra Vitor Cavenaghi. “A busca por ajuda já está aumentando, as pessoas leem sobre o assunto, se identificam e identificam conhecidos com o quadro. Muitas vezes chegam ao consultório já sabendo bastante sobre o tema. Isso é muito positivo, no sentido de prevenir situações mais graves”. Contudo, é preciso entender também que conflitos, insatisfações ou excesso temporário de trabalho por si só não se configuram em burnout.

A conversa com pessoas do próprio trabalho, do convívio familiar e a ajuda de profissionais de saúde podem contribuir para a resolução de eventuais desequilíbrios no ambiente e na vida profissional. Ana Maria lembra também que a auto-observação não ocorre com facilidade: “A pessoa que sofre de burnout perde um pouco sua capacidade de discernimento. É importante conversar ou debater com alguém sobre limitações, angústias e dúvidas”, orienta. Já Marcello pontua a gravidade da síndrome, que não deve ser relativizada. “Exaustão emocional é algo grave, não é um cansaço. É estar esgotado fisicamente e não conseguir dormir, porque a mente não desliga. Somado a isso, ser uma pessoa indiferente no trabalho e se sentir incapaz? É gravíssimo”, adverte.

Especialistas podem auxiliar na identificação de um diagnóstico mais preciso e indicar possíveis formas de tratamento — que podem ser convencionais ou alternativas, conforme aptidões e interesses de cada pessoa. Afinal, ainda que o diagnóstico seja uma atribuição da área médica, não existe receita definitiva para todos os casos e a medicalização nem sempre é a única possibilidade de melhora. “Na minha experiência, o que é mais efetivo é o trabalho multidisciplinar, feito por psiquiatra, médico do trabalho, psicólogo ou psicoterapeuta e educador físico. O tratamento envolve mudanças em estilo de vida, na relação da pessoa com o seu trabalho e mesmo no próprio trabalho”, completa Vitor.

Giselli, hoje exclusivamente empreendedora, não dispensou os cuidados profissionais, mas elenca uma série de outras atividades que a ajudam no dia a dia a conviver com a síndrome. “Buscar ajuda profissional é fundamental. Em complemento a isso, faça atividades que lhe dão prazer, seja uma caminhada, corrida, esporte, dança, ler um livro, pintar, cantar, conversar com pessoas legais, enfim, encontrar algo novo que seja prazeroso”, aconselha ela, que também recomenda as Práticas Integrativas Complementares e procedimentos da Medicina Tradicional Chinesa como possibilidades terapêuticas auxiliares.

Carol se reencontrou na escrita e se encantou pela prática do ukulele [um tipo de instrumento musical semelhante a um violão]. Ela tem feito da música, das pinturas em telas e de outros hobbies descobertos recentemente o complemento ideal ao tratamento convencional com acompanhamento médico, por conta das sequelas do burnout com as quais convive.

Segundo a presidente da Isma Brasil, quem é realmente feliz e se sente motivado no trabalho não estaria no “grupo de risco” do burnout. “Definitivamente a motivação e a satisfação são antídotos extremamente importantes para combater o burnout”, afirma. Para Marcello, no entanto, esse estado emocional não pode ser tido como algo imutável, pois uma hora o que já foi motivação e satisfação pode mudar de significado. Portanto, para ele, o alerta de observação e cautela seria sempre válido, afirma Ana Maria Rossi.

Independentemente da medida terapêutica adotada, um comportamento é fundamental para apagar a chama que desencadeia a síndrome: mudar. “Em primeiro lugar, não existe cura do burnout sem mudança do estilo de vida”, avalia Ana Maria. “Penso que no bojo dessa ajuda está revermos a nossa relação com o trabalho, e não só tratar o burnout, mas também preveni-lo”, concorda Vitor. Já Marcello faz um convite para que cada pessoa que esteja nessa situação olhe para si e busque soluções para alterar sua rotina de trabalho: “Se chegou nesse ponto, rever o trabalho e procurar ajuda é fundamental”, conclui.

Para Carol, o mais importante é não individualizar a responsabilidade sobre o trabalhador e ampliar o debate a fim de enfrentar o problema de frente. “Precisamos parar de olhar para o burnout como um problema do indivíduo e olhar como uma questão realmente de saúde pública. É um espelho de como a gente se relaciona com o trabalho e ele não reflete o lado bom, por isso muita gente não quer ver, mas a gente precisa enxergar, senão só vai piorar”.

Burnout e saúde mental no SUS

Tassia Pacheco, psicóloga e sanitarista, assessora técnica na Superintendência de Saúde Mental da cidade do Rio de Janeiro, conversou com Radis sobre a atuação da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no tratamento de casos de burnout e outros transtornos no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a profissional, a abordagem nesses casos vai além do agente causador da ocorrência em saúde, no caso o burnout. “O cuidado em saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial não considera apenas o agravo, o diagnóstico, mas os determinantes sociais de saúde. Ou seja, é feita uma avaliação psicossocial que leva em consideração aspectos individuais, sociais e comunitários dos indivíduos”.

Sobre o acesso a esse tipo de serviço, Tassia aponta a atenção primária em saúde (como as Clínicas da Família) como principal porta de entrada para o tratamento e destaca o trabalho de acolhimento às pessoas com sofrimento psíquico, além de “identificar oportunamente o risco clínico, intervir com ações estratégicas a partir dos dispositivos presentes nesse nível de cuidado, principalmente aqueles que fortalecem e ampliam suas relações familiares e comunitárias”. “Na atenção primária, articula-se também o cuidado em outros níveis de atenção quando necessário”, explica, indicando os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) como possíveis acessos à Raps.

Por fim, a sensação de aumento da busca por cuidado no campo da saúde mental nos últimos anos também vem sendo percebido pela SMS-RJ. “Houve uma percepção de que o tema saúde mental tem sido mais amplamente falado pela população, demandando mais atenção dos profissionais de saúde quanto a esse cuidado”, relata Tassia.

Você já ouviu falar em quiet quitting?

Se burnout é um tema mais ou menos familiar, o quiet quitting ou demissão silenciosa possivelmente cause mais estranheza. O termo é recente e repercutiu na imprensa nas últimas semanas de agosto, como em reportagens publicadas na BBC Brasil (24/8) e em O Globo (25/8). A estratégia trata-se basicamente de um comportamento oposto ao que acarreta a síndrome do esgotamento profissional. O novo fenômeno tem viralizado entre jovens norte-americanos nas redes sociais, especialmente no TikTok. O movimento é encabeçado por novos profissionais, que já iniciaram suas carreiras em um mundo com trabalho remoto e híbrido, e passam a fazer o mínimo necessário para não serem dispensados. Tal postura fornece indícios de rompimento com uma cultura predominante de dedicação extrema ao trabalho. As reportagens abordam, inclusive, possíveis ganhos à saúde com essa conduta e apontam benefícios até para as corporações. A reportagem da BBC Brasil chega a mencionar que “demissão silenciosa pode gerar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal — e, por isso, pode proteger contra o burnout antes que aconteça”.

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