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Não importa se está frio na cidade onde você mora. Ou se você teve condições de viajar para a Europa e fazer fotos na neve. O aumento da temperatura média do planeta é um consenso científico que independe de pontos de vista e opiniões pessoais. Em agosto de 2020, o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou para colegas do Itamaraty: “Não acredito em aquecimento global. Vejam que fui a Roma em maio e estava tendo uma onda de frio enorme.” Por trás do negacionismo climático, estão os interesses daqueles que têm a ganhar com a exploração predatória, como ressalta Mercedes Bustamante, professora titular da UnB na área de ecologia e integrante da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “O quadro do desmonte é muito claro e o atraso na ação tem um preço caro. Assim como na pandemia, que são vidas que a gente não recupera, na questão ambiental a degradação e o desmatamento não são reversíveis”, analisa.

A pesquisadora ressalta que uma das estratégias do negacionismo é estigmatizar as evidências científicas sobre mudanças climáticas como uma pauta de esquerda. “Na verdade, da mesma forma como o vírus não vai perguntar em quem você votou antes de infectar, a mudança climática não vai indagar se você é de esquerda ou de direita”, pontua. Ela salienta que o negacionismo climático já é antigo, principalmente nos Estados Unidos, onde é apoiado por setores políticos e financeiros ligados aos combustíveis fósseis. “Quando se fala em controlar a emissão de CO2 ou botar imposto de carbono, setores liberais que são contra qualquer regulação veem nisso uma forma de controle da economia. Há uma pressão muito forte de um setor economicamente forte que é a indústria de combustíveis fósseis. Tudo isso alimentou essa corrente do negacionismo climático”, explica.

São muitas as faces da anticiência na área ambiental: vão desde a recusa em cumprir as metas do Acordo de Paris — tratado internacional que visa reduzir os impactos do aquecimento global — até a negação das queimadas na Amazônia e no Pantanal. “O primeiro grande impacto é a demora na atuação de combate às mudanças climáticas”, pontua. Em tempos de pandemia, o negacionismo tem um custo direto em vida; porém, em relação ao clima, não é tão simples apontar os seus efeitos nocivos, alerta a pesquisadora, pois eles ocorrem a longo prazo. “É muito mais difícil perceber esse custo em vidas em uma ação que é pulverizada, globalmente distribuída e que pode atingir as pessoas por múltiplas causas”, comenta.

A ciência também esbarra na dificuldade da maior parte das pessoas em pensar nas consequências de suas ações para gerações futuras. “Evoluímos para pensar na sobrevivência muito próxima. Não temos essa perspectiva de longo prazo”, reflete. Ela também aponta que há um problema de formação educacional, que não é voltada para entender a ciência. “O Galileu [Galilei], talvez o maior exemplo de quem sofreu com o negacionismo na ciência, tem uma frase que diz que ‘a verdade é filha do tempo’. O problema é que para alguns casos, o tempo joga contra, como ocorre com a pandemia”. Para a professora da UnB, compreender os fenômenos científicos exige um “tempo de maturação”. “Tudo que acontece em escala global tem mais variabilidade e as pessoas costumam dizer: ‘Ah, mas na minha região não ficou mais quente’. Porém, a gente está falando de mudança climática global, não basta olhar um ponto, temos que olhar o todo”, explica.

São muitas as armadilhas colocadas pela pseudociência no caminho dos cientistas. Uma das mais embaraçosas é serem levados a debater com “negacionistas” de igual para igual. “Não podemos colocar certas posições como se fossem equivalentes, como algo do tipo: ‘Eu penso contra você, acho que você está errado sobre a vacina’. A fundamentação da vacina tem um corpo sólido de conhecimentos e o outro lado tem um corpo muito frágil”, afirma. Mercedes aponta que, na área ambiental, os cientistas já perceberam que não adianta debater com quem não quer ouvir. “Chega a um ponto que a gente não tem mais que discutir com negacionistas da mudança climática. Quando a gente entra para discutir, acaba dando a eles um status equivalente a todo o conjunto de evidências científicas que apontam para as mudanças do clima”, conclui. Sobre certas questões, não há o que debater. A Terra é plana e ponto.

■ Leia as entrevistas completas de Luiz Carlos Dias, Marcus Lacerda e Mercedes Bustamante no site de Radis
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