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O ser humano se faz presente no mundo por meio do seu corpo e das sensações que experimenta. Um corpo pode ser saudável ou perigosamente doente, dependendo de como é tratado. Em um mundo com epidemia de obesidade, com toda as consequências nefastas que isto traz para a saúde, em parte por conta do sedentarismo, a indicação e apelo de profissionais para a prática regular e sistemática de exercícios físicos é grande. E são inegáveis todos os benefícios que estes acrescentam na vida de quem os pratica.

Mas é preciso levar em conta que a desigualdade social também está presente, agravando o quadro de aparente inércia. É difícil para um(a) trabalhador(a) pobre, que mora na periferia e passa muitas horas nos deslocamentos para o trabalho, sem transporte adequado, sentir estímulo para fazer qualquer tipo de atividade física.

Infelizmente a maioria das cidades não são acolhedoras, com parques que estimulem caminhadas e uma boa infraestrutura de meios de transporte que garanta agilidade no ir e vir. Enquanto uma forma humanizada de arquitetura não estiver ao alcance de todos os habitantes das cidades, a atividade física adequada ficará restrita a um número pequeno de pessoas, trazendo sérios agravos na saúde para muitos.

A chamada arquitetura de exclusão das cidades ganhou a indignação do padre Júlio Lancellotti — pároco de uma igreja na Mooca, em São Paulo, conhecido pela defesa de pessoas LGBTQIA+ e de outros grupos excluídos — que arrancou a marretadas pedras colocadas pela prefeitura para impedir que a população em situação de rua utilizasse o viaduto como abrigo. Longe de ser uma atitude de agressão ao poder constituído, o gesto de solidariedade e empatia do padre chama atenção para o aumento dessa população após a pandemia do coronavírus, em razão do empobrecimento dos que perderam trabalho e renda e a urgente necessidade de política de acolhimento para pessoas que perderam suas casas e que só têm a rua como alternativa de sobrevivência.

O mundo caminha para o segundo ano da pandemia, e aqui no Brasil já são mais de 245 mil mortos pela covid-19, com a região Norte vivendo uma tragédia humanitária, sem leitos, sem oxigênio, sem insumos básicos e muitos mortos. E o lado autoritário, desigual e sem empatia dos donos do poder, mostra sua cara, reduzindo recursos que resultarão em cortes de 50% dos leitos da UTIs, num momento em que a doença avança.

A falta de uma coordenação central, com senso de prioridades, foco em garantir os cuidados necessários para os que já estão doentes e prevenir a infecção para os não infectados mais vulneráveis, custa vidas e se torna em prejuízo para todos. O negacionismo e improviso dos dirigentes do país resultaram em negligência nas negociações para aquisição de doses e insumos de vacinas, num momento em que a vacinação em massa contra a covid-19 é apontada como saída para conter a pandemia no mundo. O resultado que se vê é atraso e vacinação a conta-gotas, o que provoca uma corrida hostil que poderia ser evitada.

O momento é de manter os cuidados necessários orientados pela ciência, aguardando a vez, sem buscar privilégios ou furar filas.

Em meio a muitos desalentos, conforta saber que existem centenas de heróis anônimos salvando vidas nas UTIs, na direção de ambulâncias, carregando macas ou confortando corações dilacerados pela dor da perda de um ente querido. Igualmente conforta saber que enquanto alguns políticos e ministros se aglomeram dançando sem máscaras numa comemoração, num claro escárnio à vida de milhares de brasileiros, uma mulher, servidora pública, à frente de um laboratório de pesquisa da Fiocruz, busca incansavelmente alternativa para combater um inimigo invisível, que pode ser mortal, e ainda consegue tempo para estar em muitos lugares pacientemente explicando o valor da ciência e a importância da vacina.

Ao contrário de muitos outros heróis anônimos, desta mulher se sabe o nome. É Margareth Dalcolmo, que os milhares de leitores da revista Radis já conhecem, confiam e com certeza admiram, da mesma forma que admiram outra servidora pública da Fiocruz Amazônia, Luiza Garnelo, que leva conhecimento e cuidados para os povos indígenas do Alto Amazonas e nesta edição fala dos dias de terror vividos em Manaus, com a morte de pacientes por asfixia devido à falta de oxigênio nos hospitais, à ausência de vagas em UTIs e à chegada de uma nova variante mais transmissível do vírus.

Com tantos bons exemplos, o Brasil não pode ser conhecido como um país errático em relação ao comportamento dos brasileiros diante de uma pandemia. O obscurantismo de uns, os adeptos do “sabe com quem está falando” e fura-fila de outros, não podem apagar o valor da ciência, a importância da vacina e a consciência de que ninguém é nada sozinho. Todos precisam de todos. Como no poema de Johon Doll, “A morte de qualquer homem me diminui, porque faço parte do gênero humano”.

* Justa Helena Franco, Subcoordenadora do Programa Radis
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