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Nós, os povos indígenas da Amazônia brasileira, observamos há muito tempo as mudanças climáticas e seus efeitos em razão de mantermos uma relação ancestral com a Mãe Terra. Pois é dela que vem todo o nosso sustento e as explicações para os fenômenos que afetam a vida de todos os seres vivos e cosmológicos.

A crise climática está diretamente relacionada à ganância sobre as terras indígenas, aliada à erosão jurídica dos direitos indígenas e ambientais que está em trâmite no Brasil. O tempo em que estamos vivendo, no qual um vírus parou o mundo e afetou a rotina de bilhões de pessoas de todas as classes sociais e diferentes culturas, é fundamental para pensar seriamente na necessidade de respeitar a sociobiodiversidade presente em nossos territórios. Mas no Brasil, o governo atual é letal com políticas antiambientais, anticlimáticas e anti-indígenas. Nossos territórios, que são nossos de direito, estão sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros; aldeias foram cercadas por fazendas de gado e soja; os rios são contaminados por agrotóxicos e mercúrio; a Floresta Amazônica está em chamas virando cinza; e governos e os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente essa ganância desenfreada, a economia da destruição que mata e que destrói a vida e o planeta.

Todos precisam mais do que nunca ouvir nosso chamado, que nós, os povos indígenas, estamos alertando há séculos a partir dos saberes ancestrais que orientam nosso modo de ver e entender o mundo. É neste contexto que mais uma vez chamamos a atenção para a necessidade de construir uma justiça climática inclusiva e participativa a partir das nossas cosmovisões, das salvaguardas e dos nossos territórios. É preciso ir além das metas estabelecidas nos acordos internacionais e passar a considerar o papel vital que nós, povos indígenas, desempenhamos nesse processo, e que deve ser implementado em eixos de responsabilidade socioambiental.

Chegamos ao ponto de não retorno. O recente relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), intitulado Climate Change 2021: the Physical Science Basis, demonstra de forma nítida que as mudanças climáticas causadas pela ganância do homem são irrefutáveis, irreversíveis e vão se agravar nos próximos anos e décadas se não tivermos ações práticas para alterar o quadro da crise climática, ambiental e social. De igual forma, mesmo se zerássemos as emissões de gases de efeito estufa, já teríamos um aumento significativo na temperatura global, o suficiente para efeitos catastróficos.

Não há outro caminho a não ser reconhecer, fortalecer e promover o importantíssimo papel desempenhado por nós, povos indígenas, dentro dos nossos territórios. Para nós, falar em justiça climática é justamente pensar o destino das presentes e futuras gerações e dos que escolheram outras formas de sociedade, como os povos isolados e de recente contato que se encontram na Amazônia. Isto está atrelado à necessidade de se respeitar as diversidades. A cosmologia indígena que nos faz compreender os sinais da Mãe Terra impõe o dever de reconhecer o ecocídio, em que os rios, lagos, animais, florestas e seres cosmológicos que ali habitam são sujeitos de direitos como nós, seres humanos, e devem ser respeitados. Por isso, falar em crise climática requer necessariamente reconhecer a importância das terras indígenas, e de nós, povos indígenas, que damos a vida para proteger a floresta e sua biodiversidade, cumprindo um papel fundamental no equilíbrio climático, beneficiando, assim, toda a Humanidade.

Entretanto, existe um caminho prático de solução que há muito tempo nós, os povos indígenas, viemos apontando: demarcar nossos territórios, mudanças no sistema de produção, plantar mais árvores, parar de queimar combustíveis fósseis e reduzir a pressão sobre a capacidade de carga da Terra. Este deve ser um compromisso de todos: governos, empresas e indivíduos.

(…)

A luta dos povos indígenas é de todo planeta!

■ Carta produzida por lideranças indígenas que integram a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), reunidas à beira do rio Tarumã, em Manaus (AM), em 15 de outubro de 2021, como contribuição à 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26)
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