A Conferência da IAS sobre Ciência do HIV é realizada a cada dois anos. Organizada pela International Aids Society [Sociedade Internacional de Aids], a 13ª edição do encontro aconteceu em 2025 entre 13 e 17 de julho em Kigali, capital de Ruanda, na África Oriental. Radis reúne aqui as principais notícias sobre a conferência, considerada uma das mais importantes na área de pesquisa e inovação sobre o HIV — e onde são apresentadas diretrizes que moldam políticas e práticas de saúde em todo o mundo.
Contexto adverso
Em maio de 2025, o governo de Donald Trump encerrou o programa de US$258 milhões que financiava estudos de uma vacina contra o HIV. A medida dá continuidade a uma série de cortes que começaram com a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), em janeiro. O país era responsável pelos recursos de 75% do programa da OMS para HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis e mais da metade das contribuições para combater a tuberculose. O país também interrompeu o fornecimento de medicamentos vitais para HIV, malária e tuberculose em países apoiados pela Usaid [a Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional], cancelou financiamentos relacionados à profilaxia pré-exposição (PrEP) e fechou a divisão de prevenção ao HIV do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
+ Cortes, + Infecções
Estudos apresentados na IAS 2025 mostram como os cortes de financiamento internacional ameaçam a resposta ao HIV e podem causar até seis milhões de novas infecções e quatro milhões de mortes até 2029. O mais recente relatório da Unaids [Programa das Nações Unidas para HIV/aids], lançado em 10 de julho, demonstra que os cortes afetam diretamente serviços em países de alta prevalência, a maioria de baixa renda e localizados na África, onde aconteceram 61% das 630 mil mortes por causas relacionadas à aids, em 2024.
+ Cortes, + vulnerabilidade
A perda de apoio financeiro colapsa serviços e afeta com maior força projetos e organizações comunitárias e populações em situação de vulnerabilidade, como crianças e mulheres, registrou a Agência de Notícias da Aids (11/7). O relatório da Unaids aponta que hoje 9,2 milhões de pessoas vivendo com HIV seguem sem tratamento, incluindo 620 mil crianças; entre adolescentes e jovens mulheres, foram registradas 210 mil novas infecções em 2024 — cerca de 570 por dia.

Vulnerabilidade LGBTQIA+
“As populações LGBTQIA+ são as que sofrem mais com os cortes, porque a maior parte dos serviços para essas populações são mantidos por recursos de ajuda internacional, já que existe a criminalização destas pessoas em muitos países onde os cortes aconteceram. A manutenção de serviços locais para essas populações é algo crítico”, avaliou Beatriz Grinsztejn, presidente da IAS. Em conversa com a Radis, dias antes da conferência, a pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) considerou a situação dramática, mas ressaltou que felizmente esse não é o caso do Brasil, “onde todas as atividades relacionadas ao tratamento e à prevenção ao HIV/aids são cobertas pelo SUS”.

“Não seremos apagados”
“Exigimos uma resposta à aids que seja centrada em todos nós — não uma que opte pelo silêncio, pela assimilação ou pela conveniência política”. Em um discurso inflamado durante a IAS 2025, Michael Ighodaro, diretor executivo da Global Black Gay Men Connect (GBGMC), fez um protesto contundente desafiando aqueles que, em sua opinião, estão “vendendo” a população LGBTQIA+ e outras populações-chave apenas para manter o apoio dos financiadores — especialmente do governo dos EUA. “Como ousam nos pedir para desaparecer para que possam manter seus lugares à mesa? Nós não somos o problema — nós construímos esta resposta! Sem nós, muitos de vocês não teriam empregos, não teriam programas, nem sequer teriam dados!”, afirmou o ativista, que alertou: “Não seremos apagados!”
Brasil, exemplo positivo
O Brasil aparece de modo positivo no relatório da Unaids. Em 2024, o país alcançou 96% de diagnóstico entre pessoas com HIV, 82% em tratamento e 95% com carga viral indetectável. O documento destacou o projeto Trans Amigas, que mostrou aumento de 40% na adesão ao tratamento entre mulheres trans acompanhadas por pares, e um estudo que relacionou o Bolsa Família à redução de 41% na incidência de HIV e 39% na mortalidade relacionada à aids.
Tsunami silencioso

Apesar das garantias oferecidas pelo SUS, os cortes no financiamento global também repercutem no Brasil. “A resposta global ao HIV está diante de um tsunami silencioso”, advertem pesquisadores da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). Em uma nova pesquisa, lançada no início de julho, a entidade traça um panorama inédito e aprofundado sobre os fluxos de recursos destinados ao enfrentamento do HIV/aids ao longo de mais de quatro décadas e mostra como crises globais recentes, mudanças políticas e retrocessos agravaram ainda mais a escassez de recursos para organizações da sociedade civil, especialmente no Sul global. Leia o estudo em https://bit.ly/estudoabia.
Tecnologias injetáveis
As tecnologias injetáveis de ação prolongada também foram destaque na Conferência. Recentemente aprovado pela agência reguladora dos Estados Unidos, o lenacapavir é um antirretroviral que funciona como profilaxia de pré-exposição (PrEP). Com duas injeções por ano, o medicamento garante proteção contra o HIV próxima a 100%. O problema é que, até o momento, não há garantia que a profilaxia esteja disponível no Brasil, que ficou de fora do licenciamento genérico do remédio, produzido pela farmacêutica francesa Gilead Sciences. As estimativas apontam que, sem o licenciamento, o tratamento para uma única pessoa custaria 28 mil dólares por ano, informa a ONG AHF Brasil.
América Latina de fora
“A América Latina como um todo está totalmente alijada dos acordos de produção de genéricos, tanto para cabotegravir quanto para lenacapavir”, disse Beatriz Grinzstejn à Radis. Ela explicou que tudo é uma questão de os produtores terem interesse de negociar preços que sejam viáveis para o SUS, e argumentou a importância do acesso à profilaxia. “É fundamental que a gente esteja incluído na lista dos países que acesse esses genéricos — a preço de genéricos”. Até o momento, no entanto, o Brasil e a enorme maioria dos países da região estão fora do acesso a esses medicamentos, informou.
Fiocruz presente
Além de trabalhos e pôsteres científicos, o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) realizou, durante a IAS 2025, o simpósio “A implementação da PrEP de longa duração em cenários do mundo real – o Projeto ImPrEP”, que apresentou o protocolo do estudo ImPrEP LEN Brasil (o primeiro estudo de implementação do lenacapavir na América Latina) e abordou temas como estratégias de implementação da PrEP de longa duração (também com o medicamento cabotegravir), preferências entre populações-chave e condições para ampliação do acesso da profilaxia.
Aids 2026 no Rio de Janeiro
A 26ª Conferência Internacional sobre Aids acontecerá no Rio de Janeiro (e virtualmente) entre 25 e 30 de julho de 2026. “Estamos em um ponto crítico na resposta ao HIV”, situou Beatriz Grinzstejn, presidente da IAS. “Com a Aids 2026 a apenas quatro anos do prazo de 2030 para as metas globais, a resposta ao HIV está em jogo. Uma resposta ao HIV baseada em evidências, resiliente e totalmente financiada exige que repensemos, reconstruamos e nos reergamos”, declarou a pesquisadora, lembrando que o Brasil há muito tempo se compromete com uma abordagem ao HIV baseada na ciência e nos direitos humanos. As inscrições para o Aids 2026 serão abertas em novembro de 2025.
Saiba mais
Site da IAS 2025 — https://www.iasociety.org/conferences/ias2025
Site da AIDS 2026 — https://www.iasociety.org/conferences/aids2026
Relatório Global sobre a Aids 2025 — https://www.unaids.org/en/UNAIDS-global-AIDS-update-2025
Agência de Notícias da Aids — https://agenciaaids.com.br
Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) — https://abiaids.org.br/
ONG AHF Brasil — https://ahfbrasil.com.br/
ImPrEP CAB Brasil — https://imprep.org/ INI/Fiocruz — https://www.ini.fiocruz.br/
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