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Para o Brasil dar um salto qualitativo real, em todos os segmentos, ciência, tecnologia e inovação (CT&I) precisam ter algo análogo ao SUS. Um Sistema “imexível”, com orçamento mais contundente, que não fique tão vulnerável aos diferentes governos que possam estar no comando do país. A opinião é de Anderson Gomes, secretário-geral adjunto da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) — evento que acontece em Brasília, entre os dias 30 de julho e 1º de agosto, com o tema “Para um Brasil justo, sustentável e desenvolvido”.

“Iremos discutir a construção de um plano estratégico na área. Esperamos ter, ao final da Conferência, uma diretriz para os próximos 10 anos. Um documento que será entregue ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e à Presidência da República”, afirma. Anderson, que é professor titular do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra que o país passou por um enorme vácuo nas discussões sobre o tema. “Passaram-se 14 anos desde a realização da última conferência nacional de CT&I. Os desafios para recuperar o tempo perdido são enormes”.

O secretário acredita que a 5ª CNCTI tem tudo para virar um marco na área. “Nossa expectativa é a melhor possível, principalmente depois da realização das conferências prévias. Milhares de pessoas, em todo o país, participaram dos mais de 200 eventos preparatórios desde 2023 até abril de 2024”.

Além das dezenas de conferências livres e inúmeras reuniões prévias, a organização da 5ª CNCTI articulou um debate público no Parlamento. Em maio, a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados abriu o plenário para discutir o evento. “Foi mais uma oportunidade de demonstrar a importância da CT&I para o país. Uma área que tem impacto direto em diferentes segmentos, como saúde, produção de alimentos e até no clima”.

Anderson Gomes não tem dúvidas de que a construção de um país mais justo passa necessariamente pelo fortalecimento da ciência, tecnologia e inovação. “Temos inúmeros exemplos no mundo disso. De países que investiram melhor em CT&I e que obtiveram resultados sociais incríveis. A Finlândia, um país pequeno, agrícola, tornou-se uma potência industrial ao investir em tecnologia, dobrando os gastos públicos com pesquisa e desenvolvimento”.

O secretário da 5ª CNCTI cita o programa nacional de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como um modelo que rende frutos até hoje. “Um programa que coloca dinheiro, dá acesso, e tem um retorno positivo. Atualmente, ocupamos a 13ª posição no ranking de desenvolvimento de conhecimento. Ainda temos muito a avançar, mas já é um caminho. Mas isso tem que ser uma política de Estado e não de governo, de um governo. Precisamos de um SUS da ciência!”, frisa.

Investimento abaixo da média mundial

Apesar da retomada recente dos investimentos públicos em CT&I — com o descontingenciamento e a volta do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) —, o Brasil ainda está abaixo da média mundial, como destaca Francilene Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e integrante da comissão organizadora da 5ª CNCTI.

“O país destina cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento (P&D), quando a média mundial é de 1,79%, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicados em 2021”, ressalta Francilene, que é também professora e pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Ela lembra que os investimentos em CT&I são fundamentais para o desenvolvimento econômico, social e sustentável de um país. “Assim o fazem as nações que se destacam com melhor desempenho econômico. Sem os investimentos em ciência, o Brasil não teria uma Embraer, uma Petrobras, uma Embrapa, entre outros exemplos de sucesso”.

Francilene lembra que o país precisa se preparar para enfrentar as “novas” dificuldades. “Os desafios trazidos pela transição climática, a exemplo da recente emergência no Rio Grande do Sul, as mudanças na demografia que apontam para o envelhecimento da população (Censo 2022), as lições aprendidas com a crise sanitária de 2020, evidenciam agendas que requerem informações científicas, técnicas e socioeconômicas no processo de tomada de decisão e na formulação de políticas públicas”. 

Segundo ela, ainda há muito para se avançar na área. “Investimentos em CT&I são fundamentais para maior apropriação do potencial inexplorado da biodiversidade dos biomas brasileiros, garantindo que as comunidades locais se beneficiem de forma justa dos resultados dessas pesquisas”, acrescenta.

Francilene ressalta que, mesmo com investimentos abaixo do desejável, os cientistas brasileiros têm publicado pelo menos três vezes mais do que a média global. “Em agroecologia, a produção científica brasileira é 4,5 vezes superior. Quando se trata de doenças transmissíveis tropicais, as pesquisas brasileiras são 4,2 vezes acima da média global, por exemplo”, pontua.

Se os investimentos públicos em CT&I têm sido fundamentais para desconcentrar e ampliar o número de doutores formados, contribuindo para o aumento de publicações científicas, este crescimento ainda não se reverte em inovação no país. “Parte significativa dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do Brasil estão localizados no setor público. Na China e na Coréia, por exemplo, as empresas são responsáveis por 70% dos investimentos nessa área.”

Para Francilene, é preciso estimular as empresas brasileiras a investirem em P&D — “de forma a assegurar que sejam capazes de desenvolver novas capacidades tecnológicas”, inclusive em parceria com instituições públicas. “É preciso explorar e gerenciar melhor os ativos produzidos nas universidades e institutos públicos de pesquisa, de forma a conectá-los com as demandas da sociedade e da economia”, explica.

A vice-presidente da SBPC lembra que a 5ª CNCTI tem como um dos objetivos estreitar esse diálogo. “Após 14 anos, a sociedade brasileira, convocada pela Presidência da República, volta a dialogar sobre os rumos da ‘ciência, tecnologia e inovação para um Brasil justo, sustentável e desenvolvido’”, cita, em referência ao tema do encontro.

Mais de 200 eventos preparatórios 

Francilene Garcia, que também é coordenadora da Subcomissão de Sistematização e Documentação da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, enfatiza a participação nas conferências livres e demais reuniões preparatórias. “A forte presença de vários segmentos da sociedade brasileira, ao longo dos cinco meses da etapa preparatória, nos 220 eventos realizados que reuniram cerca de 70 mil pessoas engajadas em 4 mil horas de debates e reflexões, apontam para uma conferência nacional intensa e qualificada a produzir recomendações relevantes”.

Todo esse material prévio está sendo reunido. “A coordenação da 5ª CNCTI, a partir das informações produzidas nas etapas preparatórias — gravações das discussões, relatórios dos coordenadores e colaboradores do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) — deverá gerar, com o apoio da subcomissão de sistematização e documentação, um e-book com a síntese das discussões e principais recomendações resultantes das agendas estaduais, regionais, reuniões temáticas e conferências livres”, frisa, ressaltando que o objetivo é disponibilizá-lo ainda antes do início da Conferência. “É provável que este e-book seja lançado na reunião anual da SBPC, em Belém”.

Francilene Garcia afirma que a 5ª conferência será essencial para orientar a estratégica e o Plano Nacional de CT&I. “É fundamental destacar a importância da participação da sociedade neste processo de reconstrução, especialmente, quando o país retoma os investimentos em CT&I e se prepara para compreender e enfrentar desafios complexos como o da transição climática em curso”. 

Segundo ela, há uma expectativa de que o Brasil volte a ter um plano de CT&I “capaz de se integrar às políticas públicas e programas de interesse ao desenvolvimento justo e sustentável do país no longo prazo”, com avanços nas questões de governança e financiamento. “Esperamos que a 5ª CNCTI possa contribuir para o desenho de uma estratégia efetiva para o plano decenal de CT&I ajustado às capacidades do país, com investimentos compatíveis para tocar um projeto nacional eficaz — sem desperdício de talentos e oportunidades”, sintetiza.

Ciência x sociedade

Aproximar a ciência da sociedade. Esse sempre foi um dos grandes desafios de cientistas e pesquisadores. Fazer com que as pessoas entendam a importância das pesquisas e estudos no desenvolvimento de tecnologias que influenciam o cotidiano de cada um.

Para Fernando Rizzo, engenheiro metalúrgico e diretor-presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social vinculada ao MCTI, a 5ª CNCTI tem tudo para se tornar um diferencial nesse diálogo. “Uma queixa que o pessoal de CT&I sempre escuta é que eventualmente não falamos para a população em geral. Nesse sentido, a 5ª CNCTI já se mostra avançada. Foram 157 conferências livres preparatórias. Tivemos eventos em todos os 26 estados e mais o Distrito Federal”.

Para justificar seu otimismo, Fernando faz uma comparação com a 4ª conferência. “Na ocasião, não tivemos as conferências livres. Desta vez, ampliamos os temas dos debates, proporcionando a participação de todos os segmentos da sociedade. Questões como diversidade e equidade estiveram nas discussões. O mapa do Brasil está completo”.

O presidente do CGEE afirma ainda que o evento poderá ser acompanhado de qualquer lugar do país. “Teremos a transmissão online de todas as sessões (https://www.youtube.com/mcti). Por uma questão de limitação física do espaço em Brasília, as inscrições para participar presencialmente da Conferência tiveram que ser limitadas. Mas vamos garantir que os interessados possam participar virtualmente”, disse. O formato on-line também garantirá certificação, desde que o participante confirme a sua inscrição no site https://5cncti.org.br/.

Fernando enfatiza a importância que a conferência tem na implantação de políticas nacionais para a CT&I. Ele relembra as diretrizes das conferências anteriores. “O Ministério de Ciência e Tecnologia, quando é criado, se norteia pelas discussões da 1ª Conferência Nacional de CT&I, em 1985. O próprio Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) nasceu na 2ª CNC&T”. Ele frisa ainda que, desde então, o CGEE passou a ter relevância fundamental na construção das conferências nacionais, organizando os eventos a partir de 2005. 

Para este ano, um dos desafios é sistematizar o material das pré-conferências a tempo do início da 5ª CNCTI. “Tantos eventos prévios geraram inúmeras contribuições, horas de discussões em texto e vídeos gravados. Não queremos deixar nada de fora. Temos uma comissão que trabalha arduamente para sistematizar esse material, que se utiliza até da Inteligência Artificial para reunir e separar o conteúdo”.

No caminho

O diretor-presidente do CGEE comemorou a retomada do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “Estamos no caminho certo, mesmo que ainda seja uma trilha muito longa e difícil, se compararmos a outros países”.

Para ele, o Brasil decola na questão da produção científica, mas ainda engatinha na parte da Tecnologia e Inovação. Enquanto o país investe em C&T cerca de 1,2% do PIB, outras nações desenvolvidas se aproximam dos 3%. “Alguns países, como a Coréia, chegam a 4% do PIB nacional”.

Fernando não tem dúvidas de que um maior investimento em ciência, tecnologia e inovação pode trazer a justiça social que queremos, mas ressalta que nem sempre os países que mais investem na área fazem isso. “Ajuda imensamente na busca de um país mais justo, sustentável e desenvolvido, mas isso não necessariamente quer dizer que os países que mais investem em C&T fazem internamente essa justiça social. Depende muito do seu viés político”, analisa.

A 5ª CNCTI terá quatro eixos temáticos estruturantes:

  1. Recuperação, expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; 
  2. Reindustrialização em novas bases e apoio à inovação nas empresas; 
  3. Ciência, Tecnologia e Inovação para programas e projetos estratégicos nacionais; 
  4. Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento social. 

Retrospectiva 

1ª CNCT (1985):
“Rumos do novo Ministério” — Discussão do recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia

2ª CNCT (2001):
“Novo modelo de financiamento para a área, baseado nos fundos setoriais” — Criação do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)

3ª CNCT (2005):
“Desenvolvendo Ideias para desenvolver o Brasil” — Importância da CT&I para gerar riqueza e promover a inclusão social

4ª CNCTI (2010):
“Política de Estado para ciência, tecnologia e inovação com vistas ao desenvolvimento sustentável”

Fonte: https://5cncti.org.br/

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