Os ecos do negacionismo perduram ainda hoje. Pouco mais de três anos após o início da vacinação no Brasil, a cobertura vacinal em crianças e adolescentes continua baixa. Em 2024, a covid-19 continua a matar e são ao menos 3 crianças ou adolescentes de até 14 anos, em média, a cada quatro dias, devido a complicações da doença, como atestam dados de estudo realizado pelo Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância – Fiocruz/Unifase).
O boletim do Observa Infância aponta para uma queda importante no número de óbitos nessa faixa etária após o início da vacinação, indicando a eficácia do imunizante. Mas em decorrência da intensa campanha efetuada por ativistas e autoridades negacionistas contrários ao imunizante no período da pandemia, o Brasil continua a registrar queda das atuais taxas de imunização de covid-19 e também de outras doenças. A baixa procura pela vacina ainda preocupa, pois está associada à continuidade da mortalidade pela doença, alerta o documento.
O Movimento Nacional pela Vacinação, lançado em 27 de fevereiro de 2024, produziu efeitos na adesão vacinal, mas não foi suficiente para retomar as altas coberturas. A mobilização começou pelo reforço contra a covid-19. O calendário prevê a aplicação de outras vacinas, como a da influenza, em abril e haverá um chamamento para atualização da caderneta com ações nas escolas do país, em maio.
Num efeito cascata do negacionismo, essa prática nefasta contra a ciência e ao conhecimento teórico e prático, a adesão à vacinação da dengue é baixa. O Brasil foi o primeiro país a incorporar a vacina no sistema público e tem uma batalha dupla ao enfrentar o mosquito e uma campanha antivacinação. No início de março, mesmo com mais de 1 milhão de casos da doença registrados em oito semanas de 2024, o país tinha aplicado apenas 11% das doses disponíveis.
Publicado em março de 2024, um artigo sobre hesitação vacinal infantil e covid-19 apresentou os resultados de uma pesquisa qualitativa de percepção realizada com 86 profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS). Produzida pelo Núcleo Interdisciplinar sobre Emergências em Saúde Pública (Niesp), um projeto integrado ao Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), a pesquisa revelou que os profissionais de saúde mencionam o medo como um dos motivos pelos quais as pessoas deixam de se vacinar, mesmo tendo acesso aos imunizantes. Ainda, que a desinformação gerou dúvidas sobre a vacinação e ressalta o papel fundamental dos profissionais de saúde da APS no aumento da cobertura vacinal.
“Pela primeira vez na história do PNI, órgãos públicos de comunicação foram responsáveis pela disseminação de desinformação e desincentivo a uma vacina, o que se relaciona com a ausência de coordenação federal sobre a vacinação, fatos determinantes para a hesitação vacinal no Brasil”, diz o artigo, assinado pelos pesquisadores Ester Paiva Souto, à frente do grupo de pesquisa, Michelle Vieira Fernandez, Celita Almeida Rosário, Priscila Cardia Petra e Gustavo Correa Matta.
Cada vez mais, investigações da Polícia Federal comprovam que houve o empenho e a participação ativa da gestão Bolsonaro para reforçar a ineficácia dos imunizantes contra covid-19. Em março de 2024, o ex-presidente foi indiciado por dois crimes relacionados a um esquema de falsificação de cartões de vacinação. Segundo a PF, um grupo de pessoas ligadas a Bolsonaro incluiu informações falsas no Conecte SUS, do Ministério da Saúde, para beneficiar o ex-presidente, seus parentes e auxiliares. Além do ex-presidente, outras 16 pessoas foram indiciadas.
Vacinas salvam vidas foi a frase que emergiu com força durante a pandemia. Em uma entrevista à Radis (233), o infectologista da Fiocruz, Julio Croda, um dos nomes que estiveram na linha de frente do combate à covid-19 desde a primeira hora e um dos cientistas brasileiros com maior projeção nesse cenário, apontou o papel da vacinação na prevenção de mortes e internações decorrentes da doença. Tal como na pandemia, em 2024, como levar mais brasileiros aos postos em um país em que avança o discurso antivacinação continua sendo um enigma a ser decifrado.
Radis abordou estratégias utilizadas por agentes de saúde para garantir a prevenção por meio da vacinação. Na Maré, no Rio de Janeiro, a busca ativa se tornou uma tática eficaz para que as famílias completassem o esquema vacinal. Na sombra de uma árvore, uma equipe de vacinação montou um posto itinerante para vacinar indígenas durante a crise Yanomami. As imagens do esforço de profissionais de saúde para que a vacina contra a covid-19 chegasse à população mostrou a capacidade de o SUS alcançar locais remotos do país e continuam a ser doses de esperança em um momento em que o Brasil enfrenta questionamentos equivocados e informações mentirosas sobre a eficácia e efetividade das vacinas.
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As estatísticas apontam que quase 17 milhões de pessoas morreram desde o anúncio da OMS e quase 696 milhões de pessoas foram oficialmente infectadas. No Brasil, foram 38 milhões de casos e mais de 710 mil mortes pela doença provocadas pela negligência e omissão deliberadas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, autoridades e gestores de saúde. Dados do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) mostram que, entre 2020 e 2021, 113 mil menores de 18 anos perderam pai, mãe, ou ambos para a covid no país.
Um projeto de lei que está tramitando na Câmara dos Deputados visa apoiar os órfãos da covid. O PL 2291/21, aprovado em dezembro de 2023 na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), cria a pensão especial para crianças e adolescentes, em caso de falecimento dos pais ou responsáveis em decorrência de covid-19. O valor fixado pelo PL é de R$ 1,5 mil por criança ou adolescente. Para receber a pensão, a família deve possuir renda bruta mensal igual ou inferior a dois salários mínimos e a criança ou adolescente não deve receber pensão por morte.
Em março, o Ministério da Saúde confirmou a criação do Memorial da Pandemia de Covid-19, que vai homenagear as vítimas, resgatar o percurso da pandemia e servir de guia para que os mesmos erros não sejam novamente cometidos. O memorial será localizado no Centro Cultural do Ministério da Saúde (CCMS), na Praça XV, no Rio de Janeiro, e resulta de ação conjunta dos ministérios da Saúde e da Cultura.
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