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2024 ficará marcado como um ano em que o país sofreu com as queimadas. “Brasil tem cerca de 60% de seu território coberto por fumaça das queimadas”, informou o site da revista Carta Capital, na segunda semana de setembro. A reportagem (9/9), previa que a fumaça proveniente dos incêndios chegaria, até o fim daquela semana, às capitais da Argentina e do Uruguai.
Os números divulgados até aquele momento eram alarmantes: Quase 5 milhões de quilômetros quadrados do Brasil estavam cobertos por fumaça, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) — uma extensão de terras que corresponde a 60% do território nacional; o índice de queimadas na Amazônia era o maior em 19 anos; São Paulo registrou, por dias seguidos, a pior qualidade do ar entre as metrópoles de todo o mundo, segundo o site suíço IQAir.
“Diante de onda de queimadas, Lula anuncia criação da Autoridade Climática”, noticiou o Globo (10/9), na cobertura da visita do presidente ao Amazonas. A ideia é que se crie um comitê técnico-científico que dê suporte e articule a implementação das ações do governo federal de modo permanente, anunciou Lula. Ao mesmo tempo, em evento do G20, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, falou sobre a seca no Brasil e disse ser preciso elevar a pena para quem faz queimadas, segundo informou o site da CBN (11/9). Ainda de acordo com a publicação, a ministra afirmou que o Brasil tinha naquele momento 25 estados em situação de seca extrema, com exceção apenas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Na contramão das ações do Executivo, também mereceu destaque na imprensa o “silêncio” do Congresso Nacional em relação à pauta. “Parlamentares praticamente não enviam emendas para combate a queimadas”, publicou o site G1 (10/9), informando que, dos R$ 21 bilhões empenhados em demandas individuais em 2024, apenas R$ 236 mil foram encaminhadas para “Ações de Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais prioritárias”.
Falta de informação não é. Desde o início de agosto, as manchetes já anunciavam o alto número de queimadas em diferentes estados do país. “Fumaça encobre Manaus em meio a aumento das queimadas”, noticiava o site CNN Brasil (12/8); “Queimadas assustam moradores do Lago Oeste, no DF”, publicava o G1 (14/8); “Acre supera 1.000 focos de queimadas e qualidade do ar fica insalubre”, registrava o site AC24horas (14/8); “Sem chuva há 81 dias, Porto Velho segue com calor intenso e queimadas”, apontava o portal Rondoniagora (14/8).
As notícias confirmavam os números do Infoqueima (https://bit.ly/infoqueima), boletim mensal de monitoramento e risco de queimadas e incêndios florestais publicado pelo programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo o levantamento, em julho de 2024, foram registradas por satélite 22.478 focos de fogo em todo o país, com uma concentração maior nas regiões Norte e Centro-Oeste. O maior número de casos ainda se concentra na Amazônia (51%), seguida pelo Cerrado (33%) e Mata Atlântica (8%).
O boletim sinalizava que a situação poderia se agravar, já que agosto é tradicionalmente caracterizado pela diminuição das chuvas. A previsão se confirmou: na segunda semana do mês, após Manaus registrar dias seguidos com o céu encoberto por fumaça, o ambientalista Erivaldo Cavalcanti previu aumento nos focos de incêndio e fez uma avaliação pessimista do cenário futuro: “A questão é humana também. De um lado se faz incêndio para se avançar sobre a floresta. Do outro lado, temos também esses incêndios que são gerados por conta das mudanças climáticas, naquilo que se chama o ponto sem retorno”, explicou ao G1 (13/8).
A partir de setembro, o Cerrado tornou-se o bioma com mais registros diários de focos de incêndio no Brasil, ultrapassando a Amazônia, alertou a articulação O Agro é fogo, em sua conta na rede social Instagram – @agroefogo (11/9). O grupo acusa “a lógica capitalista do agronegócio” de estar matando o bioma. “No Maranhão, a expansão do agro tem sido uma das principais causas de desmatamento, com vastas áreas sendo convertidas em pastagens e plantações de soja. Além disso, o uso intensivo de agrotóxicos contamina o solo e os recursos hídricos, afetando a saúde das comunidades locais e a biodiversidade”, diz uma postagem, assinada em conjunto com a Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa), o grupo de estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais e a Rede de Agroecologia do Maranhão.
Para além dos números, das discussões teórico-científicas sobre mudanças climáticas e das atribuições de responsabilidade sobre a situação, as queimadas trouxeram à tona o impacto da destruição no cotidiano das pessoas — até de quem vive nas grandes cidades, próximas ou distantes dos focos de incêndio. Leitores da Radis, vivendo em diferentes cidades como São Paulo, Cuiabá e Brasília, compartilham como tem sido enfrentar estes dias, de tempo seco e muita fumaça.
A jornalista Bruna Viana conta como a fumaça impediu que seu pai, o seu José, pudesse assistir ao tradicional chorinho na praça do parque, em Brasília, como faz todos os domingos; ela, por sua vez, não tem saído para correr na rua, como de costume. O pesquisador Sully Sampaio recorda uma toada do Boi Garantido enquanto vê se concretizarem as profecias de Davi Kopenawa, no céu acinzentado de Manaus; em São Paulo, o tradutor Leonardo Pinto evoca a tradição nórdica de Ragnarok, que prevê o colapso do planeta, ao descrever as consequências da crise climática tropical em seu dia a dia; Em Porto Velho, o jornalista José Gadelha relata a dificuldade de se respirar e o ardor dos olhos que atinge quem mora na capital rondoniense, enquanto o assistente social Josiley Rafael respira com dificuldade em Cuiabá, onde cuida da mãe, internada por conta de problemas respiratórios decorrentes da inalação de fumaça, e torce pelo pai, que luta, no campo, contra o fogo e a destruição de tudo que conseguiu “plantar” ao longo de sua vida.
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