Desde o fim de julho, Porto Velho – capital de Rondônia – vem registrando os piores índices de qualidade do ar, em comparação às demais cidades brasileiras. As medições são de uma empresa suíça (IQAir) que realiza essa análise em diversos países. No dia 24 de julho, nós – portovelhenses – amanhecemos com a notícia de que estávamos inalando um Índice de Qualidade do Ar (IQA) de 132, estando à frente de cidades como Campinas (SP), que apresentou um índice de 99, e São Paulo, com 75, no ranking de poluição.
Semanas se passaram e a situação só piorou. Enquanto esperávamos que aquela fumaça escura e tóxica se dissipasse, os índices de qualidade do ar, em Porto Velho, subiram a patamares ainda mais preocupantes. E no dia 27 de agosto, estávamos respirando um ar de qualidade correspondente (IQA) a 893, considerado extremamente perigoso, o último grau de classificação da plataforma suíça, que varia entre ‘Bom’, ‘Moderado’, ‘Insalubre para grupos sensíveis’, ‘Insalubre’, ‘Muito insalubre’ e ‘Perigoso’. Continuávamos no pior patamar.
O tempo seco, acompanhado pelas queimadas e a estiagem severa que levou o principal rio do estado, o Madeira, ao seu pior nível da história – ocasionando restrições à navegação e impossibilitando atividades essenciais à vida de populações ribeirinhas, como o acesso à água e ao alimento, dentre outros prejuízos – faz aumentar a triste sensação de que estamos sucumbindo a passos largos, na mesma velocidade com que os nossos territórios são esfacelados.
Enquanto o desequilíbrio ambiental destroça diferentes biomas (a Amazônia e o Cerrado lideram os focos de queimadas em 2024, concentrando 46,8% e 32,3% respectivamente, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe), junto com eles somos também consumidos. É como se – aos poucos – a força que nos resta vai sendo sufocada diante de tanta impunidade, ganância, arrogância e omissão dos que estão no poder. Parafraseando Ailton Krenak, parece que a única forma de garantir a existência humana é exaurir todas as outras possibilidades de vida.
— Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil.
Nesse cenário, as orientações que tanto ouvimos em noticiários para que a população “intensifique” os cuidados a fim de evitar problemas de saúde, durante o verão amazônico e o aumento das queimadas, parecem não fazer muito sentido, pois seguimos correspondendo a uma lógica de vida questionável, baseada no acúmulo de riquezas em detrimento da destruição da nossa própria casa, o nosso quintal.
Hidratar-se bem; espalhar baldes de água pela casa ou usar umidificador de ar; manter portas e janelas fechadas; evitar exposição à fumaça. Podem até ser dicas para enfrentarmos a dureza das queimadas (a depender dos contextos em que cada indivíduo estiver inserido nessa ampla rede de desigualdades e injustiças sociais), mas em nada isso ameniza a gravidade do problema.
Na realidade, estamos sendo sufocados dia após dia, enquanto presenciamos claramente a desresponsabilização ética que está por trás de todas essas consequências danosas para as quais todos foram alertados há muito tempo. Não há escolhas que possamos fazer que não tragam consequências, sejam elas previsíveis ou não, boas ou más.
Hoje, o meu peito respira sob um aperto sufocante e as noites mal dormidas são acompanhadas de um terrível cansaço, muito pior do que o que sentimos durante o dia, respirando esse ar tóxico, pesado, impregnado de partículas corrosivas. Os olhos e o nariz apresentam um ardor constante. A garganta fica irritada o tempo todo e a sede parece insaciável, sem exageros. A cabeça parece que vai explodir. Os dias amanhecem com uma cortina densa de fumaça praticamente impenetrável à luz do sol, tornando-o imperceptível, e o cair da noite não tem revelado mais a sua grandeza e beleza.
Se as previsões se confirmarem, os próximos dias serão ainda piores, pois ainda não chegamos ao ápice do verão amazônico, quando as altas temperaturas e o tempo seco elevam o número de queimadas. O Governo de Rondônia decretou estado de emergência (26/8) por conta da quantidade de queimadas, justificando que o cenário “tornou-se preocupante”. Resta-nos aguardar a centralidade que o assunto vai receber nos próximos dias, durante os debates das eleições municipais.
■ José Gadelha, Jornalista, assessor de comunicação da Fiocruz Rondônia, membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes (ARL) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fiocruz.
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