O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda no seu discurso de posse (20/1), deixou claro que fará uma gestão no mínimo controversa. No seu primeiro dia de mandato, assinou 46 decretos. Sua caneta pesou principalmente contra imigrantes, políticas ambientais, saúde pública, diversidade e opositores políticos.
O que é apenas bravata? O que é balão de ensaio? O que, de fato, será levado adiante? O mundo assiste ainda incrédulo a alguns de seus atos. Agentes do governo estão indo de porta em porta para prender imigrantes ilegais. Até 28 de janeiro, mais de 3.500 pessoas foram detidas — o número de deportados cresce a cada dia. Um grupo de 88 brasileiros esteve entre os expulsos dos Estados Unidos. Chegaram ao Brasil acorrentados e algemados, uma medida que extrapola o direito estadunidense.
A expulsão de colombianos gerou o primeiro conflito diplomático — o governo de Gustavo Petro, presidente da Colômbia, que inicialmente se recusou a receber seus compatriotas “despachados” em aviões militares, teve que recuar após ameaça de embargos econômicos. Trump sabe de seu país na economia mundial e joga pesado com isso. O presidente dos Estados Unidos também anunciou a retirada do país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e assinou a saída do Acordo de Paris. Essas decisões, caso não sejam revogadas, terão impactos globais nas áreas da saúde e do meio ambiente. Entenda as medidas ponto a ponto.
Saída da OMS
Dentre as diversas medidas polêmicas tomadas pelo novo presidente dos Estados Unidos, a decisão de retirar o país da OMS foi uma das mais drásticas. Este ato deve ter consequências no agravamento da crise mundial de saúde, deixando vulneráveis programas de prevenção a doenças e pandemias.
Com a saída dos Estados Unidos, o maior financiador da OMS, o mundo terá dificuldades para enfrentar emergências sanitárias e prováveis novos surtos de vírus ainda desconhecidos. Apenas na última década, o país contribuiu com quase R$ 5 bilhões para a organização.
Os americanos financiam 75% do programa da OMS para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis e mais da metade das contribuições para combater a tuberculose. “Com a saída dos EUA, esses financiamentos estão em risco”, avalia o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz, em entrevista ao UOL (22/1).
Em nota oficial (21/1), a OMS lembrou que os próprios Estados Unidos poderão ser prejudicados por tal decisão e disse que espera uma reconsideração de Trump. “Por mais de sete décadas, a OMS e os Estados Unidos salvaram incontáveis vidas e protegeram norte-americanos e toda a população global de ameaças à saúde. Juntos, eliminamos a varíola e levamos a poliomielite à beira da erradicação”, declarou. “Esperamos que os Estados Unidos reconsiderem [a decisão] e possam se engajar em um diálogo construtivo para manter a parceria entre o país e a OMS, para o benefício da saúde e do bem-estar de milhões de pessoas em todo o mundo”, concluiu a nota.
Foto divulgada pela própria Casa Branca de imigrantes deportados, algemados e acorrentados. — Foto: Karoline Leavitt (Casa Branca).
Caçada a imigrantes
Nesse início de mandato, Trump mirou firme contra os imigrantes. Assinou a declaração de emergência na fronteira com o México, autorizando o envio de tropas e a liberação de recursos para combater a entrada ilegal de pessoas. Mas o alvo não são apenas novos imigrantes.
Milhares de pessoas que vivem ilegalmente nos Estados Unidos estão sob a tensão de serem presas e deportadas para seus países de origem. Trump anunciou (29/1) até mesmo a intenção de transferir cerca de 30 mil estrangeiros em situação irregular para a base norte-americana de Guantánamo, em Cuba — onde existe uma prisão para terroristas. Lojas, restaurantes, áreas de plantação e de construção já sentem falta da mão de obra daqueles que simplesmente fugiram para não serem encontrados.
No dia 24 de janeiro, 88 brasileiros foram deportados e chegaram ao país algemados. A Polícia Federal divulgou nota sobre o episódio. “Os brasileiros que chegaram algemados foram recebidos e imediatamente liberados das algemas, na garantia da soberania brasileira em território nacional e dos protocolos de segurança em nosso país”.
Entre as medidas assinadas por Trump, estão o reforço da segurança na fronteira, a suspensão da entrada de refugiados e mudanças no direito à cidadania. Procuradores-gerais de 18 estados americanos entraram na Justiça contra o decreto que revoga o direito à cidadania por nascimento para filhos de imigrantes em situação irregular nos Estados Unidos. A medida, que também afeta filhos de mães com visto temporário, contradiz a 14ª Emenda da Constituição estadunidense, que garante o direito há mais de 150 anos.
“Estamos diante de um fato político de perseguição a estrangeiros nos Estados Unidos, principalmente latinos. É uma visão preconceituosa, racista, discriminatória e que atenta inclusive contra princípios até mesmo do direito norte-americano. Curioso é que os Estados Unidos são um país formado essencialmente por imigrantes, e eles agora querem perseguir exatamente os imigrantes que vão para lá e as pessoas que nascem [no país]”, declarou o cientista político Jorge Folena, em entrevista ao Brasil de Fato (22/1).
Direitos de pessoas LGBTQIA+ estão sob ameaça. — Foto:Fred Murphy.
Diversidade e inclusão
Em memorando divulgado pelo Escritório de Gestão de Pessoal (22/1), Trump ordenou o fechamento imediato de todos os programas de Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade (DEIA) do governo federal. A medida afeta políticas voltadas a grupos que são historicamente sub-representados ou sofrem discriminação [Leia em breve artigo no Pós-tudo sobre o assunto].
Esses programas incluem ações de contratação e promoção, treinamento sobre “preconceito inconsciente” no local de trabalho, auditorias de equidade salarial, programas de mentoria e estágios, como detalhou a CNN (23/1). Geralmente são políticas voltadas para empresas visando combater discriminações históricas.
O grupo Advocates for Trans Equality publicou nota pública condenando as medidas. “Hoje é um dia difícil para a nossa comunidade. O novo governo atacou a vida de pessoas trans, a saúde e a dignidade […] Nos próximos meses, dar apoio e suporte para cada uma [das pessoas trans] será mais importante do que nunca”.
Saída do Acordo de Paris preocupa sobre os impactos nas políticas para o clima. — Foto: Vladimir Morozov/AKXmedia.
Retirada do Acordo de Paris
Trump também retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. O tratado, assinado por 196 países em 2015, tem como objetivo principal a redução das emissões de gases que causam o efeito estufa para evitar o aumento da temperatura global acima dos 1,5°C. O novo presidente também revogou medidas ambientais de Biden que restringiam a exploração de petróleo em áreas costeiras dos EUA.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, nem esperou o novo presidente dos Estados Unidos terminar seu discurso de posse para começar a criticá-lo. Em publicação no seu perfil oficial, ainda durante a fala de Trump, ela escreveu que as ideias apresentadas até então “são o avesso da política guiada pelas evidências trazidas pela ciência e do bom senso imposto pela realidade dos eventos climáticos extremos, inclusive, em seu próprio país”.
Bispa desafia presidente americano
Um dia após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinar uma série de decretos que ameaçam imigrantes e pessoas LGBTQIA+, a bispa Mariann Edgar Bude repreendeu o líder estadunidense. “As pessoas que colhem nossas plantações e limpam nossos prédios de escritórios, que trabalham em granjas avícolas e frigoríficos, que lavam a louça depois de comermos em restaurantes e trabalham no turno da noite em hospitais, elas podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos imigrantes não é criminosa”, disse ela, durante uma missa na Catedral Nacional de Washington (21/1).Na Igreja, Trump escutou o sermão visivelmente constrangido. “Em nome do nosso Deus, peço que tenha misericórdia das pessoas em nosso país que estão assustadas agora. Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas”, afirmou a religiosa.
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