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A motocicleta entrou na vida de Taiane Ribeiro, de 30 anos, antes das entregas por aplicativo. Ela já era motoqueira e usava esse meio de transporte para ir ao emprego, que mantinha com carteira assinada. Em 2017, ela descobriu que, por meio das plataformas digitais, poderia ganhar uma renda extra. Assim, começou. Desde maio de 2019, Taiane passou a trabalhar somente com serviços de delivery. Hoje, é com esse trabalho que garante sua renda. Faz entregas vinculadas a dois aplicativos, além de prestar o mesmo serviço para microempreendedores. Em mais um dia de trabalho, ela falou à Radis por telefone.

Durante esses anos como entregadora, Taiane notou mudanças. Os valores foram sendo reduzidos e, com a pandemia, baixaram ainda mais. “Tudo aumentou, tudo foi taxado com um valor maior”, diz. “Mas quem está entregando continua recebendo um valor igual ou inferior ao que recebia há dois anos”. Também vê diferenças em relação ao número de pessoas trabalhando que, na sua opinião, deve ter triplicado desde que começou a rodar fazendo entregas. Hoje, sua rotina de segunda a sexta-feira está dividida assim: sai de manhã, faz um intervalo durante à tarde, quando volta para casa no centro do Rio de Janeiro – momento em que almoça, por exemplo –, e retorna ao trabalho à noite. Nesse turno, seus horários são regidos pelo fluxo do aplicativo, até que encerre sua jornada. Aos sábados, normalmente, circula apenas na parte da noite e, quando bate a meta semanal, tira o domingo para descanso, o que acredita ser o melhor a fazer.

Durante o muito tempo que fica na moto, Taiane precisa ter concentração no aplicativo, no trânsito e nas outras pessoas ao seu redor. Com a pandemia de covid-19, tornou-se necessário levar duas máscaras e o álcool em gel, além de tentar ter o mínimo de contato com os clientes. O trabalho afeta a saúde não só por conta da pandemia. Ela explica que, quando sabe que vai ficar muito tempo fora de casa e não terá tempo para voltar, tenta levar um lanche, algo para beber, durante um horário em que ache que o aplicativo não vai tocar. A coluna também sofre os impactos da rotina. “Agora eles estão fazendo entrega para mercado e aí, normalmente, é um peso muito maior do que você está acostumado a levar dentro da bag [mochila utilizada pelos entregadores]. Você bota, sei lá, 15, 20 quilos nas costas, o que prejudica a coluna de uma forma absurda.”

Apesar da aparente flexibilidade, Taiane vê uma “falsa ilusão” na ideia de que o entregador tem liberdade para fazer a sua rotina de trabalho. Ela lembra que existem os horários de pico nos aplicativos – geralmente, na hora do almoço e do jantar – e que as promoções são feitas durante o final de semana. “É muito complicado. Você vai fazer o quê? Não vai para a rua e não bate a sua meta diária?”, indaga, explicando que a maioria dos entregadores tem uma meta a alcançar se quiser pagar a manutenção da moto, botar gasolina, sobreviver.

Taiane aderiu à paralisação dos entregadores ocorrida no dia 1° de julho. Não foi ao trabalho e alertou os amigos pelas redes sociais para que evitassem fazer compras pelos aplicativos naquela data. Para ela, a ação foi importante para demonstrar a precarização desse tipo de trabalho. “Quem está na categoria há muito tempo, está meio cansado de tudo o que já disseram que iam fazer, e nunca fizeram em relação a essa classe”, comenta. “É uma classe bem esquecida. É tipo o porteiro com quem você não fala, o gari, o segurança. São pessoas meio que invisíveis para a sociedade.”

No dia a dia, Taiane vê poucas mulheres trabalhando na área, o que causa uma certa surpresa em várias situações. “Quando você está com uma roupa de motoqueiro, geralmente o seu gênero é modificado. Até olharem para a minha cara e descobrirem que se trata de uma mulher”. Quando não está trabalhando, gosta de fazer poesia, entre outras coisas – algo que também lhe gera renda, ainda que nem sempre. Os poemas entraram na sua vida no final de 2018. Queria colocar no papel tudo aquilo que não cabia mais dentro de si. Depois, se apaixonou pelo Slam [batalhas de poesia falada]. Escreve sobre vivências, ancestralidade, corpos de mulheres negras, a raça, os problemas sociais. Mas é mesmo sobre duas rodas que ela vive a maior parte do tempo. “Se o dia tem 24 horas, eu passo pelo menos 16 delas na minha moto. Ela é o meu trabalho. Mas ela também me leva e me traz por essa cidade de uma forma muito gostosa”, conclui Taiane, que se apresenta como MotoTai em suas poesias.

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