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Luhandra fez cinco anos. Ganhou laço de fita no cabelo comprido, bolo, presente, salgadinho, as letras de seu nome em balões metalizados na parede. Aninhada nos braços da mãe, é o centro das atenções. Assim tem sido desde que nasceu em 5 de novembro de 2015, com 38 semanas e dois dias, em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife (PE), desafiando os prognósticos mais pessimistas. Diziam que, se sobrevivesse ao parto, ela não chegaria ao primeiro ano de vida, que teria muitos problemas no cérebro, que seria uma recém-nascida “danificada” — foi a palavra que a mãe de Luhandra ouviu de um médico depois de um exame de ultrassonografia. “Da-ni-fi-ca-da!”, assusta-se ainda hoje Jusikelly Severina da Silva, ao lembrar do episódio. “A minha filha é o meu milagrezinho”.

Luhandra Vitória da Silva — o segundo nome é uma explícita referência à primeira etapa vencida — veio ao mundo com microcefalia, essa palavra comprida pronunciada por médicos diante de mães atônitas que não entendiam por que as suas crianças nasceriam com cabecinhas pequenas, o perímetro cefálico menor do que o considerado normal. Jusikelly ficou abalada. Ainda hoje não lembra como conseguiu encontrar o caminho de volta para casa logo após o diagnóstico. Estudou, pesquisou, virou noites na Internet. Viu na TV que o seu caso não era o único. No Centro Médico onde Luhandra nasceu, escutou que pelo menos outros 50 casos haviam sido registrados no mês anterior. Era o final do ano de 2015, um verão quente em Pernambuco.

Ainda demoraria um pouco até que, intrigados, médicos e outros profissionais de saúde, pesquisadores e autoridades sanitárias apontassem respostas. O fenômeno estava associado ao vírus zika — transmitido pelo mosquito Aedes aegypt — que pode ultrapassar a placenta de mulheres grávidas infectadas durante a gestação causando malformações congênitas nos fetos. Diante das evidências, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em fevereiro de 2016, que o aumento repentino no número de casos de microcefalia pelo vírus zika constituía uma Emergência Sanitária de Interesse Global. De lá para cá, pesquisadores, instituições e sociedade têm trabalhado conjuntamente. E o Sistema Único de Saúde segue desempenhando papel central. Mas muito ainda precisa ser feito. É quase automático relacionar a microcefalia à epidemia daquele período. Na verdade, essa é apenas uma das características do que ficaria conhecido mais tarde como Síndrome Congênita do Vírus Zika, um quadro que engloba inúmeros outros sintomas diante do comprometimento do sistema nervoso central. Crianças com a síndrome podem apresentar deficiências físicas, motoras e sensoriais: problemas de visão e audição, rigidez muscular e atraso no desenvolvimento psicomotor, por exemplo.

Foi aos seis meses de idade a primeira convulsão sofrida por Luhandra. Os 15 dias de internação seguidos por mais 15 deram a dimensão do caminho em zigue-zague que Jusikelly teria pela frente. “Ela desaprendeu até a mamar”, conta à Radis, cinco anos depois. A cada crise convulsiva, a filha de Jusikelly precisa começar tudo outra vez. “Isso é o que mais atrapalha porque cada vez que acontece é como se ela esquecesse de tudo”. Quando está bem, Luhandra reage aos estímulos da mãe e às terapias, sabe escolher as sílabas para pedir água ou mingau, chama pela avó e, ao seu modo, convoca a família para um passeio. “Ela adora rua”. Gargalha quando assiste às novelas ou a um filme na TV. A mãe vibra com cada conquista. “Luhandra tem as limitações dela, mas é bem evoluída fisicamente, principalmente se levarmos em conta os danos que tem no cérebro — e que são muitos”. Sua rotina inclui muitas consultas, exames, idas à fisioterapia, fonoaudiólogos, neurologistas, ortopedistas e outras terapias que acessa via SUS. No ano passado, começaria a frequentar a creche depois de assegurar que um profissional se responsabilizaria pelos cuidados especiais de que necessita — Luhandra se alimenta por sonda. Mas a pandemia de covid-19 interrompeu os planos por ora.

Jusikelly é uma mulher de 37 anos, com outros quatro filhos, além da caçula. Quando Luhandra nasceu, viu a pequena mercearia, ganha-pão da família, definhar até fechar as portas. Precisava se dedicar inteiramente à menina. “A gente era pobre, mas tinha estabilidade financeira. Perdemos tudo. Foi complicadíssimo. Só agora estamos nos reorganizando”. Nos últimos tempos, além da ajuda do marido e dos filhos mais velhos nos cuidados com Luhandra, conta ainda com o auxílio da mãe que passou a morar com ela. Pode deixar a pequena em segurança, antes de partir para a lida diária no serviço que começou recentemente como técnica em tubulação de gás. Mas as quintas-feiras continuam destinadas à filha. Arruma a sua garota, pega a cadeira de rodas e apanham juntas a van até a Fundação Altino Ventura, no Recife, entidade filantrópica que reúne, em um único local, as muitas terapias necessárias.

No dia do quinto aniversário da filha, diante da velinha, é provável que Jusikelly tenha feito em silêncio o mesmo pedido que revelou à Radis durante a nossa entrevista: “Meu desejo hoje era que ela andasse e falasse e parasse de comer pela sonda”.

Luhandra em dois momentos: com a mãe, durante uma ida à terapia em tempos de covid-19, e, antes, em um de seus passeios favoritos. (Fotos: Acervo particular)

Esperança e preconceito

Uma mãe gravou um vídeo com todas as necessidades da filha para que a escola fosse se adaptando ao mundo da criança e depois descobriu, orgulhosa, que a menininha está fazendo história no local. Outra aprendeu a sair de casa, pegar ônibus e experimentar vários itinerários pela cidade que antes ela mal conhecia. Uma terceira descobriu a importância de frequentar sessões de terapia individual ou em grupo para melhor enfrentar seus medos. E há ainda aquelas que se uniram para criar associações comunitárias ou ONGs e brigar por direitos. Também curtem a infância de seus filhos, vestem de noivo ou Lampião na festa junina; de mulher maravilha ou pirata, no Carnaval.

“Fico muito impactada com o esforço que essas mulheres fazem para ler o mundo e criar esperança”, diz a antropóloga Soraya Fleischer. “E elas fazem isso, de forma maior ou menor, todos os dias”. Entre 2016 e 2019, a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) esteve em Pernambuco com a sua equipe, acompanhando o cotidiano das mulheres mães de crianças que nasceram com microcefalia na epidemia do vírus zika. “Como você cria esperança vivendo apenas com o valor de um salário-mínimo do Benefício de Prestação Continuada (BPC)? Como você cria esperança vendo as políticas públicas se deteriorarem e o Estado diminuir? Com quais recursos você pode contar para desenhar um futuro para seu filho?” Eram perguntas que se fazia diariamente em campo, durante os quatro anos em que esteve junto dessas mulheres nas reuniões da associação de mães, nos exames de rotina, nas sessões terapêuticas, na sala e na cozinha de suas casas, no ônibus, numa festa de aniversário. “Essas mulheres me balançavam porque mexiam com a ideia equivocada e limitada de que ter um filho com deficiência podia ser fardo ou tristeza”, disse Soraya à Radis. “Elas faziam festa, morriam de rir com a criança, queriam que seus filhos vivessem uma vida plena, com os outros filhos, socializassem com os vizinhos”.



Mas se a esperança era algo que tocava o coração da antropóloga, havia experiências muito mais dramáticas que lhe doíam no fígado, a exemplo do modo como essas mulheres eram destratadas no auge da sua dor, inclusive nos consultórios médicos. Como no dia em que Soraya ouviu de uma mãe — e isso estava longe de ser um caso isolado — a batalha travada durante uma consulta de avaliação de cirurgia. “Por acaso a senhora é da saúde?”, indagou o profissional depois que a mulher insistia com alguns detalhes. “O médico aqui sou eu”. Nesse caso, a mulher devolveu: “E eu sou mãe. Eu quero saber tudo, quero poder ajudar o melhor que puder a minha filha”. Para a pesquisadora — que conta essa e muitas outras histórias no livro “Micro: contribuições da antropologia”, lançado recentemente como um dos resultados da pesquisa —, esse também é “um exemplo da misoginia que elas sofrem cotidianamente por parte de alguns maridos, pais e irmãos, no transporte urbano, no balcão da farmácia e da prefeitura”.

Algumas dessas mulheres decidiram cursar enfermagem, fisioterapia, cursos profissionalizantes na área, depois de se tornarem “mães de micro” — termo que elas próprias usam para falar de si. Outras acabaram conhecendo o Sistema Único de Saúde em todas as suas nuances. “Essas mulheres, suas crianças e famílias se tornaram doutoras sobre o SUS”, escreve Soraya em um de seus artigos. À Radis, ela acrescenta que, embora existam muitos exemplos de relações de afeto e confiança genuínos construídas com profissionais de saúde, é preciso estar atento para os casos em que isso não acontece. “Essas mulheres nos falam de um outro saber que muitas vezes o médico desconhece e ainda de respeito e de humanidade”, resume, acrescentando que todas as incoerências do Brasil podem ser revividas dentro de um consultório. “Ali, você pode encontrar fortemente o racismo, a homofobia, o machismo e o classismo”. Segundo a antropóloga, essas práticas não dizem respeito apenas à medicina, enfermagem e outras áreas de reabilitação. “Elas dizem sobre a luta de classes, diária, que temos em nosso país”.

Até 2020, cerca de 4 mil crianças haviam nascido com a Síndrome Congênita do Vírus Zika — a grande maioria delas, filhas de mulheres que moravam na periferia das grandes cidades e por isso, mais expostas à falta de saneamento básico e outras condições que favorecem a proliferação do mosquito transmissor da zika, além de possuírem menos acesso a políticas de planejamento reprodutivo e aos serviços de saúde. O Nordeste concentrou 62,5% de todos os casos.

Dentro do ônibus, fora de casa

Era início de 2016, auge da epidemia. Marcelo Castro, então ministro da Saúde, foi aos jornais defender o engajamento da população na eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti, como única forma de evitar uma “geração de sequelados”. Se o preconceito aparecia assim em horário nobre nas falas oficiais, não é difícil imaginar que ele também seria reproduzido nas ruas, nos parques, no olhar de viés da senhora do ônibus, na bronca do motorista. Jusikelly perdeu as contas de quantas vezes sofreu constrangimento em público. Numa dessas, enquanto segurava Luhandra nos braços e, pela mão, sua outra filha, apenas um ano mais velha, ouviu do condutor: “Pegue outro, que esse aqui não é para vocês”. Ela deu de ombros, mas durante o trajeto seguiu ouvindo uma série de impropérios e xingamentos.

“Ele chegou a dizer: ‘Essas mulheres acham que essas crianças têm algum direito, mas elas não têm direito a nada’”. Nesse momento, retrucou, levantou a voz e, antes de dar sinal para descer, ainda ouviu o motorista se referir às crianças com microcefalia como “aberrações”. Decidiu prestar queixas na delegacia mais próxima. Jusikelly também foi à TV e denunciou as ofensas em uma reportagem. Depois disso, imagina que o homem sofreu a punição merecida. “Nunca mais o vi nessa linha. Ele foi demitido”, conta, não sem trauma. Na entrevista com Radis, ela diz ainda que, depois do episódio, lutou por dois anos contra a depressão e a síndrome do pânico. “Hoje, consigo falar. Reconheço meus medos. Tive de superá-los pela minha filha”. Mas nunca mais na vida tomou um ônibus.

Sua história é parecida com a de muitas mães. Raquel Lustosa, antropóloga e uma das 12 integrantes da pesquisa realizada em Pernambuco — segundo estado com o maior número de casos notificados (13,5%), atrás apenas da Bahia (16,4%) —, lembra de um relato semelhante, quando uma mãe moradora da Região Metropolitana de Recife demorou mais do que o previsto em uma consulta na capital e perdeu o horário marcado pela condução da prefeitura que lhe levaria de volta à sua cidade. “Ela não tinha dinheiro para voltar para casa com a criança. Ela não sabia nem que ônibus pegar ou a quem recorrer. Também ficou sem os remédios da criança já que havia levado só o suficiente para passar o dia fora”, recorda Raquel. Sem remédio, sem alimentação, a mulher pernoitou em uma casa de apoio e, no dia seguinte, precisou pedir ajuda financeira na rua para conseguir retornar.

Ao citar o episódio, Raquel constata que essa é uma história emblemática e com muitas camadas para fazer pensar sobre a falta de assistência e de informação, além de revelar a violência cotidiana extrema a que essas mulheres estão suscetíveis. Ao mesmo tempo, ela explica que a mãe processou o motorista e lhe contou aliviada que, apesar daquele contexto de vulnerabilidades, agora se sente mais forte. “Ela me disse que não se considera mais apenas dona de casa, mas uma mulher viajante e conhecedora de seus direitos”. No livro-resultado da pesquisa, Raquel escreve o capítulo intitulado “Mulheres”. Por meio de “Inês” — uma personagem que reúne diversas histórias coletadas em campo —, ela nos apresenta mulheres plurais, diversas, heterogêneas que “aprenderam a falar”. A voz de Inês é também a voz de muitas. “Mas tento não romantizar. Porque todas as suas conquistas se deram às custas de muito trabalho”, completa, ressaltando o protagonismo feminino no cenário da epidemia de zika que transformou mães, avós, irmãs, tias e vizinhas em sujeitos políticos.

“É muita luta!”, ela diz. Elas dizem.

Obstáculos: Fake news e boatos

No início da epidemia de zika, boatos, fake news, verdadeiras teorias da conspiração circularam nas redes fazendo aumentar a angústia da população. Dizia-se que o fenômeno estava relacionado a algum fator exclusivo da região Nordeste, que vacinas estragadas contra rubéola e sarampo dadas a grávidas teriam causado microcefalia nas crianças ou ainda que o larvicida usado para combater o mosquito era o responsável — e não o vírus zika. A ciência respondeu com muitas e diferentes pesquisas. Em entrevista concedida ao canal Viva Bem, do Uol, no ano passado (20/04/2020), quando o país começava a enfrentar a covid-19, a médica paraibana Adriana Melo — uma das pioneiras nas pesquisas da época — disse que, assim como agora, havia muito descrédito. “Mas o tempo revela o que a ciência afirma precocemente. A epidemia do zika nos ensinou que temos que ter a mente aberta para novas doenças que com certeza irão surgir”, afirmou. Foi de Adriana a primeira amostra retirada do útero de uma mulher grávida e infectada que comprovou a relação entre o vírus e a má formação congênita.

As famílias aprenderam a reinventar sua rotina, com dedicação e afeto.

Projeto Implicações Psicossociais da Síndrome de Zika Congênita/Foto de Luana Moura.

Luta por políticas públicas

Desde o nascimento das primeiras crianças com a síndrome, muito se avançou em termos de “ciência do zika”, como lembra a professora Soraya Fleischer. Segundo ela, hoje é possível dizer com mais clareza como a doença é transmitida, como o vírus chega ao cérebro, quais as reverberações neurológicas. “A gente saiu de um momento de instabilidade científica gigante para um momento em que estamos quase próximos de uma vacina contra a zika”. Quem tem filho com essa condição atualmente, pode contar com um diagnóstico mais rápido e uma série de protocolos estabelecidos. Mas se por um lado há um pacote de informações mais definidas, diz Soraya, por outro, as famílias de crianças com microcefalia têm que lidar com problemas como falta de vagas em alguns serviços, outros que foram fechando as portas — o que pode ter a ver, em certa medida, com uma menor visibilidade do fenômeno que, naquele momento, contou com uma cobertura midiática intensa, mas aos poucos foi perdendo espaço para outras manchetes.

No livro “Micro”, a pesquisadora Barbara Marques aponta que o Estado de Emergência em Saúde Pública decretado na época mobilizou esferas da saúde, da assistência, da justiça e da ciência para investigar e produzir respostas à população. De acordo com as pesquisadoras, muito se deve também às próprias mães, que acabaram por criar uma rede vigorosa de mulheres. Participações em ONGs e associações, mobilização para eventos, passeatas, abaixo-assinados, cartas enviadas a parlamentares, audiências com gestores, troca de informações em grupos de WhatsApp, denúncias na imprensa. Elas não pararam. Raquel Lustosa diz que, nesses espaços foram traçadas estratégias coletivas para reivindicar assistência à saúde, previdência social e outras políticas sociais direcionadas às crianças e cuidadoras.

Leis específicas foram criadas, portarias sancionadas. Entre elas, a lei que prioriza o acesso dessas crianças ao BPC, no valor de um salário-mínimo, e a portaria de julho de 2016, que dá prioridade a essas famílias no programa Minha Casa Minha Vida com direito a apartamentos térreos por conta da dificuldade de locomoção das crianças. Em alguns municípios, existem também benefícios voltados à mobilidade das mães e crianças, como o passe livre no transporte público e as vans de prefeituras de cidades do interior para conduzi-las aos serviços de saúde. Mais recentemente, com os filhos chegando à idade escolar, essas mulheres também conquistaram o direito de matricular as crianças em creches. Todos esses benefícios trazem junto exigências a serem cumpridas e muita burocracia.

Desde setembro do ano passado, uma medida provisória concede pensão vitalícia às crianças nascidas entre 2015 e 2018. Para ter direito à pensão, a família precisa comprovar a relação entre a síndrome e o vírus, ser beneficiária do BPC e passar por uma nova perícia comprobatória do INSS. Há ainda outra condição: para acessar o benefício, a família precisa desistir da ação judicial movida contra o Estado por conta da epidemia. Nesse caso, explica Soraya, se a mulher se sentir lesada diante da negligência do Estado que falhou com as políticas de saneamento e ainda com a ausência de um plano de anticoncepção decente, por exemplo, ela não pode mais fazer nada.

As famílias comemoram as conquistas. Sabem que elas dão um certo alívio à dor e ajudam em alguma medida àquelas que tiveram a vida atravessada neste momento também pela pandemia. Mas nada disso é o bastante. Jusikelly tem acesso a todos esses benefícios, também aos programas de distribuição de leite, fralda, remédio, cadeira de rodas, que funcionam, em alguns casos, com o intermédio do poder público e em outros através do terceiro setor. Mas ela sabe que não se trata de um “presente caído do céu”. “Nós não ganhamos, nós conquistamos. É direito nosso”. Também não resolve a vida. “O salário de Luhandra”, ela diz, “mal dá para comprar as coisinhas dela”. Uma lata de leite custa 42 reais — sua filha consome mais de 30 por mês; um pacote de fraldas, 115 reais. Uma conta básica explica por que R$ 1.045,00 até amenizam os gastos, mas estão longe de ser suficientes. “Mas ela está em primeiro lugar. Tô tentando dar a ela o meu máximo. Eu queria era poder lhe dar mais”.

Em tempos de pandemia, uma das dificuldades é o acesso aos serviços de reabilitação.

Rede Zika Ciências Sociais/Foto de Maju Monteiro.

“Vidas que afetam”

Uma exposição virtual chama a atenção para o papel crucial da ciência brasileira, das famílias e do SUS nas respostas à zika. Intitulada “Zika: vidas que afetam” e composta por fotos, textos, vídeos e ainda um jogo interativo, a mostra é fruto de uma pesquisa colaborativa e está dividida em quatro partes que abordam desde a chegada do vírus ao Brasil e o inesperado aumento de casos de microcefalia até uma reflexão bastante oportuna sobre o que ainda precisa ser feito em relação as consequências daquela epidemia. As fotografias que ilustram esta reportagem integram a mostra, em cartaz a partir de março como parte das comemorações do aniversário de 120 anos da Fiocruz e que conta com a parceria da Rede Zika Ciências Sociais e do Museu da Vida, vinculado à Casa de Oswaldo Cruz(COC)/Fiocruz. “Vidas que afetam, que nos afetam e provocam a repensar as relações entre conhecimento científico, políticas públicas e sociedade”, reforça a presidente da fundação, Nísia Trindade, no site da exposição. Confira aqui: http://expozika.fiocruz.br/.

“Minha inspiração de vida”

Inabela Souza Tavares é a mãe de Grazi. Assim ela é conhecida. Assim gosta de ser chamada. Com a filha, que nasceu em novembro de 2015 com a Síndrome Congênita do Vírus Zika, aprendeu tudo sobre calcificação, órteses, tomografias e outros nomes estranhos. Aprendeu também a ser uma “mulher empoderada”, ela diz. Atingida em cheio pela epidemia de zika que afetou milhares entre 2015 e 2016, juntou-se a outras mulheres para lutar por direitos. “Quando vi que tinha um monte de mães brigando pela mesma causa, eu me perguntei: ‘O que eu estou fazendo aqui, sentada?’”, lembra, hoje, pouco mais de cinco anos depois do início dessa trajetória. “Eu fui e vou para todos os jornais possíveis pra minha filha não cair no esquecimento”.

Aos 36 anos, em novembro, comemorou mais um aniversário de Grazi, em família, por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus. Depois de ter enfrentado a dengue, a chikungunya e a zika, no ano passado testou positivo para covid e teve que se isolar das filhas por longos períodos — ela também é mãe de Flavia, de 15 anos. Ficou desanimada, sentiu muito medo. O que mais lhe doía era não poder segurar Grazi nos braços. O marido fazia malabarismos para que ela visse a menina pelo vidro da janela do quarto. Os dois dividem os cuidados com Graziela Vitória desde o dia em que ela nasceu — não são poucos os relatos de homens que abandonaram ou agrediram suas mulheres quando souberam da microcefalia de suas crianças. Por telefone, enquanto se recuperava das sequelas deixadas pela covid e de outros problemas de saúde, Inabela conversou com Radis. A entrevista, atravessada por emoção, é reproduzida aqui na forma de depoimento.

A gestação

O início de minha gestação foi tranquilo. Mas quando ia fazer cinco meses, dei entrada na maternidade com muitas dores e manchas no corpo. Fiquei praticamente paralisada. A médica me disse que provavelmente eu tinha dengue. Voltei pra casa e fiquei me recuperando. Quando fui fazer a ultrassom morfológica detectaram inicialmente a hidrocefalia. No mês seguinte, parecia que algo mais estava errado. Era microcefalia. Isso foi em 2015. Nessa época, a Secretaria de Saúde emitiu um alerta de que estavam nascendo crianças com a cabeça desproporcional ao corpo. Sendo que a foto mostrada na TV era um horror: uma criancinha com o rosto enrugado, parecia a face de um cachorro, pés e mãos tortos, uma coisa totalmente distorcida. Quando via aquela cena, a única coisa que eu fazia era pedir pra alguém ficar no meu lugar, no balcão da loja de eletrodoméstico onde trabalhava, e ia para o banheiro chorar.

O pior momento

Numa das vezes em que fui fazer a ultrassom, um médico me disse: “Olhe, mãe, você é nova, morena, bonita, tem 30 anos. Os exames estão indicando que sua filha, se nascer, vai nascer morta. Ou vai viver em estado vegetativo. Todos os órgãos estão comprometidos. Se decidir ir adiante, você só vai ser acometida de uma cirurgia que vai lhe deixar uma cicatriz horrível no pé da barriga”. Essa, para mim, foi a pior parte. Aquilo até poderia ser verdade, mas é muito doloroso ouvir daquele jeito. Foi o modo como ele disse que foi cruel. Poderia ter dito: “Olhe, mãe, você está preparada? Ela vai nascer assim, depois, converse com o seu marido para ver o que querem fazer”. Mas era um profissional despreparado. Agora tem psicólogo para contar pras mães, agora tem tudo. Antes era na lata, chutando mesmo.

O parto

Meu parto estava previsto para o dia de Natal, mas eu tive Grazi um mês antes, em 25 de novembro. Ela nasceu com 46 cm e 2,3 kg. No dia, olhavam para mim como se eu não pudesse estar feliz porque minha filha ia chegar. Era como se a gente tivesse culpa. Eu queria ser mãe outra vez de menina, enfeitar o quarto de princesa — como aliás eu fiz agora. E era como se esse sonho me tivesse sido tirado desde o diagnóstico. Mas veio o parto e mudou tudo. Eu fiz um código com o meu marido: “Assista ao parto. Se tiver tudo bem, faz ok pra mim. Se não estiver, fica calado”. Quando ele disse: “Nossa filha é linda!”, aí pronto. A médica não queria me deixar ver, colocou uma fraldinha enrolada na cabeça, mas eu chorava muito e dizia que queria ver a minha filha do jeito que ela veio ao mundo. Só sosseguei quando pude abraçar e tirar foto com ela, mesmo bem magrinha, sem cílios, quase sem pelo… A gente brincava, botava lacinho. Fizemos todo tipo de exame. Estava tudo bem. No dia seguinte já estava em casa.

A virada

Foram 15 dias de resguardo. Uma vizinha com quem não tinha nem intimidade foi até a minha casa, levantou o paninho e fez uma foto da minha filha que percorreu pelo zap da comunidade, sem a minha permissão. Nessa hora, eu disse: “Agora eu tenho que me levantar pra lutar. Se estão fazendo isso com ela agora, imagina lá na frente. Vão querer esmagar a minha filha. E eu não posso deixar”. Naquele mesmo período, passou na TV uma reportagem com as mães. Quando vi que tinha um monte de mães brigando pela mesma causa, eu mesma me perguntei: “O que eu estou fazendo aqui, sentada?”. E assim que pude, eu fui e vou para todos os jornais possíveis pra minha filha não cair no esquecimento. O que for direito dela, eu vou atrás.

Inabela e Grazi: amor em família. (Crédito: acervo particular)

A luta

Grazi começou a convulsionar com quatro meses e já passamos por fases muito difíceis. O BPC dela foi negado. Foram dois anos sem o Benefício de Prestação Continuada [Direito que assegura um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência]. Tive que usar todo o dinheiro da minha rescisão para comprar o leite especial que a farmácia não dava. Mas passei cinco anos me empoderando. Junto com outras mães, acionamos a Anvisa atrás do medicamento para a sobrevivência de nossos filhos. Brigamos pelo nosso direito à moradia [Portaria de julho de 2016 dá prioridade a essas famílias no programa Minha Casa Minha Vida]. As meninas foram à Brasília e conseguiram garantir a pensão vitalícia — com um monte de restrições, mas conseguimos [Medida Provisória de setembro de 2019 concede pensão especial vitalícia às crianças nascidas com a síndrome, entre 2015 e 2018, como decorrência da epidemia do vírus zika]. Hoje, tenho moradia digna. Na minha casa, tem um verdadeiro centro de reabilitação, com material de fisio, fono, bola de pilates, quadro educativo, massageador, bandagens, tudo o que você imaginar. Eu não tenho faculdade, mas sou pediatra, fono, fisio, ortopedista. Se vejo uma radiografia da perna da minha filha, sei identificar que osso está prejudicando, onde se agravou, o que melhorou.

A covid-19

Meu maior sofrimento agora é a pandemia. Ela me trouxe um estresse tão grande. Além de não poder levar minha filha para as terapias, médicos e exames, eu ainda tive covid em abril do ano passado. No hospital, me disseram que podia ser só um resfriado. Aí de repente amanheci com muita dor no corpo, dificuldade de respirar, dor no peito, até perda de olfato e paladar. Mesmo assim, o teste deu negativo para covid. Mas eu tinha todos os sintomas. O médico me deixou 14 dias de isolamento tomando azitromicina. Quando finalmente fiz o teste do cotonete [como é conhecido o exame RT-PCR, que consiste na identificação do RNA do vírus na análise de amostras nasofaríngeas coletadas por meio de um cotonete estéril (swab)], deu positivo. Mas aí eu já tinha tido duas pneumonias, estava com o pulmão comprometido, problema renal. Me empurraram, além da azitromicina, a cloroquina, mais 14 dias de isolamento. Depois disso, passei dois dias no hospital no tubo de oxigênio, porque aí eu já estava com crises de ansiedade e pânico. Imagine, tudo isso acontecendo e você com uma criança que tem comprometimento grave dos órgãos dentro de uma casa de 40m x 40m, o pai sozinho tendo que fazer tudo, cuidar da casa, cuidar dela, cuidar de mim, sair pra comprar remédio, esterilizar tudo, você no quarto isolada. Minha outra filha não mora comigo. Achei que fosse ficar louca. Era enlouquecedor. Eu pensava: “Minha menina não pode pegar! Não pode pegar!” O que mais me doeu foi não conseguir pegar a minha filha e meu marido ter que arrodear e me mostrar ela pelo vidro da janela [Emociona-se]. Isso foi no período de isolamento mais grave, em junho do ano passado. Eu já não tinha mais forças. Aí comecei a desanimar. Comecei a tomar muitos medicamentos que me deixavam com náusea, tontura. Eu queria ver minha filha e abraçar ela e meu esposo. E foi terrível. Isso mexe com o psicológico e deixa sequelas. Ainda hoje não estou totalmente bem.

A esperança

Grazi veio trazer para mim e para o mundo uma inspiração de vida. Ela é idolatrada por nossa família. Ela mostrou pra gente tanta coisa que as pessoas que não têm filho com deficiência nem imaginam. [Chora]. Grazi é minha inspiração de hoje eu estar de pé. Eu vejo a minha filha lutando todo dia pra sobreviver mais um dia de vida. É inacreditável. Se você passar uma semana com Grazi, você chora uma semana com ela. Porque não tem tempo ruim pra Grazi. Ela é uma criança que cativa todo mundo. Não é porque é minha filha, mas é uma morena muito linda, uma criança muito bem cuidada. Se você for no meu Face, no meu instagram, eu posto pra todos, não por amostração de minha filha fazer e o filho do próximo não fazer. É de incentivo pra ela não desistir. Foram cinco anos esperando que minha filha conseguisse rolar na cama. Cinco anos! Para muitos, isso não é nada. Mas eu queria fazer uma festa, mostrar pra todo mundo. Coloquei no insta e no face. Outras vezes, vem uma crise convulsiva e é como se lhe tirassem tudo. Quando o médico diz: “Mãe, ela teve perdas e você vai ter que começar tudo de novo”, olhe, Ana, você não tem noção. A pessoa já está lá, quase andando, vem a crise convulsiva e você precisa começar do zero. Mas hoje, eu posso até cair, mas me levanto e levanto muito mais forte porque sei que a queda foi de tanto lutar pelos direitos da minha filha.

“Grazi cativa todo mundo”. Ouça aqui.

A inclusão

Grazi hoje faz tudo. Só não está fazendo ainda a hidroterapia, mas vai começar em breve. Ela faz musicoterapia, psicoterapia, fono, terapia ocupacional, fisio. Trabalha a estimulação visual. Está na creche há um ano e meio e fui eu quem adaptei todas as creches por onde ela passou. Tive que mostrar que não era a Grazi quem tinha que se adaptar, mas a creche ou escola que tinha que se adaptar à Grazi. Passei um mês dormindo na creche, chegando de manhã e saindo de noite. Comecei a lutar por materiais para entrar dentro da escola. Fui bem persistente. Porque sei que minha filha tem as dificuldades dela, mas não posso deixar que as dificuldades impeçam de fazer as coisas. Ela tem o direito de ir e vir e de fazer o que quiser. Hoje, dou palestra nas escolas e creches. As diretoras me chamam e eu faço um trabalho voluntário. Antes da criança chegar à creche ou à escola, eu faço todo um trabalho e preparo esses espaços para receber as crianças. Eu vou lutar pela inclusão. Vou ser tudo o que Grazi não consegue fazer. Hoje, sou os braços dela, eu sou as pernas e, se for possível, eu sou a respiração.

O futuro

Eu deixei de querer saber o dia de amanhã. Porque o dia de amanhã não existe. Eu não consigo fazer planos. Por quê? Porque Grazi é uma caixinha de surpresas. Ela vive gargalhando, então você gargalha junto. Mas depois ela tem uma parada. Acho que o amor que ela nos transmite é em sorrisos. Mas não consigo fazer planos. Antes, eu vivia muita crise de ansiedade, criava muita expectativa. Hoje, o que tenho são desejos e o que eu desejo é que ela viva do jeito que consegue viver. E que seja muito feliz. A minha expectativa hoje para minha filha é que ela faça o que ela consegue. O que ela conseguir, pra mim tá bom. Eu tenho a consciência de que o meu papel eu tô fazendo. Se for terapia, ela tem. Se for pra lutar, ela tem uma mãe que luta. Se for pra comer e ela desaprende a comer, eu ensino ela a voltar comer de novo. Então, o que eu vejo pro futuro de Grazi é isso. É só que ela seja feliz.

“Que ela seja feliz”. Ouça aqui.

Micro-histórias na pandemia de covid-19

“Rafinha é uma criança grande, gorducha e de temperamento agradável. Com cinco anos, é calminho e sorridente, mas custou a conseguir acesso às terapias. Quando finalmente passou a ser visto como prioridade no sistema de saúde, os esforços foram abruptamente interpelados pela pandemia de covid-19. Profissionais de saúde voltaram-se para o tratamento da imensa quantidade de pessoas contaminadas pelo novo vírus. Alguns médicos e terapeutas foram dispensados das clínicas de reabilitação. Serviços terapêuticos foram encerrados. Rafinha agora fica gripado com mais facilidade, anda mais molinho, esquece alguns aprendizados.”

“Era uma tarde de calor na capital potiguar e Neusa observava a filha caçula, Viviane, dar longas braçadas na piscina com o auxílio da treinadora. Ao voltar para casa e ligar a TV, ouviu no noticiário sobre a disseminação do novo coronavírus. Mulher de fé, rezou para que o Brasil não fosse tão afetado pela doença. Agora, com os três filhos em casa devido à suspensão das aulas, a rotina doméstica se intensificou. O marido continuou trabalhando fora, mas o receio de contaminar alguém da família tornou a convivência distante. Além da solidão, da ansiedade e da sobrecarga, Neusa também passou a se preocupar com uma possível regressão de Viviane.”

“Ieda é uma mulher de 26 anos e mãe de quatro crianças. A epidemia de covid-19 não é a primeira que enfrentam. Em 2015 receberam o diagnóstico de que Ruan nasceria com microcefalia em decorrência da infecção pelo vírus zika durante sua gestação. A crise sanitária vivida em 2015 fez com que Ieda e muitas mulheres se politizassem e reivindicassem os direitos de seus filhos junto ao Estado. Recentemente, foi contemplada com o Auxílio Emergencial. Na fila, teve medo de que sua locomoção pela cidade a fizesse transmissora do vírus para o filho. A necessidade falou mais alto. Quando conseguiu fazer o saque, aproveitou que estava com um pouco mais de dinheiro para comprar em maior quantidade os itens da cesta básica, o leite das crianças e o material para produzir seus bolos, salgados e doces.”

Os parágrafos acima são trechos de histórias escritas por Júlia Vilela, Thais Valim e Barbara Marques para o blog “Microhistórias”. Elas fazem parte da equipe coordenada pelas antropólogas Soraya Fleischer e Raquel Lustosa, em uma nova pesquisa que surge como um desdobramento da anterior e, desta vez, pretende avaliar o impacto da covid-19 na vida das famílias que já haviam sido afetadas pela epidemia de vírus zika. “É como se elas voltassem no tempo e se vissem novamente naquele momento de incertezas”, diz Raquel, em entrevista à Radis. Para a pesquisadora, as consequências da covid vêm se mostrando desastrosas para essas mulheres. Não bastassem o medo de expor as crianças com microcefalia aos perigos do novo coronavírus, além da perda de renda e o desgaste emocional provocados pelo distanciamento social, essas mulheres passaram a enfrentar a interrupção dos serviços de reabilitação.

É verdade que, mesmo antes da pandemia, esses serviços vinham rareando. Em Pernambuco, Raquel acrescenta que já havia escassez de neurologistas, uma especialidade essencial para acompanhar o desenvolvimento das crianças. “Mas com a pandemia isso se agrava ainda mais”. Houve também falta de medicamentos e do leite especial, por exemplo. “Todas essas questões somadas fazem com que as crianças comecem a desenvolver um quadro de regressão, com muitas crises convulsivas”. Além disso, há ainda outro motivo de preocupação ressaltado pela pesquisadora. “Até a chegada da pandemia, essas mulheres conseguiam renda extra, afinal o valor do BPC não cobre as necessidades da criança diante dos medicamentos de alto custo e de todos os utensílios terapêuticos”. Com o distanciamento social, elas perdem a renda alternativa, deixam de confeccionar produtos ou vender comidas, uma vez que estão sobrecarregadas dentro de casa e ao mesmo tempo não podem sair, acrescenta a pesquisadora. “É preciso pensar nessa questão historicamente e valorizar o trabalho de cuidado dessas mulheres. Em um momento como esse vivido agora em uma pandemia, fica muito latente que elas ficam mais vulnerabilizadas do que qualquer outra pessoa”, conclui Raquel.

No meio do caos, as mães encontraram alívio nas outras mulheres. Ficaram em casa, mas não imobilizadas. Correram para a internet, aprenderam a fazer lives. Em um dia, chamavam profissionais de saúde para orientar nos cuidados das crianças. Noutro, trocavam experiências e desabafos. O efeito foi imediato. Depois de assistir a um desses vídeos organizados pelas mães nas redes sociais, uma fonoaudióloga se comoveu com a fala de uma delas sobre as fortes crises espasmódicas da filha desde que as terapias foram interrompidas. “Após a live, a fonoaudióloga ficou mexida, entrou em contato com essa mãe e se disponibilizou voluntariamente para ir até sua casa estimular a menina, da mesma forma como eram feitas as terapias com as crianças cujas famílias possuíam renda para pagar por um serviço personalizado”, escreve ainda Júlia Vilela em seu texto para o blog “Microhistórias” — página que reúne relatos testemunhais sobre ambas as pesquisas e em breve deve ser transformada em livro. Em tempo: a fonoaudióloga atendeu não apenas essa mãe e sua menininha, mas começou a prestar o serviço a muitas outras crianças.

Conheça as histórias de Rafinha, Viviane e Ruan, que abrem este texto, entre muitas outras: https://microhistorias.wixsite.com/microhistorias.

A busca da ciência por respostas

Pesquisas das mais variadas áreas de conhecimento se debruçaram sobre o fenômeno em busca de respostas. “Era uma situação excepcional, que exigia rapidez na elaboração e condução de investigações epidemiológicas”, declarou a médica Celina Turchi, em entrevista exclusiva à Radis, em 2016. Pesquisadora visitante do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz Pernambuco, Celina esteve à frente do Grupo de Pesquisa da Epidemia da Microcefalia (Merg), que reuniu uma rede de profissionais e investigadores de diversas instituições. Para ela, a emergência sanitária vivida à época deveria soar como um alerta. “Sempre que somos confrontados por uma epidemia, vemos que as iniquidades e desigualdades aparecem como um elemento de peso nessas tragédias”, disse. Pensando em ampliar um esforço conjunto e produzir pesquisas, em 2016, a Fiocruz instituiu a Rede Zika Ciências Sociais, com foco principalmente nas repercussões e consequências da epidemia do zika na ciência, na saúde e na sociedade. Desde então, a Rede vem investigando os processos sociais, políticos e epistemológicos decorrentes daquele momento.

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